Manchester – A repercussão negativa da fala dos advogados da BHP Billiton, na quinta-feira, que considerou a ação movida por 200 mil atingidos pela Barragem do Fundão, no Centro de Justiça Cível de Manchester, como “sem sentido” e uma “perda de tempo”, levou os defensores da empresa a serem mais cautelosos ontem, segundo dia de audiências para a admissão do processo internacional. Os defensores da BHP afirmaram ao juiz que não tinham controle diretamente sobre os processos de operação da Samarco, mas decidiram voluntariamente colaborar com a reparação e que todos os atingidos estão abarcados pelos acordos feitos com o poder público brasileiro. Tentaram, também, demonstrar que a Justiça brasileira tem condições de receber as reclamações de quem está insatisfeito com o que as companhias estão fazendo e que a Fundação Renova tem uma grande missão e é competente para trazer a reparação total aos atingidos.
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A seção começou tensa, pois foi preciso explicar ao juiz que a presença dos prefeitos de Mariana, Duarte Júnior (Cidadania), e de Rio Doce, Silvério da Luz (PT), não era uma ameaça à segurança da Corte, apesar de os dois terem cumprido apenas nove dos 14 dias de isolamento impostos aos estrangeiros para conter a COVID-19 na Inglaterra. Contudo, a lei tem algumas exceções, como a participação em audiências judiciais, sendo que os dois municípios são autores do processo. Os dois fizeram exames e testaram negativo e o juiz terminou permitindo que participassem da audiência.
Os advogados da BHP afirmaram ao juiz que são apenas acionistas e que não tinham influência nas decisões operacionais da Samarco. Que não se pode confundir a mineradora – que opera em vários países – com a parte da empresa que é acionista da Samarco numa joint venture (espécie de sociedade) com a Vale. Expressaram que a Samarco era independente e que pelo acordo com a Vale e os governos daria o suporte de recursos para que ocorresse a compensação dos danos provocados pela Samarco, mas que não há envolvimento que posicione a BHP diretamente como poluidora, nem obrigações legais fora do acordo. Em suma, a BHP Brasil rejeitou a responsabilidade pelo desastre, mas aceitou assumir, voluntariamente, 50% dos danos para garantir que houvesse reparação.
A defesa da empresa também atacou um dos argumentos dos advogados dos atingidos, de que não fazem parte dos acordos. Há dois acordos firmados, o Termo Transnacional de Ajustamento de Conduta (TTAC), de 2016, com valor de R$ 20 bilhões, assinado sem a presença do Ministério Público, e o TAC da Governança, ou GTAC, que tem a participação de todos e incluiu os pedidos dos ministérios públicos federal e estaduais, de R$ 155 bilhões. Segundo os defensores da BHP, ao contrário do que afirmam os atingidos, eles estão englobados pelos dois acordos e não apenas pelo de R$ 20 bilhões.
O juiz levantou uma dúvida ao dizer sentir que em alguns momentos que os promotores pareciam estar mais inclinados em resguardar o poder de reparação das empresas do que no melhor interesse dos atingidos. Os advogados então afirmaram entender que os promotores estavam resguardando a capacidade da Renova em promover os acordos por acreditar na metodologia e que a Renova está trabalhando e preserva os direitos à total reparação, inclusive dos reclamantes da Inglaterra.
Em seguida, ocorreu uma intensa defesa da utilização da Renova como ferramenta adequada para a reparação, uma vez que os atingidos e seus defensores a enxergam como ineficiente. Depois de recapitular o histórico da fundação criada em 2016 pelo TTAC para a reparação, compensação e indenização do rompimento, os advogados, para dar legitimidade, informaram que mais de 100 mil pessoas aceitaram pagamentos da fundação, entre eles parte dos reclamantes. Para defender a fundação, foi afirmado que a escala do desastre é enorme e que requer reparação.
Posteriormente, pontuaram que a Samarco não impôs a Renova, mas que seria uma filha do TTAC e que veio do Estado brasileiro e dos ministérios públicos, dos representantes dessa comunidade. Foi dito, ainda, que a Renova tem obrigações extremamente amplas e complexas sócioeconômicas, sócioambientais e indenizatórias. Tem de lidar com uma extremamente grande diversidade de acionistas e vítimas, mas que vai conseguir justiça e reparação.
