Combater a fome, o desperdício de alimentos e conscientizar e educar as pessoas sobre sustentabilidade, desigualdade social e consumo consciente. Esses são os objetivos da ONG GoodTruck Brasil que iniciou os trabalhos na capital mineira em meio à pandemia do novo coronavírus.
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O GoodTruck Brasil é uma ONG que nasceu em Curitiba (PR) e atua desde 2016 em projetos de redução ao desperdício de alimentos e combate à insegurança alimentar e nutricional. Nos três anos de atuação, já passaram por lá mais de 1.035 voluntários, foram distribuídos gratuitamente mais de 12 toneladas de comida, resgatadas mais de 5 toneladas de hortifrútis - excedentes de produção que seriam descartados - e alimentadas cerca de 15 mil pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social e residem na periferia da cidade.
"Vim de uma família de origem de extrema pobreza. Meus pais foram vítimas da miséria e da insegurança alimentar e ascenderam socialmente através dos estudos e do trabalho. Mas, diferentemente do que se espera, o discurso na minha casa nunca foi no sentido de 'se eu consegui, todo mundo consegue', mas 'se eu consegui, eu quero usar o meu lugar de privilégio para ajudar outras pessoas a conseguirem também'", contou a advogada Ana Carla Sena de Assis e Rocha, de 26 anos, uma dos 12 voluntários que integram o novo projeto em BH.
Foi nesse contexto que Ana cresceu e desde muito nova já era engajada socialmente e se organizava com amigas e com o colégio para ir a asilos, abrigos e em comunidades servir. "Lutar por justiça social é meu propósito de vida", disse. E assim, em meio à pandemia, o grupo se arrisca para ajudar pessoas em vulnerabilidade social.
"A ONG se sustenta em três pilares que foram consolidados nos últimos quatro anos: combater a fome e a insegurança alimentar e nutricional; Combater o desperdício de alimentos e conscientizar e educar as pessoas sobre a temática da sustentabilidade, desigualdade social, consumo consciente e empatia. Esse último objetivo é muito importante dentro e fora das comunidades assistidas, pois acreditamos que só através da educação e da autotransformação é que se é possível mudar o mundo", explica Ana Carla.
A advogada acredita que "é preciso compreender o quanto somos potência na transformação da sociedade em que vivemos através dos nossos atos e que mudar a sociedade está nas nossas mãos". "Assim, a ideia é que o GoodTruck seja a primeira sementinha' e propulsor de novas iniciativas e mecanismos de justiça social", acrescenta.
O GoodTruck iniciou as ações em Belo Horizonte em abril deste ano. "Isso ocorreu através de uma amiga chamada Marcella Amaral. Ela é mineira, mas mora há alguns anos em Curitiba e, lá, participou de algumas ações da ONG", conta Ana.
Com o início da quarentena e do isolamento social, porém, Marcella precisou retornar para Minas Gerais e decidiu que queria trazer o projeto para a capital mineira por considerar a pauta socioambiental abordada muito relevante e por não conhecer nada parecido aqui na região.
A ideia surgiu em abril e foram necessários alguns meses para organizar, engajar voluntários, doadores e estabelecimentos parceiros suficientes para o grupo fazer a primeira ação acontecer. A primeira ação correu em 25 de julho, na ocupação Terra Nossa, no Bairro Taquaril, na Região Leste de Belo Horizonte.
"A partir da escolha da comunidade, entramos em contato com a líder comunitária e estabelecemos com ela as necessidades da comunidade e como poderíamos atuar por lá", conta Ana Carla.
Assim, foi feita uma parceria em que, quinzenalmente, será ofertado um café da manhã, onde são servidos pães e quitutes, frutas, vitaminas, achocolatados e sucos. "O café da manhã é uma refeição raramente feita pelos moradores da comunidade", disse.
