Jornal Estado de Minas

COVID-19

Sobrepeso e obesidade: grupo de risco para COVID-19



Mais da metade da população brasileira está acima do peso. A obesidade atinge um a cada cinco brasileiros, segundo dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2018, divulgada em julho de 2019. O aumento é gradativo em todas as faixas etárias, tanto em homens quanto em mulheres, crianças e idosos no Brasil. De 18% a 20% são portadoras de obesidade.



A doença é o principal fator de risco para pessoas com menos de 60 anos infectadas pelo novo coronavírus, conforme dados do Ministério da Saúde. Isso significa que elas apresentam quadros mais graves da doença, que se desenvolve mais rapidamente para a síndrome respiratória aguda grave (SARS) e outras complicações. Em Minas Gerais, no boletim epidemiológico divulgado ontem, dia 27, eram contabilizadas 234 mortes de pacientes obesos com o novo coronavírus.

O alerta foi dado logo no início da pandemia, mas ganha novamente destaque diante do número de óbitos e de casos de destaque. No exterior, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, recuperado da COVID-19, desde que saiu da UTI declarou que perdeu seis quilos. Por lá, dois em cada três britânicos estão acima do peso. O caso é tão urgente que foi divulgada uma série de estudos, já que quem está acima do peso tem 40% mais risco de morrer. Para obesos, a probabilidade é até 90% maior. Os dados são da Agência de Saúde do Reino Unido.

O jornalista da SporTV Rodrigo Rodrigues, de 45 anos, diagnosticado com a COVID-19, com sobrepeso, teve o quadro agravado no fim de semana e precisou ser submetido a uma cirurgia. Ele está internado em uma UTI de um hospital no Rio de Janeiro depois de confirmada uma trombose venosa cerebral.



(foto: Arte EM)


O médico Adauto Versiani Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional Minas Gerais (SBEM-MG) e membro do corpo clínico do Hospital Felício Rocho, explica que obesidade é uma doença crônica que pode levar a outras doenças como diabetes, hipertensão e colesterol alto. “Tem componente familiar, genético e comportamental, com as pessoas comendo mal cada vez mais e não praticando atividade física. Então, é entrada de mais caloria no organismo sem gasto. O que leva a uma proporção epidêmica. No Brasil, mais de 55% da população está com sobrepeso, ou seja, com o Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 25% e abaixo de 30%. A taxa de 30% confirma a obesidade”, destaca o especialista.

O IMC (veja ferramenta de como calcular) é a medida mais simples e barata, segundo o endocrinologista, de descobrir em grandes estudos a população obesa. Ele alerta que é possível ter um homem forte, com muita massa magra, peso aumentado, mas sem sobrepeso. Mas, na maioria das vezes, a pessoa visualmente acima do peso está com sobrepeso. A medida aumentada indica acúmulo de gordura nos tecidos, principalmente a visceral (da barriga) que pode produzir citocinas que causam inflamação em diversos tecidos responsáveis pelos quadros das doenças já citadas, além de apneia do sono, infarto e derrame.

“A COVID-19 começa na primeira fase com um quadro respiratório, simulando uma pneumonia virótica e, na segunda fase, é a chamada tempestade de citocinas. O vírus induz o sistema imunológico a dar uma resposta incontrolável de produção de citocinas inflamatórias para tentar combater a inflamação promovida pelo novo coronavírus. Imagina uma paciente nesta tempestade já tendo o organismo inflamado?”, enfatiza Adauto Versiani.




Neste cenário, destaca, o paciente pode caminhar para quadros trombo-embólicos. Trombose que pode dar em qualquer veia do corpo, como ocorreu com o profissional do SporTV, que foi uma trombose venosa cerebral.

Ansiedade


Com a pandemia, é esperado o aumento da ansiedade e angústia, seja pela preocupação com a saúde diante do risco da COVID-19, economia e política. Então, lembra o endocrinologista, muitas pessoas descarregam a tensão no que lhes dão prazer imediato: a comida. Principalmente no consumo do açúcar, que libera a serotonina, melhora o humor, ela fica feliz, mas o efeito é fulgaz.

“Para enfrentar a pandemia, as pessoas têm dois caminhos a seguir: o do copo cheio ou do copo meio vazio. Ou decide aproveitar a quarentena para comer de forma mais saudável, beber mais água, diminuir o álcool, tomar sol, fazer exercício, melhorar o sistema imunológico para, quando tudo passar, estar pronto para encarar as tentações. Ou ela escolhe chutar o balde e terá consequências que podem ser graves”, avisa Adauto Versiani.

Endocrinologista Adauto Versiani explica que obesidade é uma doença crônica que pode levar a outras doenças como diabetes, hipertensão e colesterol alto (foto: Arquivo Pessoal)


Carlos Rodrigues de Alencar, médico do trabalho e coordenador de saúde e segurança do Hermes Pardini, enfatiza que, em pacientes com suspeita da COVID-19, a obesidade é avaliada em conjunto com outros fatores de risco. “Hoje, a indicação é que pacientes com IMC acima de 40 (obesidade grau III) sejam avaliados em serviços de referência, independentemente da apresentação clínica inicial. Isso quer dizer que, mesmo com sintomas leves, devem ser avaliados em serviços geralmente hospitalares, que possibilitem a realização de exames laboratoriais e de imagem rapidamente.”



