Jornal Estado de Minas

Isolada na pandemia, tribo de Minas luta por terra pelas redes sociais



Resplendor – O isolamento social em tempos de pandemia do novo coronavírus impôs às pessoas um imperativo: “fique em casa” ou “se puder, fique em casa!”. Muitos são resistentes a esse isolamento, que altera a rotina com tantos protocolos a seguir. Ficar em casa é se submeter a restrições nem sempre agradáveis. E se a casa, o lar, fosse um território sem os muros e a rigidez do isolamento doméstico? No município de Resplendor, distante 139 quilômetros de Governador Valadares, no Leste de Minas, o povo krenak cumpre o confinamento em um espaço com aproximadamente 4 mil hectares de área. Atividades diárias relacionadas à proteção ambiental, como plantio de árvores e recuperação de nascentes, caça e coleta, passeio a cavalo, são comuns no isolamento. Nenhum krenak está recluso em casa. “Estou isolado em minha aldeia e está tudo bem”, diz Douglas Krenak, filho de Waldemar Krenak (já falecido), um dos mais respeitados líderes do povo krenak, cuja missão prossegue nas lutas dos filhos Douglas, Shirley e Geovani. Mas isso não quer dizer que não haja dificuldades. Uma deles é dar prosseguimento à luta por demarcação de terras.





Desde o início do isolamento social em março, os krenakes não registraram nenhum caso de COVID-19, vivem livres pelo território, mas a liberdade é limitada. “Não estamos indo à cidade (Resplendor) para fazer compras ou resolver outros problemas. Também não estamos colocando em prática a nossa luta pela demarcação de terras, de forma presencial, indo a Brasília (DF) ou a outras capitais do Brasil, e até mesmo ao exterior, onde sempre denunciamos o descaso do governo brasileiro com a questão indígena”, diz Douglas Krenak, que reclama da demora no processo de demarcação das terras. Ao todo, segundo ele, os krenakes têm direito a 12 mil hectares de terra.
 
Embora as redes sociais sejam um instrumento capaz de ativar essas lutas, os limites de acesso à tecnologia de informação impedem a comunicação dos krenakes. O sinal de internet é instável na aldeia e alguns dos índios têm pouca familiaridade com o “novo normal” visto nas lives, que se tornaram febre nas redes. E como as lutas dos krenakes envolvem questões complexas, a conversa presencial é bem mais prática e objetiva, segundo Douglas Krenak. Mesmo assim, a luta continua, como diz Shirley Krenak, a guerreira que nunca para, e nos últimos dias vem preparando uma grande assembleia on-line das mulheres indígenas, que ocorrerá amanhã e sábado.
 
Shirley diz que, há um ano, mulheres indígenas de todo o Brasil realizaram uma mobilização histórica em Brasília, reunindo mais de 2 mil parentas de 113 povos para discutir o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”. “Em 2020, com o agravamento das violências aos povos indígenas durante a pandemia do novo coronavírus, decidimos ‘demarcar as telas’ e realizar essa grande mobilização das mulheres indígenas nas redes da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)”, disse Shirley.




Saúde e educação


Douglas Krenak cavalga nas terras da tribo, que não registra casos de COVID-19 (foto: Katyane Nunes Dias/Divulgação)
Mesmo sem ter casos de COVID-19 na aldeia, Douglas Krenak disse que a saúde do seu povo é umas das principais preocupações dos líderes, porque ao longo dos anos os hábitos alimentares mudaram muito e isso ocasionou uma série de doenças, como a hipertensão arterial, problemas respiratórios, diabetes e outras. Com a pandemia, o atendimento foi reduzido por força dos protocolos do Ministério da Saúde. O tempo de permanência da equipe de saúde na aldeia diminuiu. A equipe é composta de médico, técnicos de enfermagem, enfermeira e dentista. “Antes, a gente tinha o atendimento diário e durante o dia inteiro. Hoje, a equipe permanece a metade desse tempo”, comenta Douglas Krenak.
 
Izac Barbosa Axer, chefe da Casa do Índio (Casai), em Governador Valadares, e que coordena os trabalhos na região, diz que apesar da redução do tempo de permanência nas aldeias, os profissionais têm seguido os protocolos, usado os equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários e mantido todos os cuidados para evitar contágios. Ele explica que os atendimentos eletivos estão suspensos. As aulas na aldeia foram suspensas, como em todas as escolas da rede estadual de ensino.