Isolados nas torres: a vida no condomínio JK durante a pandemia
Com 34 andares e 5 mil moradores, conjunto no Centro-Sul da capital adota desinfecções e medição de temperatura para barrar o coronavírus
Por
Elian Guimarães
02/08/2020 04:00 - Atualizado em 02/08/2020 09:58
audima
A decretação da quarentena do coronavírus pela prefeitura de Belo Horizonte, em 20 de março, atingiu em cheio os 5 mil moradores do Condomínio Kubitschek, mais conhecido como JK, na Região Centro-Sul da capital. Com população superior às de 223 dos municípios mineiros, segundo projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes a 2019, o condomínio adotou medidas para isolamento imediatas, tanto por parte da administração quanto individualmente.
Grande parte das pessoas que habitam os 1.083 apartamentos nas duas torres, uma de 34 andares, na Praça Raul Soares, e outra de 22, na Rua dos Timbiras, no Bairro de Lourdes, recebeu com precaução e apreensão a notícia da pandemia. O desconhecimento em torno do que estava por vir e as primeiras notícias sobre o grupo mais vulnerável ao quadro mais grave e letalidade da doença assustaram. Boa parte dos moradores do JK está no grupo de risco. É significativa a população de idosos, muitos sozinhos e sem assistência de parentes.
Enquanto a cidade parava, medidas preventivas foram tomadas. A administração instalou de imediato pias com sabão e papel toalha nos acessos aos dois prédios. Exigiu o uso de máscaras para funcionários, moradores e visitantes. Recomendou o isolamento e evitar circulação em áreas comuns. Progressivamente, outras medidas foram tomadas: permissão de lotação máxima de três pessoas por viagem em cada um dos 17 elevadores que atendem às duas edificações; a desinfecção de áreas comuns três vezes ao dia; tapetes para higienização dos pés nas portarias; limitação de acesso aos apartamentos dos serviços de entrega e medição de temperatura de moradores e visitantes. Com a quarentena, a presença de entregadores de delivery aumentou significativamente.
Morador do bloco A, na Rua dos Timbiras, desde 1982, o administrador de empresas Sérgio Hirle de Souza, de 62 anos, conta que tomou todas as medidas cabíveis para proteger a mãe, Zilda Hirle de Souza, de 87, portadora do Mal de Alzheimer e cadeirante. Ex-presidente do Conselho Distrital de Saúde Centro-Sul, o morador contou que ao receber a notícia procurou isolamento, evitando o máximo possível qualquer contato externo, saindo apenas para o extremamente necessário. Os passeios diários foram suspensos. Pelo tempo de moradia na Região do Bairro de Lourdes, tem muitos conhecidos e "seria inevitável o encontro de pessoas amigas, algumas não muito conscientes sobre contatos durante uma pandemia", explica.
Ele avalia que alguns procedimentos poderiam ser mais rigorosos. "As obras de troca das esquadrias metálicas da fachada, que já duram algumas décadas, continuam. Muitos proprietários de imóveis, aproveitando o momento de desaquecimento do mercado de aluguéis e vendas, resolveram reformar suas unidades”, diz. Sérgio defende que essas ações fossem suspensas durante o isolamento. "Somente no meu andar são oito idosos que moram sozinhos. Convivemos com barulho, poeira e circulação de operários e entregadores de materiais. Além do mais, o barulho gera transtornos a quem precisa trabalhar no sistema home office."
Corretor de Imovéis, Luiz Silva Dias, de 55, é morador do bloco B desde 2003. Conta que viver no condomínio é motivo de orgulho e considera uma de suas "melhores escolhas". Não se lembra de quantos apartamentos negociou nos dois prédios em sua carreira. "Em relação à COVID-19, a administração, dentro do possível, tomou as devidas medidas. Sabemos que no JK moram muitas pessoas com idade avançada e eu, na medida que posso, tento ofercer ajudaa a esses vizinhos, como fazer uma compras, algum serviço bancário, evitando que saiam às ruas".
Alguns moradores criaram um grupo de WhatsApp para atender voluntariamente as necessidades dos idosos e outros vizinhos classificados como grupo de risco para a forma grave da doença. Eles compram medicamentos, alimentos, entregam correspondências e prestam ajuda solidária. O corretor também mudou sua forma de atendimento aos clientes interessados em unidades no condomínio. Quando o imóvel está ocupado e o morador não se importa em receber o visitante, "usamos pantufas descartáveis, máscara e álcool em gel, e tento fazer uma visita bem rápida, sem muita conversa."