Já em pacientes com obesidade em um grau I ou II, reforça Carlos Rodrigues de Alencar, existe também um aumento do risco, que é difícil quantificar devido à obesidade estar frequentemente associada a outras condições de risco, como diabetes e hipertensão. “Esses pacientes merecem também uma atenção maior, mas podem ser tratados ambulatorialmente caso apresentem sintomas leves.”

População adulta


No Brasil, mais de um quinto da população brasileira é obesa, segundo estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgado em outubro de 2019. O documento revela que a proporção de obesos na população adulta brasileira passou de 12,7% em 1996 para 22,1% em 2016. No mesmo período, a média da OCDE passou de 15,4% para 23,2%. O levantamento é baseado em critérios definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que levam em conta o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). No país, 25,4% das mulheres adultas são obesas, enquanto o número de homens é de 18,5%. E quase 11% das crianças são consideradas obesas. A média na OCDE é de 9,9%. O número de crianças pré-obesas no Brasil chega a 17,2%.

Estudos pelo mundo


» Pesquisadores franceses, do Instituto Lille Pasteur, examinaram 124 pessoas internadas por conta do Sars-Cov-2 de 27 de fevereiro a 5 de abril de 2020. Os resultados mostraram que 47,6% eram obesas (ou seja, apresentavam índice de massa corporal, o IMC, maior que 30) e 28,2% tinham obesidade grave (IMC maior que 35). Os cientistas notaram que 85 pacientes (68,6% do total) utilizaram ventilação mecânica, sendo que a proporção foi maior entre os obesos graves (85,7%).





» Investigação americana, conduzida na Universidade de Nova York, avançou com 4.103 pacientes da cidade. Entre eles, 44,6% eram cardíacos, 39,8%, obesos, e 31,8%, diabéticos. Enquanto 51,3% (2.104) foram acompanhados em casa, 48,7% (1.999) precisaram de hospitalização. Os estudiosos comprovaram que os casos mais graves eram associados 
à obesidade.

Três perguntas para

Paulo Augusto C. Miranda, endocrinologista cooperado da Unimed-BH

1) A pessoa com sobrepeso ou obesa tem maior risco de contrair a COVID-19 e de desenvolver outras doenças infecciosas?
Obesos e diabéticos têm risco maior de desenvolver formas graves da COVID-19. É interessante observar que, algumas vezes, as duas condições se sobrepõem em um mesmo paciente. As pessoas portadoras de obesidade têm risco maior para desenvolvimento de doenças infecciosas, formas graves de doenças respiratórias virais, como a influenza, que é a gripe, e outras infecções pulmonares que se tornam mais comuns. A COVID-19 segue um padrão, que já se observa em estudos anteriores, mostrando esta maior suscetibilidade do obeso a ter infecções virais ou eventualmente bacterianas em forma mais grave do que na população em geral.

2) Quais são as consequências mais graves? 
A obesidade, muitas vezes, é acompanhada por um estado inflamatório subclínico, maior predisposição a doenças cardiovasculares e trombóticas, além do próprio peso ser uma sobrecarga no arcabouço torácico o que vai fazer com que a ventilação seja prejudicada. Além dos fatores relacionados à imunidade e ao desencadeamento de respostas inflamatórias sistêmicas, a gente tem maior dificuldade para a ventilação da pessoa portadora de obesidade. Isso se somando vai levar a um maior risco de dificuldade de ventilação, redução do aporte de oxigênio e, por consequência, maior risco da forma grave da COVID-19. E sabemos que em casos de situação de ventilação mecânica, a mortalidade por COVID-19 aumenta de forma significativa.





3) Há estudos comprovando esta relação perigosa e grave? 
Nós já temos levantamentos epidemiológicos tantos europeus, norte-americanos como também relatos de observações nacionais que demonstram esta associação. De forma interessante, observa-se que o papel da obesidade como o desenvolvimento de formas graves da COVID-19 se faz entre as pessoas mais jovens. Quando se tem o grupo que já é de maior risco, pessoas acima de 60 anos, o risco associado à obesidade, nos primeiros levantamentos, tem uma redução da obesidade como fator de risco isolado, aí é preciso analisar individualmente. Mas na população abaixo de 60 anos, ela é mais relevante. Aumento de três vezes se comparado à população em geral. Um ponto importante para ressaltar é que há dificuldade desse levantamento em análise de prontuário porque não é incomum que o relato do peso, o IMC, esteja faltando na descrição de evolução desses pacientes no Brasil e no mundo todo. Mostrando a importância de nos atentarmos para a obesidade como doença, a necessidade de relatar de maneira adequada para uma melhora tanto da observação epidemiológica quanto de tratamento.

Plano inglês


A obesidade é tão grave, preocupação de vários países do mundo e da Organização Mundial da Saúde (OMS), que o governo do primeiro-ministro britânico Boris Johnson anunciou ontem um plano de luta contra o sobrepeso no Reino Unido com financiamento de 10 milhões de libras (cerca de US$ 12,5 milhões), segundo o jornal The Guardian. O plano “Em melhor saúde” tem como objetivo ajudar 35 milhões de pessoas (mais da metade da população do país) a perder peso e a viver de forma mais saudável. O plano foi divulgado depois que um estudo da PHE revelou, no sábado, que pessoas obesas têm risco adicional de 40% de morrer pelo coronavírus. Entre as medidas estão a proibição total de publicidade on-line de alimentos não saudáveis e antes das 21h na TV; a obrigação de restaurantes e de locais que entregam comida de tornarem público o número de calorias de suas refeições; ou ainda que as lojas façam o mesmo em suas garrafas de bebida alcoólica.