Manchester – Os 5 anos de espera por justiça dos atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, seriam apenas a metade do que os advogados da BHP Billiton consideram “razoável”, até que se esgotem os prazos do Termo de Ajustamento de Condutas da Governança (GTAC), que prevê R$ 155 milhões em reparações. Enquanto isso, segundo o Ministério Público de Minas Gerais, em Mariana, menos de 15% dos atingidos receberam as indenizações pelos danos decorrentes do rompimento que matou 19 pessoas e deixou quase 700 mil atingidos na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, entre Minas Gerais e o Espírito Santo. No último dia de considerações dos advogados da multinacional, os defensores da companhia argumentam que a ação indenizatória que é julgada no Centro de Justiça Cível de Manchester poderia ser trazida novamente dentro de 5 anos, caso o GTAC não tenha trazido completa reparação aos atingidos.
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O julgamento de admissão da jurisdição é a fase mais crítica desse processo, quando o juiz determinará se a BHP pode ser processada fora do Brasil. Na justiça brasileira, geralmente, quem acusa fala primeiro e depois o acusado se defende. Na Inglaterra ocorre o contrário. Nos três primeiros dias foi a BHP quem sustentou a incompetência do processo no Reino Unido, enquanto os advogados dos atingidos defendem essa premissa. Caso o juiz julgue caber ao Brasil apenas o julgamento das indenizações, à a possibilidade de recusa. Mas, se a jurisdição do Reino Unido for aceita, a possibilidade de uma acordo é grande e pode se transformar na maior causa em temos de vítimas e valores do Reino unido e envolvendo brasileiros.
A primeira tarefa dos advogados foi trazer ao juiz esclarecimento sobre os dois acordos que existem no Brasil sobre o rompimento: o Termo Transacionado de Ajustamento de Condutas (TTAC) e o TAC da Governança. Ações públicas que destinam a total reparação ambiental e social dos atingidos pelo rompimento. Contudo, passados 5 anos do rompimento, nem perto de uma reparação completa se chegou, com o Ministério Público de Minas Gerais estimando as indenizações em Mariana, o município mais afetado, em cerca de 10% a 15% das vítimas.
Especialistas consultados pelos advogados do PGMBM afirmam que em milhares de ações civis públicas em São Paulo, o maior estado do Brasil, a reparação alcançada é genérica e injusta. “As decisões só conferem uma compensação genérica, mas a quem sofreu danos específicos e que precisa de uma liquidação específica, não será abarcado pela ação civil pública, necessitando de uma ação própria na Justiça”, apontaram os advogados. Para os advogados britânicos, o único caminho que os atingidos brasileiros têm são os programas financiados e gerenciados pelas empresa que os prejudicaram, as ações civis pública ou processos individuais, como o que é movido em Manchester. “A ação civil pública é completamente fora do controle da pessoa afetada, pois é uma decisão genérica e não particular. Grandes negócios não se beneficiam desse tipo de sentença genérica. Entidades públicas e prefeituras, que têm patrimônio público, não podem se beneficiar de uma ação pública. Precisariam abrir as suas próprias ações para defender o patrimônio público”, argumentam os advogados do PGMBM.
Últomos argumentos
A BHP teve a manha ainda para seus últimos argumentos. Foram citados casos como o dos derramamentos de petróleo na Nigéria, entre 2007 e 2009, que foram julgados na Holanda, mas tinham responsabilidade direta da companhia petrolífera Shell, o que a BHP tentou mostrar que não é a mesma realidade da controladora da Samarco, pois a companhia não participava das operações enquanto sócia ao lado da Vale. O argumento principal foi o risco de duplicação de ações, ilustrada, segundo os advogados da multinacional, pelas prefeituras de Mariana e Santa Cruz do Escalvado, que processam a BHP na Inglaterra e a Samarco, Vale e BHP no Brasil.
Os defensores da multinacional frisaram que se à dúvida quanto à competência da corte inglesa para julgar o caso de Mariana, o estado poderia se abster. O estado seria, segundo sua tese, necessário para a condução de investigações, mas não é necessário uma presunção de culpa. Sustentaram que o juiz federal brasileiro tem “tudo que é necessário para chegar às suas conclusões”. Sempre, o defensor relembrava sua tese de que uma ação no Reino Unido duplicaria as questões brasileiras. “Não poderia ser consolidado na corte uma classificação binária (bem ou mal), há várias questões e processos no Brasil (sobre o rompimento e seus atingidos) que já lidam legalmente no Brasil. Tudo que está sendo trazido aqui (em Manchester) está no Brasil, perante o juiz, da mesma forma como vemos aqui”, sustentou o advogado.
Outro expediente utilizado foi o de afirmar que uma decisão britânica poderia atrapalhar a Justiça no Brasil. “Uma corte inglesa não pode se adiantar, sendo que há uma ação sem consolidação no Brasil contra a mesma empresa. No mínimo, teríamos de esperar a justiça própria ser feita. Há muitas razões para que esperemos que haja uma consolidação do caso no Brasil. Há uma ação (civil pública) de R$ 155 bilhões que teria de esperar uma conclusão final. Essas questões se relevantes podem ser conciliadas na justiça do Brasil. Nada impede os brasileiros de virem à corte inglesa daqui a 10 anos, caso estejam insatisfeitos, mas é preciso aguardar que a justiça tenha uma palavra final no caso no Brasil”, disse o representante legal da companhia anglo-australiana.
A questão de aguardar os trâmites no Brasil foi defendida à exaustão. “Não faz sentido não se esperar. Não é possível liquidar uma questão que ainda está aberta (no Brasil). É necessário terminar essa ação genérica de R$ 155 bilhões (ação civil pública) para se dizer que há algo faltando, após a recuperação do meio ambiente e de todos os assuntos que necessitam de consolidação”, defendeu a BHP, que considera que as ações do Brasil e do Reino Unido sejam intimamente ligadas. Segundo a companhia, pelo menos 58 dos autores estão em sobreposição de pedidos na Inglaterra e no Brasil.
O juiz pergunta várias vezes se uma decisão dele, que for na direção contrária do judiciário brasileiro, geraria uma outra ação da BHP na Inglaterra. O último exemplo foi sobre a responsabilidade direta da BHP como poluidora do Rio Doce. O advogado da multinacional frisou que esse é um dos riscos de sobreposição de ações no Brasil e no Reino Unido.