“Gabi, não desiste de mim. Não deixa eles desistirem de mim.” O apelo foi feito por Lucas Pires Augusto, de 32 anos. Ele era médico, pai do Benjamim e da Isabella, marido da Camila e o único irmão da Gabriela, para quem mandou a mensagem antes de ter sido intubado e perder a vida para a COVID-19, em decorrência das complicações provocadas pela doença respiratória. Nascido em Cataguases, na Zona da Mata mineira, o neurocirurgião atuava no Paraná e foi uma das mais de 100 mil pessoas no Brasil que tiveram a história interrompida pelo coronavírus.
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“O Lucas era um rapaz muito estudioso, inteligente. Era um amigo leal. Joguei bola, tomei cerveja com ele. Era um cara pacato, disciplinado. Tanto é que passou em medicina numa universidade pública no final do terceiro ano. Era um cara dedicado e conseguiu alcançar o sonho”, afirmou.
Do Paraná, Lucas foi para Ribeirão Preto estudar na Universidade de São Paulo. No interior paulista, o neurocirurgião fez parte da equipe que separou as gêmeas siamesas Maria Ysabelle e Maria Ysadora, há dois anos, em cinco etapas de cirurgia, que foram orientadas pelo médico norte-americano James Goodrich, que faleceu no final de março também devido à COVID-19.
“Meu irmão participou de todas as cirurgias para separar as gêmeas. Ele sempre contava para a gente. Ficou muito feliz. Depois, a recuperação delas foi muito boa, muito mais rápido do que imaginávamos. O Dr. Goodrich morreu de COVID-19 no final de março lá em Nova York. Eu me lembro de que quando ele morreu o Lucas mandou a notícia no grupo da família. Mandou uma foto deles juntos. Ficou muito triste. A gente não imaginava que o meu irmão também teria a mesma doença”, lamentou Gabriela.
Os últimos cinco anos de Lucas foram dedicados ao ingresso firme dele na neurocirurgia. Ele havia terminado a residência médica em janeiro. Fez as duas últimas provas nos Estados Unidos e foi aprovado logo na primeira tentativa. Já estava pronto para atuar, mas quando aperfeiçoaria suas habilidades num estágio previsto para durar dois anos, na Flórida (EUA), a pandemia começou e os planos mudaram.
“Ele conseguiu um estágio de dois anos na Flórida, onde aprenderia técnicas que ninguém conhece aqui no Brasil. Ia se aperfeiçoar muito. Seria muito bom para ele e para os pacientes dele quando ele voltasse”, conta a irmã. Com a chegada da pandemia, Lucas não conseguiu o visto, e mudou-se para Ivaiporã, onde a mulher, grávida da segunda filha, teria ajuda da família dela é de Maringá.
No novo endereço, o médico começou a atuar no Instituto de Saúde Bom Jesus. O destino mudou quando ele teve contato com um paciente infectado pela COVID-19, que não apresentava sintomas da doença. Lucas se internou em Maringá em 20 de julho com efeitos colaterais leves, mas que foram se agravando. “A gente tinha certeza que não ele não teria complicações. Ele só tinha 32 anos, não tinha nenhuma comorbidade, só um pouco de sobrepeso, mas não era obeso. Aos poucos foi piorando a situação”, relatou Gabriela.
Colegas de profissão de Lucas ficaram comovidos com a história dele e passaram a acompanhar a situação do neurocirurgião de perto. Foi estudada a possibilidade de uso de um pulmão artificial, após relato de sucesso em outro paciente, opção que não se confirmou. A luta pela vida também envolveu o empréstimo de um equipamento de hemodiálise especial e uma bomba de sedação, para melhorar a anestesia. Contudo, uma semana depois de ser intubado, Lucas não resistiria à doença
‘Cuidando com amor’
Antes de ser encaminhado à unidade de terapia intensiva (UTI), Lucas encaminhou as últimas mensagens. Uma delas, em sua rede social, destacou o amor pela medicina. Ele disse que faria tudo outra vez, embora tenha contraído a doença enquanto cuidava de um paciente. Religioso, o médico finalizou o recado com um versículo bíblico.
