Nas estações de metrô e trens urbanos pelo país afora, o barulho das composições deslizando sobre os trilhos continua o mesmo, mas muita coisa mudou drasticamente na rotina, tanto dos passageiros quanto dos funcionários do serviço, passando pelos ambulantes das proximidades. A preocupação com o contágio pelo novo coronavírus e as medidas de prevenção passaram a embarcar em cada viagem de um serviço mais conhecido pela lotação do que pelo conforto. Mas até o sufoco mudou: a pandemia deixou vagões mais vazios, mas os usuários que não podem prescindir do serviço e os trabalhadores que precisam mantê-lo cheios de apreensão.
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No caso de BH, de acordo com a ANPTrilhos, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) transportava cerca de 156 mil usuários por dia útil antes da pandemia, total que despencou para cerca de 35 mil passageiros diários. A queda expressiva, porém, não é capaz de eliminar os riscos de contágio para usuários e trabalhadores de um transporte que continua sendo de massa.
Diante da exposição dos trabalhadores, o Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro/MG) decidiu fazer exames para a COVID-19, por amostragem, entre seus associados na capital. De acordo com o diretor de Comunicação da entidade, Pablo Henrique Ramos de Azevedo, a meta é testar 25% dos funcionários das estações e demais setores do transporte metroviário na Grande BH. O trabalho já começou. A detectação de resultados positivos, também.
“O objetivo é ter uma primeira avaliação sobre como está a contaminação entre os trabalhadores”, afirma Pablo Azevedo. A entidade quer pressionar não somente a CBTU, mas também o governo a testar os funcionários do setor e a manter uma política de controle e mapeamento, a fim de impedir a proliferação do coronavírus em trens e estações, também como forma de proteger a saúde dos passageiros.
“Se o governo testar todos os metroviários com uma política permanente, conseguiremos atuar para tirar os assintomáticos dos locais de trabalho, evitando um possível surto de coronavírus no serviço. Assim, teremos sempre o metrô funcionando para atender aos trabalhadores essenciais, como os profissionais da saúde e o pessoal de áreas como farmácias, supermercados e limpeza urbana”, argumenta Pablo.
POSITIVOS Até ontem, foram feitos testes em cerca de 180 funcionários, de uma previsão de 225. Um mapeamento definitivo deve ser divulgado na segunda-feira, mas os resultados preliminares de seis dos examinados deram positivo para contato com o novo coronavírus, embora nenhum tenha desenvolvido sintomas.
“Na verdade, os seis não têm mais nenhuma carga viral e já desenvolveram anticorpos. Mas tiveram a doença e nem ficaram sabendo”, afirma Pablo Azevedo. Segundo ele, os funcionários continuam trabalhando normalmente.
O diretor do sindicato salienta que, mesmo que o risco de contágio seja inerente ao serviço de transporte metroviário, a entidade vem fazendo gestões para que a CBTU adote ações que amenizem as chances de contaminação. Uma das providências sugeridas é a implantação de intervalo de meia hora entre os turnos dos setores que funcionam 24 horas por dia, para evitar contato entre as turmas.
“O fluxo de pessoas nas estações é muito grande. Ao mesmo tempo em que um funcionário pode contaminar um passageiro, outras pessoas assintomáticas podem contaminar outros usuários e os próprios trabalhadores”, alerta Pablo.
Funcionária teve a doença sem saber
O risco de se contaminar e acabar sendo foco involuntário de difusão do novo vírus fica evidente em histórias como a de D.M.F., 33 anos, funcionária da parte administrativa de uma estação do metrô de Belo Horizonte. Ela descobriu por acaso que estava doente, ao passar por uma barreira sanitária em uma das avenidas da capital, no fim de junho. Como apresentava febre, foi orientada a ficar em isolamento e a fazer o exame para a COVID-19. Mas, como o teste rápido deu negativo, voltou a trabalhar normalmente.
Na segunda-feira, novo exame mostrou que ela teve a COVID-19 e desenvolveu anticorpos para o coronavírus. “Desde o início da pandemia, sempre tomei cuidados preventivos. Mesmo assim, peguei o vírus sem saber. Espero não ter transmitido a doença para mais ninguém”, afirma a trabalhadora do metrô.
Distância do público e até dos corrimãos
Em um ambiente no qual a cada dia de trabalho o medo de contágio se renova, a sensação é de alívio entre trabalhadores submetidos ao exame e que recebem o primeiro resultado negativo. Glauber Nascimento Bonfim, de 35 anos, 13 deles como chefe de estação e atualmente no terminal do metrô do Minas Shopping, em BH, recebeu o resultado como sinal de que não pode descuidar das medidas de proteção que tem adotado.
Mesmo que elas tenham mudado completamente sua rotina. “Sempre tenho que usar a máscara ao sair. Evito tocar em corrimãos, mantenho distância das demais pessoas sempre que possível, uso álcool em gel e sempre faço a higienização das mãos quando chego em casa”, informa ele, casado e pai de dois filhos, de 13 e 5 anos.
