Para os parentes das vítimas da COVID-19, a dor da perda e do luto soma-se à angústia de não poder dizer adeus ao ente querido. Isso porque as pessoas mortas com a doença, para se evitar aglomerações e riscos de propagação do coronavírus, são enterradas em caixões lacrados, sem direito a velório.
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Essa foi a situação vivida pela família do produtor rural Gerino Alves da Costa, de 56 anos, natural de Novorizonte, no Norte de Minas. Ele morreu no dia 3 de julho, no Hospital Municipal Doutor Oswaldo Prediliano Santana, em Salinas, a Capital da Cachaça, na mesma região.
Filho de Gerino, o trabalhador rural Daniel Alves da Costa, de 29, afirma que o pai dele foi tratado no hospital de Salinas como paciente suspeito de infecção pelo novo coronavírus e que, desta forma o corpo foi sepultado na localidade de Campo Verde, na zona rural de Novorizonte, em caixão lacrado, sem a despedida da família.
Depois, o resultado do exame de material recolhido do produtor rural deu negativo para o novo coronavírus.
Daniel Alves disse que no dia 23 de junho, após ser encaminhado pela Secretaria de Saúde de Novorizonte, o pai dele, que tinha problemas de coração, deu entrada no Hospital de Salinas. Ao chegar lá, o paciente foi internado na ala dos “suspeitos da COVID-19”.
O trabalhador rural alega que achou estranha a “suspeita”, tendo em vista que seu pai morava na zona rural “e não costumava sair de casa”.
Relata que havia mais de um mês que Gerino não ia sequer até sede urbana de Novorizonte, distante nove quilômetros da casa da família (na Fazenda São Miguel).
Além disso, não tinha sido registrado nenhum caso da COVID-19 em Novorizonte. Até esta segunda-feira (27), a Secretaria de Estado de Saúde contabiliza apenas um caso de COVID-19 no município, mas Daniel sustenta que trata-se de outro paciente que também não teve a doença.
Daniel assegura ainda que Gerino foi submetido a um teste rápido no Hospital de Salinas, que deu negativo. Mesmo assim, ele foi mantido na “ala dos suspeitos do coronavirus”.
O trabalhador rural relata que, inconformado com a situação, decidiu pagar um teste RT-PCR do pai em um laboratório particular de Salinas. Esse exame é considerado o padrão-ouro da Organização Mundial da Saúde (OMS), o mais indicado para detectar o vírus.
Ele alega que teve dificuldades e que, somente no dia 3 de julho, pela manhã, após ameaçar chamar a Polícia Militar, uma funcionária do laboratório conseguiu entrar no hospital recebeu o material para o exame.
Gerino morreu na tarde daquele mesmo dia e foi enterrado na manhã seguinte, em um pequeno cemitério na zona rural de Novorizonte, sem a presença dos familiares, impedidos do adeus por causa da suspeita do coronavirus.
Mas, dois dias depois, saiu o resultado do exame feito pelo laboratório particular. Deu negativo. Aí, já era tarde.
Daniel informa que também solicitou o resultado de exame de RT-PCR feito em material de seu pai, que foi realizado pelo própria Secretaria Municipal de Saúde de Salinas.
Somente nesta segunda-feira (27), revela, que ele foi até o hospital e pegou o resultado do teste, que também deu negativo.
“O corpo do meu pai foi colocado dentro de um saco plástico, como se fosse um saco de lixo. Foi direto do hospital para a sepultura. Não teve velório, não teve nada”, reclama Daniel.
“Foi muito difícil pra mim. Não pude ver meu pai pela última vez. Não vou conformar com isso nunca. Só quero justiça”, afirma o produtor rural, que tem duas irmãs.
Ele disse ainda que saiu de Turvolândia, no Sul de Minas, onde estava trabalhando numa plantação de tomate “na meia” e viajou para Salinas, a fim de acompanhar o tratamento do pai. Daniel alega que agora vive um drama.
“Eu tive que entrega abandonar a lavoura de tomate. Vim pra cuidar do meu pai e não pude nem ver ele. Agora, estou passando por um momento muito difícil. Minha mulher (Franciele) está grávida do nosso primeiro filho. Não tenho casa própria e estou morando na casa da minha mãe, na roça”, confessa.
Outro lado
A Prefeitura de Salinas informou que o paciente Gerino Alves da Costa, que esteve internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Municipal Doutor Oswaldo Prediliano Santana, “foi encaminhado pelo município de Novorizonte para Salinas com suspeita de contaminação pelo novo coronavírus”.
Alega que foram realizados dois testes no paciente, “ambos apresentaram resultado negativo”. “Com relação ao tratamento, este foi realizado seguindo protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em que mesmo tendo recebido resultado negativo no teste rápido ou RT-PCR, apresentando sintomas, o paciente deve ser tratado de acordo o quadro clínico apresentado”, diz a prefeitura por meio nota.
“Para fins de esclarecimento, comunicamos que o paciente esteve internado na área de isolamento para casos de COVID-19, afastados dos demais pacientes, que já haviam sido testados. O paciente apresentava cardiopatia grave, com situação cardíaca comprometida. Foi desenvolvida síndrome respiratória grave, em que o paciente foi transferido para a UTI, em que veio a óbito”, informa a nota da prefeitura.
“Com relação ao tratamento, este foi realizado seguindo protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em que mesmo tendo recebido resultado negativo no teste rápido ou PCR, apresentando sintomas, o paciente deve ser tratado de acordo o quadro clínico apresentado”, assegura a municipalidade, que informa ainda que o caso de Gerino não foi contabilizado entre os óbitos provocados pelo coronavírus em Salinas.
Ainda segundo a prefeitura, até esta segunda-feira foram registrados 259 casos da COVID-19 em Salinas, com 10 mortes provocadas pela doença e 233 pessoas recuperadas.