Agressões verbais, e até mesmo físicas, têm se tornado frequentes para vários motoristas, muitas vezes pelo simples motivo de eles cumprirem o dever de cobrar o uso de máscara de proteção dentro dos coletivos. O caso mais recente ocorreu no Bairro São Gabriel, Região Nordeste de Belo Horizonte. O ônibus conduzido por Renato Evangelista dos Santos, de 46 anos, trafegava pelas ruas, quando um grupo de pessoas sem máscara deu sinal de parada a ele.
Ao ver que as pessoas não utilizavam o acessório, o motorista gesticulou para que elas colocassem máscara, mas, sem sucesso. Renato, então, optou por não transportá-los. “Gesticulei sobre a máscara, e eles deram um sinal que depois (colocariam), como se fossem comprar ou conseguir a máscara depois. Não quis parar. Havia muita gente no ônibus. Já deduzi que ficariam ali em cima de mim, aglomerados. Continuei e entrei no Anel (Anel Rodoviário)”, contou Renato.
Leia Mais
Sob risco constante de contaminação, motoristas sofrem até agressõesViagens nos ônibus de BH diminuem por causa do isolamento e do medo da COVID-19 Minas passa dos 110 mil casos de COVID-19 e registra 2,4 mil mortes pela doençaGrupos anti-Bolsonaro convocam para manifestação neste domingo em BH“Uma menina desceu por último. Aí ela foi e me deu um tapa no rosto. Esperava do rapaz, mas da menina, não. Fiquei sem reação. Veio muita coisa na cabeça. Tinha uma outra passageira e foi conversando comigo, para eu ficar tranquilo”, contou. Renato não se conformou com a situação. “Me senti humilhado. Uma hora você se sente bem por ter conseguido superar, mas em outra você pensa que foi uma humilhação, uma profissão que não tem reconhecimento.”
Chegando em casa, foi como se a percepção do fato, naquele momento, fosse total para Renato. Ele teve, então, a sensação de ter sido humilhado. Mas foi pensando nos três filhos, na mãe – de 65 anos, que faz parte do grupo de risco da COVID-19 – e nas famílias presentes no ônibus naquele instante que o motorista tomou a atitude de não transportar pessoas sem o uso da máscara.
“Eu estava tentando olhar o meu lado e o lado de outras famílias que estavam dentro do ônibus, e acabei passando por isso. Uma injustiça. Você tentando fazer o bem…”, lamentou.
Apesar de estar na fatídica linha no momento da agressão, Renato tem escala fixa em outro ramal do transporte coletivo por ônibus de BH, que atende ao Bairro do Serra, na Região Centro-Sul da capital. Como o motorista transporta, na maioria das vezes, pessoas conhecidas pelo fato de se encontrarem todo dia, a cobrança pelo uso da máscara fica mais fácil.
“A linha em que trabalho passa pela área hospitalar e o final dela é na Serra. A gente passa essas coisas todo dia. Mas quando você está em uma linha que trabalha há mais tempo, você consegue criar um vínculo, as pessoas são mais tolerantes, são outras maneiras de abordar. A pessoa quer entrar sem máscara, aí eu falo: “Coloca a máscara para eu poder te levar”. Aí acaba pegando máscara do bolso, da bolsa”, relatou Renato.
Perdão
Perguntado se perdoaria a pessoa que o agrediu, Renato disse que sim, apesar de ser difícil. Se encontrasse com ela pessoalmente, o motorista pediria para que ela mudasse o jeito de tratar as pessoas. “Pelo fato de ser menina, eu perdoaria. Mas é muito difícil você perdoar. É porque não tem o que fazer. Só queria que ela aproveitasse o tempo que ela tem de vida e mudar. É até repetitivo falar que a vida passa rápido, mas ao invés dela ficar andando de ônibus para baixo e para cima, procurando problema, pediria que ela revisse a situação, olhar as pessoas nas quais ela está convivendo.”
Em Belo Horizonte, o uso de máscara no transporte coletivo é obrigatório desde o dia 22 de abril. Atualmente, se a pessoa for flagrada sem o acessório em coletivos e espaços públicos, por exemplo, ela poderá ser multada em R$ 100. Porém, mais do que o lado financeiro, é a consciência de que a utilização do item ajuda a combater a proliferação da doença. É o que Renato pede para quem ainda insiste em desrespeitar as regras.
“Para a sociedade, o meu recado é que não devemos pensar sozinhos. Temos que pensar como um todo, porque tem muita gente que tem familiares com idade já mais avançada, amigos… essa falta de cuidado, essa falta de responsabilidade de entender que essa situação que estamos passando é muito grave, que o vírus é letal, já tem bastante caso de morte, de contágio, e o pessoal não está levando a sério. Tem muita gente que às vezes sai sem necessidade. Gostaria que tivesse mais consciência e responsabilidade, porque está prejudicando a todos. Não tem distinção de classe, raça, nada.”
Outros casos
Em maio, um motorista foi agredido enquanto fazia a linha 7070 (Terminal Ibirité/Durval de Barros) em Ibirité, na Região Metropolitana. Em um determinado momento, Varlei Resende pediu para que um passageiro utilizasse a máscara. Como resposta, recebeu socos. Mais tarde, Varlei utilizou uma rede social para desabafar sobre a situação.
"Bom dia a todos, hoje pela manhã fazendo o 7070, sentido Palmeiras, um passageiro, que mora nas redondezas do São Pedro, veio me agredir por eu pedir a ele para colocar a máscara, porque já é lei no comércio e, principalmente, no coletivo. Aí, fica minha indignação dos seres humanos, que, pra mim, é um animal que pega a gente indefeso”, escreveu Varlei na época.
No mesmo mês, no Centro de Belo Horizonte, um coletivo da linha 4410 (Celso Machado/Urca - Via Saramenha) foi apedrejado por um rapaz que foi impedido de entrar no ônibus sem o uso da máscara. O homem foi detido por crime de dano ao patrimônio.