Ainda sem passar pelo exame, Nathalia Dias Gomes, de 21 anos, que trabalha na bilheteria do metrô, diz que redobrou os cuidados, tanto em casa quanto no local de trabalho. “Mantenho o máximo de distância possível do usuário. Limpo a bancada da bilheteria quando chego, e de novo a cada hora de serviço. Uso álcool em gel constantemente”, afirma.
Marco Antônio Pedrosa, de 43, outro chefe de estação no metrô de BH, conta que não foi só sua rotina que mudou depois da pandemia, mas até o endereço. “Para proteção dos meus pais, antecipei a mudança para outro apartamento, juntamente com minha noiva”, revela. “O metrô é um transporte de massa. Há o receio de uma exposição maior ao vírus e, assim, de transmiti-lo aos familiares”, constata.
MEDIDAS PREVENTIVAS A superintendência da CBTU em Belo Horizonte informou que segue as determinações de prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da COVID-19 no metrô, inclusive disponibilizando testes e orientando o afastamento de funcionários com sintomas da doença. Afirma orientar, também, que haja monitoramento e testagem de todos os trabalhadores que eventualmente tenham tido contato com um colega com suspeita de contágio.
A companhia garante ainda ter adotado todos os protocolos de afastamento e trabalho remoto de empregados com outras doenças que componham o chamado grupo de risco, além de reforçar os equipamentos de proteção individual e informar sobre normas de prevenção.
Quatro meses depois das primeiras medidas de afastamento social em Belo Horizonte, informa que prepara processo licitatório para implantação de sistema de monitoramento térmico para usuários e empregados, assim como a aquisição de kits para testagem da COVID-19 em todos os funcionários. Porém, admite que não há prazos para realização dos testes.
Perda de R$ 4 bilhões pode pesar na tarifa
Considerado a medida mais eficaz contra a transmissão da COVID-19, o isolamento social trouxe um baque pesado para o movimento das estações de metrô do país, também afetado pelo aumento do desemprego decorrente da pandemia. No auge da crise sanitária, houve redução de passageiros do setor metroviário da ordem de 80%, o que representou, desde março, um acumulado de 650 milhões de passageiros a menos e uma quebra de R$ 4 bilhões no faturamento do setor.
As informações são do presidente da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores. Ele lembra que o setor emprega 40 mil pessoas em todo o Brasil. O país tem sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos em Minas, no Distrito Federal e outros nove estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Pernambuco.
Flores ressalta que o setor foi também afetado pelo trabalho em home office, e prevê que essa tendência se mantenha para muitos usuários, mesmo após o fim da pandemia. O que deve implicar perda permanente de demanda. “A curva de crescimento não será rápida. Acho que isso trará também uma oportunidade para que o poder público tente sair disso com a mobilidade mais bem estruturada, organizada e otimizada”, afirma o presidente da ANPTrilhos.
Ele lembra que a diminuição do numero de passageiros transportados poderá acarretar várias consequências, incluindo aumento de tarifas. Por isso, terão que ser buscadas alternativas de financiamento do transporte e outros mecanismos de melhoria do transporte público e da mobilidade urbana.
MOBILIDADE “O home office, que já era uma tendência, se intensificou nesta pandemia e trouxe impactos para a mobilidade das cidades. Percebe-se uma redução dos veículos em trânsito. Além disso, para aqueles que realmente precisam sair para trabalhar ou em busca de algum produto ou serviço, os deslocamentos estão mais rápidos e menos congestionados”, observa a urbanista Ana Luisa Correa Pires Veloso, especialista em engenharia de tráfego e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).
Para o professor Guilherme Guimarães Oliveira, do curso de engenharia civil da Unimontes, caso o home office se consolide no pós-pandemia, as consequências serão sentidas em todas as formas de mobilidade: “O impacto no trânsito será direto. A redução de fluxo de automóveis de passeio tende a ser mais significativa. Em relação ao transporte coletivo, também devem ocorrer reduções, porém menores”.
Com o medo no retrovisor
Os riscos que a pandemia trouxe ao setor de transportes são tema de reportagens que o Estado de Minas publica desde a segunda-feira. A série revelou em sua estreia o cotidiano de caminhoneiros que, para manter a roda da economia girando, frequentam áreas em que são mais altos os índices de contágio pelo novo coronavírus. Na cabine, levam o medo de transportar a doença, inclusive para as próprias casas. A disparada nos roubos de cargas que coincide com a disseminação da COVID-19 foi o segundo tema das reportagens, que na sequência abordaram a apreensão no dia a dia dos condutores de ambulâncias. Em sua edição de ontem, o EM revelou a condição precária dos mototaxistas, trabalhadores informais que encaram a ameaça de contaminação como a única forma de continuar sobrevivendo e mantendo suas famílias.