Serviço de saúde
De acordo com a Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, em torno de 400 moradores do condomínio são inscritos junto a uma equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) do Centro de Saúde Oswaldo Cruz, no Barro Preto. Entretanto, esclarece a secretaria, todos os moradores têm acesso aos serviços oferecidos na unidade e podem se cadastrar para se vincularem a uma ESF. Nesse período de pandemia, a ESF manteve as visitas domiciliares no condomínio. "No caso de pacientes mais vulneráveis, o acompanhamento da equipe contempla também serviços domicialiares de entrega de medicamentos e receitas, e ainda coleta para exames", informa.
Observatório do confinamento
Nascida na capital argentina, Buenos Aires, a tradutora Julieta Sueldo Boedo, de 48, mudou-se para Belo Horizonte há 20 anos e em 2015 foi morar no bloco B, na Praça Raul Soares, endereço que considera "o melhor lugar de BH”. Foi com um “susto” que ela se deparou, no início da pandemia, com números cartazes em corredores, elevadores, chamando a atenção para medidas preventivas. Mas ela se diz "impressionada" com a higiene do prédio. "O pessoal passa pano e lava as escadas e áreas comuns desse prédio enorme constantemente, e as demais medidas me parecem bem adequadas."
Do alto de seu apartamento, em um dos andares mais elevados da torre de 34 pavimentos e 1.086 unidades habitacionais, Julieta disse observar bem o movimento da cidade desde o início do isolamento social: "Nos primeiros meses, março e abril, a cidade ficou quase deserta mesmo. Agora o movimento de carros é bem intenso, bem como a circulação de pessoas. Vejo que a maioria das lojas está aberta, com atendimento restrito, mas funcionando."
Sua casa é um apartamento duplex, um dos mais cobiçados entre os 13 tipos de unidades boladas pelo arquiteto Oscar Niemeyer, com vista de quase 360º por toda a cidade. Esse tipo de unidade tem a sala com vista para as serras do Curral, Piedade e do Cipó. E pela janela do quarto, no segundo nível, uma ampla visão das regiões Norte, Nordeste, Pampulha, Oeste e Noroeste da capital.
“Adoro a diversidade das pessoas que aqui moram, mas também a incrível privacidade que a estrutura do prédio e dos apartamentos nos permite ter. A beleza das formas, muitas em diagonal, das paredes, dentro e fora do apartamento. E claro, nosso belíssimo horizonte que posso apreciar daqui das alturas", diz, para em seguida assinalar que as regras do condomínio poderiam ser mais flexíveis. "Fico incomodada com algumas regras , como não poder hospedar um familiar ou amigo por mais de três dias. Isso na nossa própria casa. Também são tantas áreas ociosas no condomínio que poderiam ser mais bem aproveitadas."
Outra reclamação é a ordem para a portaria não receber objetos, documentos ou correspondências pessoais, a não ser as dos Correios e órgãos oficiais e contas. "Se um amigo ou empresa quiser deixar um envelope na portaria eles não recebem e a pessoa precisa subir. Poderíamos também ter ações de mais interação com nossos vizinhos, principalmente os idosos, para ver se precisam de alguma coisa”, defende.
Nos primeiros dias de isolamento, uma moradora teve a iniciativa de promover um "momento musical". Com o consentimento de vizinho, ela colocou a caixa de som na porta de sua casa, em baixo volume, no horário combinado. Porém foi "advertida" pela administração por "incômodo".
A administração do condomínio JK não respondeu à solicitação de informações e posicionamento à reportagem do Estado de Minas. (EG)
Palco para manifestações
Com o isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, o bloco B do edifício JK, localizado na Praça Raul Soares, entre a rua Guajajaras, e avenidas Olegário Maciel e Amazonas, transformou-se em palco para projeções das mais diversas naturezas. As manifetações ganham visibilidade em seu paredão de 34 andares em localização privilegiada da cidade. Já houve convocações políticas, divulgalção de informações de utilidade pública com recomendações das autoridades sanitárias, projeções culturais e manifestações de carinho familiar.
Foi assim com Auta Silveira Minchilo, nascida em São Pedro da União, Sul de Minas Gerais, e que mudou-se para Belo Horizonte em agosto de 1976. Em 13 de abril, ela chegou aos 84 anos e completaria também bodas de diamante, caso o marido estivesse vivo. Como Auta é portadora do Mal de Alzhemier, e em plena pandemina, a tão esperada festa junto à família não pôde acontecer.
Dona Auta mora com um filho, a nora e um neto, responsáveis por seus cuidados, além de uma profissional cuidadora. Mas os seis filhos, 15 netos e três bisnetas resolveram prestar uma "homenagem a distância". Ela conta que enviou a mensagem in box, via Instagram, ao movimento "Viva JK" (responsável pelas projeções), que foi escolhida entre várias outras. "Parabéns mamãe Auta, te amamos muito, infinito e além. Em breve nos abraçaremos, um beijo" , dizia o texto.