“Estou indo neste momento para UTI, devido a um agravamento do quadro de COVID-19. Ficarei incomunicável, mas, desde já, agradeço aos amigos pelas orações. Peguei essa doença fazendo o que amo, cuidando dos meus pacientes com amor e dedicação. Faria tudo outra vez. Sei que meu Deus é soberano sobre todas as coisas, seus caminhos e propósitos são sempre justos e perfeitos e que no fim, todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo seu propósito. Amém”, escreveu Lucas.
Lucas também enviou mensagem no grupo da família, do qual seus pais e sua irmã, Gabriela, faziam parte. Na ocasião, o médico pediu para que não desistissem dele. Daí em diante, Gabriela mobilizou todos os colegas do neurocirurgião. “Lutei muito por ele, consegui organizar os médicos amigos deles todos. Eu passava a notícia deles no início, mas depois eles entraram mesmo como um time construtivo do hospital e aí graças a esse esforço todo ele conseguiu viver mais alguns dias, senão ele teria ido até antes.”
A última foto enviada por Lucas antes de ter os sintomas de COVID-19 foi ao pôr do sol, quando praticava ciclismo. A imagem será guardada com muito carinho pela família, que se despediu do médico no domingo, no Dia dos Pais, pouco depois de a filha dele, Isabella, completar dois meses.
'Honrando o juramento'
Lucas acreditava, além das medidas sanitárias, na informação como forma de combater a COVID-19. O médico, de acordo com a família, sempre compartilhava conteúdo de qualidade com amigos e as pessoas de quem gostava. Quando recebia notícias falsas, fazia questão de restabelecer a verdade. Agora, Gabriela é quem dissemina a mensagem do irmão.
“Fico feliz que pelo menos a história dele será contada para muita gente. Espero que o que aconteceu com ele sirva para que as pessoas passem a levar mais a sério, que essa doença a gente não sabe quase nada sobre ela. Então não dá para dar brecha. A gente não sabe como vai ser. Não tem vacina.” O colega do médico, Lucas Paulino, também pediu mais consciência por parte de uma parcela da população.
Para Lucas Paulino, o médico deixa um legado para que a sociedade valorize os profissionais de saúde, sobretudo aqueles que estão na linha de frente no atendimento aos pacientes. “Acho que o Lucas deixou um exemplo, ele como médico. Em primeiro lugar temos que falar da importância dos profissionais de saúde neste momento. Eles estão honrando o juramento que prestaram, se dedicando a salvar vidas e arriscando a própria vida para salvar outras. O Lucas é um exemplo.”
Legado
Para Lucas Paulino, o médico Lucas Augusto deixa um legado para que a sociedade valorize os profissionais de saúde, sobretudo aqueles que estão na linha de frente no atendimento aos pacientes. “Acho que o Lucas deixou um exemplo, ele como médico. Em primeiro lugar temos que falar da importância dos profissionais de saúde neste momento. Eles estão honrando o juramento que prestaram, se dedicando a salvar vidas e arriscando a própria vida para salvar outras. O Lucas é um exemplo. Deixa esse legado que os profissionais da saúde merecem todo o respeito da sociedade.”
Para Gabriela, o que fica é o legado de um grande médico, irmão, filho, pai e marido, que prezava, acima de tudo, pelo bem-estar de todos, sobretudo dos pacientes, de quem adorava ouvir histórias no consultório. “Um legado de um grande homem que ele foi. Por muito pouco tempo, infelizmente, mas ele foi um grande médico, que atendia com muito carinho. Sentava no banco do consultório para conversar com os pacientes. Gostava de saber histórias. Doava o tempo dele. Ele fazia por amor, até porque não deu tempo de ganhar dinheiro. Ele amava o que ele fazia. Até escreveu que “faria tudo de novo”, que realmente ele amava tudo o que fazia. O que as pessoas em geral vão lembrar dele é isso: um homem que acreditava em Deus. Para nós da família ele era um excelente irmão, um excelente filho, só deu alegrias para gente. Só alegrias”, afirmou.