Processo internacional
Os passos do julgamento no Reino Unido
» Tempo estimado: oito dias úteis
» Valor da causa: cerca de 5 bilhões de libras (R$ 33,8 bilhões)
» Diferenças em relação ao Brasil: os advogados falam mais do que o juiz, que sempre pergunta e conduz as questões nacionais. Na Inglaterra cada lado expõe longamente seus argumentos, sem interrupções
» Cronograma
» Três dias iniciais: advogados da BHP Billiton defendendo que a ação não deve ser julgada no Reino Unido
» Três dias seguintes: advogados do PGMBM defendem que a justiça não está sendo feita no Brasil e que as responsabilidades da BHP podem ser cobradas no Reino Unido
» Dois últimos dias: argumentos finais dos advogados e se inicia a avaliação do juiz até que uma decisão seja proferida
» O que pode acontecer?
» 1 - Juiz decide que a Corte não tem jurisdição sobre o assunto. Cabe recurso da PGMBM
» 2 - Juiz decide que o julgamento é válido. Normalmente, a BHP tentaria um acordo para reduzir os possíveis prejuízos e não sofrer perda de capital publicitário, desvalorização acionária e processos de seus acionistas. O acordo precisa ser levado aos advogados dos atingidos para avaliação
» 3 - Juiz decide que o julgamento é válido. BHP não oferece acordo ou os atingidos não aceitam os valores ofertados: julgamento segue até o veredito final do juiz
'Eixos prioritários' na Justiça Federal
O “Caso Samarco”, como é chamado na Justiça Federal, é julgado no mérito, com o reconhecimento judicial da responsabilidade e do dever das empresas rés, a Samarco, a Vale e a BHP de promoverem a reparação integral de todos os danos socioeconômicos e socioambientais provocados pelo rompimento da Barragem de Fundão. O processo tramita na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, está na fase de execução dos programas, sob a supervisão do juiz federal Mário de Paula Franco Júnior.
“Diversas decisões têm sido proferidas no âmbito dos eixos prioritários, a fim de que os mesmos sejam cumpridos e implementados. Recentemente, foram proferidas decisões importantes sobre a aquisição de 1.300 ventiladores pulmonares para o sistema público de saúde (SUS) de Minas Gerais e Espírito Santo nas ações de combate ao COVID-19, o retorno do Auxílio Financeiro Emergencial – AFE para mais de 7 mil famílias nesse período de pandemia, o reconhecimento judicial de diversas categorias impactadas, inclusive as informais, assim como o estabelecimento da matriz judicial dos danos, com arbitramento das indenizações correspondentes”, informou a Justiça Federal.
Há 42 programas em andamento ensejados pelas decisões e a cargo da Renova, sendo 22 socioeconômicos e 20 na área socioambiental. São 700 quilômetros de área impactada ao longo do Rio Doce e afluentes. As ações em curso são de médio e longo prazo.
As ações civis públicas impetradas na Justiça Federal de Minas Gerais foram reunidas em duas principais, com trâmite na 12ª Vara Federal de Belo Horizonte – sede da Seção Judiciária de Minas Gerais, que tem competência cível e agrária. “Ao processar e julgar as ações, o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior vem se utilizando de modernas técnicas de condução do processo e fundamentos jurídicos não só do direito brasileiro, mas igualmente do direito comparado”.
Dentre as diversas decisões de destaque nesse caso, o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior considera que “a sentença proferida no dia 1º de julho, estabelecendo a matriz de danos aos atingidos de Baixo Guandu/ES, é histórica, talvez a mais importante decisão do 'Caso Samarco' até o presente momento. Decorridos quase cinco anos do rompimento da Barragem do Fundão (Mariana/MG), a decisão reconhece, pela primeira vez, diversas categorias como impactadas, inclusive aquelas que se encontram no regime de absoluta informalidade, como lavadeiras, carroceiros, areeiros e pescadores de subsistência”. De acordo com a Justiça Federal, “ao buscar fundamento no direito comparado, especialmente no direito norte-americano, a decisão viabilizou concretamente uma matriz de danos justa e equilibrada, fundada na noção de 'rough justice' (ou 'justiça possível'), em que os standards probatórios são flexibilizados em prol dos atingidos e, como consequência, estabelece-se uma solução indenizatória comum, simplificado, contemplando um maior número deles, sem sobrecarregar o sistema judiciário com milhares de ações individuais.”