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Estado de Minas

COVID-19: conheça a terapia que salva vidas 'fora do corpo' em BH

Oxigenação por membrana extracorpórea recupera paciente que ficou 20 dias em coma no único hospital da cidade que oferece a técnica


26/07/2020 06:00 - atualizado 26/07/2020 07:57

Marco Aurélio ao lado da esposa, Maria Aparecida, que também se recuperou da COVID-19, já em casa com toda a família(foto: Túlio Santos/EM/D.A Press )
Marco Aurélio ao lado da esposa, Maria Aparecida, que também se recuperou da COVID-19, já em casa com toda a família (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press )

Durante o aumento no número de casos de COVID-19, um equipamento que ajuda no tratamento de pacientes com a doença provocada pelo novo coronavírus renova esperanças da medicina. A oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês) é capaz de salvar pacientes entre a vida e a morte, como ocorreu no centro de tratamento intensivo (CTI) do único hospital em Belo Horizonte que faz uso da técnica. Após 20 dias em coma, Marco Aurélio Dias, que completou 60 anos em 15 de abril – quando ainda estava internado –, pôde retomar sua rotina com o abraço da esposa, que também se infectou e foi tratada no quarto ao lado do marido.

 

O aparelho pode substituir a função cardíaca e respiratória de um paciente incapaz de sustentar a vida por si mesmo. “O coronavírus causa uma doença inflamatória sistêmica, acometendo principalmente os pulmões. Nesse contexto, a ECMO substitui a função pulmonar ou cardiopulmonar, oferecendo ao paciente o tempo que ele precisa para enfrentar a doença de base”, explica Marina Pinheiro Rocha Fantini, coordenadora da Cardiologia Pediátrica e da equipe de ECMO da Rede Mater Dei de Saúde. Segundo ela, a ECMO só é utilizada quando a terapia convencional é insuficiente para salvar a vida.

 

A médica conta que a tecnologia está presente no mundo desde 1971, quando foi utilizada pela primeira vez em Michigan, nos Estados Unidos. Desde então, CTIs utilizam a técnica em inúmeras situações clínicas, o que tem salvado milhares de vidas ao redor do mundo. No Brasil, essa terapia chegou apenas há 15 anos. Em Minas, o grupo do Mater Dei foi credenciado pela Extracorporeal Life Support Organization (ELSO) e está habilitado para fazer ECMO.

 

“Para alcançar bons resultados é preciso muito treinamento, experiência, trabalho multidisciplinar, engajamento com as equipes dos CTIs e apoio institucional. Infelizmente, ainda nos deparamos com entraves burocráticos que dificultam a disseminação da terapia. Quando existe organização técnica e apoio da instituição, conseguimos indicar a terapia de forma precoce e oferecer uma última chance ao paciente”, ressalta Marina.

 

Segundo dados divulgados em 2 de julho, foram 76 casos em que foi empregada a ECMO no Brasil, com sobrevida de 55%. Isso significa que a terapia salvou a vida de 41 pessoas, que morreriam pela doença. Na instituição particular de saúde de BH, 13 casos foram atendidos com a terapia até o início do mês, com taxa de sobrevida em 65%. “Isso é um número muito bom. A ECMO é uma terapia complexa e arriscada, indicada a pacientes que têm chance de morrer em torno de 90%”, explica a especialista. “É ressuscitar o paciente”, conclui.

 

“RESSUREIÇÃO” Marco Aurélio é um dos pacientes que ‘ressuscitaram’ depois do equipamento. De acordo com a médica, ele é o único paciente com COVID-19 de Minas Gerais  tratado com ECMO e um dos primeiros do Brasil que tiveram alta hospitalar. “Indicamos a ECMO em um momento que os pulmões já não funcionavam de forma eficiente para mantê-lo vivo. Uma hora depois do início do tratamento, ele já tinha melhorado muito. Em cinco dias a função pulmonar estava recuperada e a ECMO foi retirada”, conta a médica, satisfeita com o resultado.

 

O filho de Marco Aurélio, o representante comercial Aguilar Coelho de Andrade, de 41, conta que o pai ficou em coma durante 20 dias ao lado da mãe. A família não sabe onde eles foram infectados, mas os sintomas surgiram em março. No dia 19, o pai de Aguilar  apresentou febre e tosse. No dia 21, foi a vez da mãe, a aposentada Maria Aparecida de Andrade Dias, de 60. No dia 31, o casal já estava entubado no CTI. “Toda manhã a gente entrava na sala e acompanhava o quadro, que era pior a cada dia”, conta Marco Aurélio.