Ana também explica que a ONG atua com alimentação vegetariana. "Isso porque como a ideia é reforçar a pauta socioambiental, quando analisamos os dados sobre o desgaste ambiental necessário a produção de carne o impacto social é assustador. Desse modo, a alimentação levada, além de nutricionalmente saudável, é vegetariana", disse.
A advogada conta que o grupo está atuando com essa periodicidade e em apenas uma comunidade pela dificuldade em encontrado e conseguir doações suficientes para a expansão do o projeto. Mas a ideia é que em breve tenham material necessário para atuar com mais frequência e em outros locais.
O desperdício
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que cerca de 30% de toda a produção alimentícia mundial é descartada anualmente, o que corresponde a mais de 1 bilhão de toneladas de comidas jogadas no lixo. No Brasil, em 2013, um estudo do IBGE mostra que o Brasil desperdiçou mais de 26 milhões de toneladas de alimentos em alguma fase da cadeia produtiva, o que corresponde a 10% da nossa produção anual.
"Esses dados, porém, não são completamente confiáveis. O desperdício é de certa forma imensurável, pois não considera o descarte residencial e em pequenos estabelecimentos, por exemplo. Então na prática, acreditamos que esses valores sejam muito maiores, mas subnotificados", relatou.
Em BH, por terem começado a atuar há pouco tempo, ainda não conseguíram coletar os dados do desperdício. "Mas dá para termos uma noção através dos dados fornecidos pelo Ceasa-PR, que distribui itens de hortifruti em Curitiba, cidade onde a ONG teve origem e que é uma cidade com população semelhante à de BH. Por lá, eles descartam entre 15 e 18 toneladas de frutas, legumes e verduras por dia", disse.
A fome
"Do outro lado, podemos pensar que esse desperdício é inconcebível quando estudos mostram que 29 mil pessoas morrem de fome por dia ao redor do globo, enquanto no Brasil, estima-se que sejam 15 pessoas diariamente morrendo de desnutrição. Em termos de insegurança alimentar, só no nosso país, temos 17 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar em níveis médio e grave", lamentou Ana.
A advogada relata que, esta semana, a OXFAM Brasil apresentou um estudo que mostra que mais pessoas morrerão de fome no mundo do que de COVID-19 em 2020. Pelos dados apresentados, estima-se que além de todas as pessoas que já falecem de fome diariamente, até 12 mil pessoas a mais poderão perder a vida pela desnutrição e insegurança alimentar, considerando a crise econômica que acompanha a crise sanitária.
"No Brasil, a situação é tão grave que ele é considerado o epicentro da fome no mundo durante a pandemia, ao lado de Índia e África do Sul", disse.
Voluntários
No momento, a ONG conta com 12 pessoas atuando em BH. Para se inscrever os interessados podem preencher o formulário de “seja voluntário” no site da GoodTruck (goodtruck.org.br) ou acessar o Instagram @goodtruckbrasil e mandar uma mensagem pedindo maiores informações que a equipe responsável entrará em contato com as instruções para atuação.
Pessoas físicas podem doar através da Vakinha (https://www.vakinha.com.br/vaquinha/goodtruck-beaga-no-covid-19) ou cntatando a GoodTruck no Instagram para que algum dos voluntários recolha ou receba a doação.
Empresas parceiras
Atualmente, o projeto nacional já contou mais de 85 empresas vinculadas de alguma forma. Em Belo Horizonte, são sete parceiros. Dentre essas empresas encontram-se sacolões, supermercados, mercearias, padarias e lojas de suplementos descartáveis.
"Em termos de material necessário e quais empresas podem doar, precisamos constantemente de parcerias com padarias, supermercados e hortifrutis, fabricantes de laticínios e bebidas, empresas ou distribuidoras de itens de higiene pessoal (sabonetes, absorventes, papel higiênico, pasta e escova de dente), bem como de alimentos não perecíveis, como os itens da cesta básica", contou.
As empresas que queiram se tornar parceiras do projeto podem acessar o site (goodtruck.org.br) ou nos procurar através das redes sociais (@goodtruckbrasil) para maiores informações.