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Estado de Minas ESPECIAL

Alimentada pelo turismo, terra de Guimarães Rosa acumula perdas por causa da COVID-19

Em Cordisburgo, visitas ao museu do escritor mineiro e à Gruta de Maquiné estão suspensas. Só comércio essencial funciona. Com 8,6 mil habitantes, cidade tem uma morte confirmada e 48 casos da doença


31/07/2020 06:00 - atualizado 31/07/2020 07:25

A máscara na estátua de Guimarães Rosa e a presença de agente de saúde junto ao monumento Portal Grande Sertão sinalizam medidas restritivas
A máscara na estátua de Guimarães Rosa e a presença de agente de saúde junto ao monumento Portal Grande Sertão sinalizam medidas restritivas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Cordisburgo – Barreiras sanitárias nas duas únicas entradas de Cordisburgo, a 117 quilômetros de Belo Horizonte, já mostram a mudança de rotina na pacata cidade na Região Central do estado, que teve uma morte e 48 casos confirmados desde o início da pandemia de coronavírus. Na quarta-feira, o município, que tem 8.667 mil habitantes (conforme dados do Censo de 2010) aderiu ao Minas Consciente, do governo estadual que categoriza os riscos da doença e medidas restritivas, mas autoridades já vinham adotando ações  em conjunto com a comunidade para tentar frear a COVID-19. No monumento Portal Grande Sertão, que dá acesso à LMG-754, atualmente o principal caminho para Curvelo, máscaras foram colocadas nas obras em homenagem ao escritor João Guimarães Rosa (1908/1967), nascido neste pedaço do cerrado mineiro.

Mesmo aderindo ao programa governamental, pouca coisa muda na prática, segundo a secretária-adjunta de Saúde, Geovana Campello. “O decreto já mantinha o comércio fechado e somente o essencial estava aberto. Isso permanece. Estávamos em consonância com as normas. O que mudou é que agora os municípios são obrigados a aderir, e antes era só uma orientação”, detalha. Nesta semana, o Decreto nº. 1.322, assinado pelo prefeito José Maurício Gomes, foi prorrogado e continuam suspensos os atendimentos presenciais ao público em estabelecimentos comerciais de todos os gêneros, como salões de beleza, bares, restaurantes e lanchonetes. Há liberação para as atividades internas, com autorização para venda sob retirada ou delivery.

No portal da cidade, para quem segue de Sete Lagoas ou da BR-40, já na reta de chegada é possível se ver os cones da barreira sanitária 1. Diariamente são aferidas de 300 a 500 pessoas. Além dos cuidados para evitar contágio, os técnicos têm de ficar de olho na estrada. “Semana passada, uma colega estava por lá e daí veio um carro que quase a atropelou. A maioria das pessoas é educada, mas muitos, não. Com o cone da polícia na pista, eles respeitam mais. Mesmo assim, não pode descuidar porque é perigoso”, diz Arlene Mendes da Silva. Há oito anos agente de saúde, ela está todos os dias integrada à blitz.Na barreira 2, na saída da LMG-754, que dá acesso a Curvelo, a agente de saúde Solange Pereira de Oliveira conta que a cidade está de um jeito que nunca viu: “Fechada e sem o turismo”. Ao lado do monumento Portal Grande Sertão, que tem a estátua de Guimarães Rosa, ela avalia que a fase de conscientização está melhor. “Neste momento, está mais tranquilo o movimento da barreira, pois não detectamos ninguém doente ou com sintomas. Depois que tivemos casos confirmados aqui, as pessoas ficaram mais conscientes”, acredita Solange, cordisburguense que se tornou profissional de saúde durante a pandemia.

Em alerta


Cidade montou duas barreiras sanitárias para controle de acesso: uma morte e 48 casos de coronavírus confirmados
Cidade montou duas barreiras sanitárias para controle de acesso: uma morte e 48 casos de coronavírus confirmados (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Ainda que concorde, a secretária-adjunta recomenda cautela, observando que no início da pandemia o município teve dificuldades em manter a população em distanciamento social. “Tivemos denúncias sobre furões da quarentena fazendo festas, não respeitando. Mas isso acabou a partir momento em que casos foram testados positivos. Quando a pessoa vê alguém de perto doente, já muda de postura e a partir daí ela mesma passa a tomar conta e a denunciar abusos ao decreto”, analisa Geovana.

“Nunca vi uma coisa dessas”


Desde março, com a adoção das medidas necessárias para tentar frear o coronavírus, a economia local acumula perdas, especialmente na área do turismo, uma das principais atividades do lugar. A Gruta de Maquiné, seu principal ponto turístico, está fechada desde março. Somente funcionários dão a manutenção e têm acesso. Para se ter uma ideia do peso dessa perda, a atração – sete salões grandes, num total de 650 metros lineares, formados por rochas de origem sedimentar do fundo de mares da Era Neoproterozóica (1.000 a 545 milhões de anos) – recebeu 17.883 visitantes somente entre março e julho de 2019.

À exceção dos essenciais, estabelecimentos comerciais têm atendido somente pelo sistema de entrega
À exceção dos essenciais, estabelecimentos comerciais têm atendido somente pelo sistema de entrega (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Em nota, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) informou que a visitação está proibida por tempo indeterminado em razão da pandemia, o que vale para as demais 92 unidades de conservação sob gestão do governo de Minas. Guia, José Luiz Gomes do Carmo, de 69 anos, é um dos que sentiram diretamente o impacto. Desde que ingressou na profissão, jamais havia parado como agora. “Quarenta anos em atividade e agora a quarentena”, brinca com as palavras. “Se não tivesse pandemia, aqui estaria muito movimentado. Sou nascido e criado aqui e nunca vi uma coisa dessas. Realmente, muito triste”, lamenta.

Na cidade funciona também o Museu Casa Guimarães Rosa, que guarda móveis, livros e objetos pessoais do escritor mineiro, incluindo cerca de 700 documentos. Foi o imóvel em que morou com a família desde seu nascimento.

Da realidade aos livros

Pandemias do passado são também relembradas nas obras do escritor e médico cordisburguense Guimarães Rosa, como a gripe espanhola, entre 1918 e 1920, que marcou sua geração. Quase um século antes da crise do coronavírus, ela provocou cerca de 35 mil mortes no Brasil e em torno de 50 milhões no mundo. No livro Primeiras estórias, no conto O cavalo que bebia cerveja, há uma referência ao “ano da espanhola”: “Era homem estrangeiro. De minha mãe ouvi como, no ano da espanhola, ele chegou, acautelado e espantado, para adquirir aquele lugar de todo defendimento, e a morada, donde de qualquer janela alcançasse de vigiar a distância, mãos na espingarda [...]”Em outras de suas facetas, o poeta e o doutor se entrelaçam na construção de narrativas. No livro Sagarana, no conto Dueto o personagem Cassiano Gomes foi dispensado do Exército devido às “más válvulas e maus orifícios cardíacos”, e mais tarde desenvolveu um quadro de insuficiência cardíaca congestiva.



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