 

A situação era desanimadora até 7 de abril, quando a médica reuniu familiares e disse que precisaria usar a ECMO. “A doutora Marina falou com a gente: ‘O caso da sua mãe é grave e o dele é gravíssimo’. Esse foi, com certeza, um dos dias mais difíceis da minha vida”, relata Aguilar, que naquele momento saiu do hospital sem assinar a autorização, pois não tinha como arcar com o tratamento, que custa mais de R$ 100 mil. “Fui embora morrendo de medo de ele falecer”, conta.

 

Mais tarde, o hospital ligou para Aguilar e lhe pediu que comparecesse à unidade. Chegando lá, ele foi informado de que o equipamento havia sido utilizado mesmo sem assinatura. “O próprio hospital o colocou na ECMO sem a gente assinar. Eles não olharam o lado financeiro, a preocupação é se ele iria sobreviver. Disseram para a gente que colocaram nosso pai na ECMO porque era a única chance de vida que ele tinha. Daí pra frente, a gente só teve notícia boa todos os dias.”

 

RECOMEÇO Marco Aurélio acordou do coma ainda na ECMO. A família evangélica se apegou à fé em Deus para lidar com o momento. Segundo Aguilar, por cerca de 25 dias os familiares fizeram corrente de oração durante 24 horas – a cada hora, um parente se dedicava às preces. “Quando tudo acabou, fiquei muito com meu pai no quarto. Ele contava de experiências sobrenaturais, que via muitas pessoas orando por ele. Lembra disso muito claro, mas quando acordou não tinha noção da gravidade do que aconteceu. Mostrei as fotos dele entubado, contei tudo e ele ficou bem assustado”, disse o representante comercial.

 

Hoje o bancário já pensa em voltar ao trabalho pois “não aguenta ficar quieto”, diz o filho. Marco Aurélio já está bem clinicamente, mas precisou praticar exercícios de respiração e começar aos poucos a fazer atividades físicas. Hoje, faz fisioterapia. A mãe de Aguilar também foi se recuperar em casa, e gradualmente retoma suas atividades normais . “A ECMO salvou a vida do meu pai. Ele não teria sobrevivido se tivesse ido para hospital que não tivesse o tratamento. É um baita presente de Deus ver seu pai e sua mãe vivendo de novo. O coração fica cheio de alegria e gratidão de dar essa segunda vida a eles”, diz o filho.

 

Aguilar ressalta o cuidado dos profissionais de saúde envolvidos no tratamento dos pais. “Também somos gratos pela excelente mão de obra de toda a equipe. Eles têm uma excelente máquina e excelentes profissionais para operá-la”, ressalta Aguilar. “Um dia, quando cheguei, havia três profissionais com ele na sala. Durante dois dias tinha uma pessoa que ficava observando a máquina o tempo todo, porque não podia ‘tirar o olho’.”

 

FORTE ALIADO  A tecnologia aliada a um corpo médico preparado pode salvar vidas. Assim como a família de Marco Aurélio ficou satisfeita por ter uma nova chance, a medicina também comemora. “É uma satisfação imensa. Isso é fazer a medicina do jeito que a gente gosta de fazer. Salvar vidas e dar o máximo que a gente puder”, comemora a coordenadora da equipe de ECMO, pronta para dar novas chances aos doentes. “Cada paciente é único. E a gente não vai perder nenhum, todos têm uma saída”, ressalta Marina Fantini.

 

No caso da pandemia do novo coronavírus, se a ECMO fosse mais acessível, muitos pacientes poderiam não fazer parte da estatística de óbitos por COVID-19 no Brasil. “Quem trabalha com terapia intensiva deveria ter ECMO sempre. Além de salvar vidas, ela diminui a comorbidade daquele doente. Ele é reintegrado à sociedade de um jeito menos ‘machucado’”, conta a médica.

 

Segundo Marina Fantini, no contexto da COVID-19, os grandes centros de terapia intensiva do mundo estão usando a ECMO e com chance sobrevida “muito interessante”. “A ECMO não foi incorporada ao SUS porque (o sistema) não dava conta de absorver a organização necessária. Mas os números mostram que o paciente com ECMO gasta menos. São muitos benefícios, mas Minas tem um jeito medroso de se abrir para novas tecnologias”, opina Fantini, que apela para que pacientes com grave disfunção pulmonar ou cardiopulmonar tenham fácil acesso ao tratamento. “A gente precisa brigar por isso. Já devolvemos o Marco Aurélio pra casa, e já devolvemos outros”, conclui. 


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