Jornal Estado de Minas

COMIDA DE CERCA

Zora Santos: conhece cansanção? Veja como a folha foi parar em Lives

As mãos da cozinheira recolhem as folhas do ora-pro-nóbis que crescem tomando conta de toda cerca, entrelaçadas à cansanção. Essa imagem, que alimenta as recordações de muitos mineiros, ganhou ares de modernidade.



As folhas típicas de quintal, que formam a base da culinária mais famosa do Brasil, ganham lugar de destaque na cozinha de Zora Santos, de 67 anos, multiartista e cozinheira, que, durante a pandemia do coronavírus, reinventou-se criando um canal no Youtube para falar da “comida de cerca”. 

No sábado (15), será realizada a quarta edição do Vem cozinhar comigo. O cardápio ativa a memória gustativa: Inhame com frango de Nós tudo.

“Estou me reinventando. O canal no Youtube é uma  forma de manter os almoços e o encontro com as pessoas na cozinha. Estou me surpreendendo muito ao lidar com ferramentas que jamais sonhei. Lidar com panelas e facas por meio de uma ferramenta nova.”  Ela completa sobre a ponte entre tradição e modernidade: “Outro dia li frase ótima na foto de um congado. A guarda usava roupa de oncinha. A frase dizia "o futuro é ancestral". Sinto-me fazendo isso. Posso usar a ferramenta que for, moderna futurista, fazendo cansanção”. 
(foto: Arquivo pessoal)
 
 
São receitas tradicionais repassadas por sua avó e sua mãe, Maria Queiróz, um jeito de preparar o alimento que nasce nas cozinhas das famílias negras do Estado, que, muito antes das plantas comestíveis não convencionais (PANC) se tornarem uma tendência na gastronomia, ora-pro-nóbis, cansanção, gondó, mostarda já reinavam na cozinha de famílias, acompanhadas do angu e da carne de porco ou de frango.





Atriz com trajetória no cinema, Zora torna o momento da cozinha especial, uma performance culinária. Enquanto prepara os ingredientes, ela conta histórias da infância ou convida uma artista para cantar. Tudo de um tamanho de aconchego que permite a quem está assistindo esquecer que estão separados por uma tela de computador. A tecnologia dá a ver a tradição. Antes da pandemia, ela já fazia esse encontro. As pessoas que chegavam a sua cozinha, de pronto, eram hipnotizadas pelo cheiro do açúcar que se transformava em calda na panela.

“Reúno as pessoas. Faço comida. As pessoas chegam e o ambiente já está cheirando e conto casos, da cerca lá de casa. Sirvo essa comida instigando as pessoas a trazerem à memória gustativa”, relembra de como era antes da pandemia. A proposta surgiu em uma performance preparada para o Festival Internacional de Teatro em 2018. Depois, Zora seguiu em outros projetos, como o Zona de Encontro, ou em apresentações em outros Estados. Tudo caminhava muito bem até que o coronavírus chegou para assustar todo mundo e nos prender em casa na quarentena. 

Os momentos de encontros na cozinha com Zora foram suspensos. Até que um dia, em uma conversa por telefone com a escritora Ana Maria Gonçalves, autora do best seller Um defeito de cor, veio a ideia de continuar com os encontros em um canal na internet. E, desde então, Zora tem feito almoços de sábado em que compartilha o momento da cozinha e ainda ensina receitas para quem quiser.





No cardápio, cuscuz de canjiquinha, salada de canjica com costelinha no mel, acompanhado de ora-pro-nóbis cada folha enrolada com um recheio de carne e  molho caldo de feijão, tudo gratinado no forno. As receitas são de fazer qualquer um salivar e, acompanhadas das histórias, tornam o momento único. A cozinha mineira ganha uma versão digital.

“Cozinho o que eu comi na vida inteira e com que criei meus filhos. É comida de gente preta de Belo Horizonte. Durante muitos anos, a gente achava que era de subsistência a comida de gente mais pobre. Mas a base da comida mineira toda é preta. É o que hoje a academia já lançou mão, o produto 'alimentícias não convencionais (Panc)'. Não convencional para quem?” Nesse movimento de resgate, Zora se coloca contrária à gourmetização e ao uso de técnicas importadas, como as da cozinha francesa, para preparar os alimentos. As porções são fartas e com justificativa: “a porção pequena é resquício país que teve guerra, de um tempo de. escassez.  A gente come angu, mas não bacia.”
 
 
Os casos  que ela conta são tão saborosos como bala delícia que a mãe de Zora preparava na cozinha da casa delas na Vila Pombal. Nas vésperas do Dia de Cosme e Damião, a mãe entrava para cozinha para preparar a calda da bala, tudo sob muito segredo. Os filhos não podiam entrar sob o risco de a bala “desandar”, mas o cheiro mostrava que o que vinha da cozinha era bom. Depois de preparar aquela mistura mágica, ela saía da cozinha e a calda, ainda fumegante, era posta sobre uma pedra de mármore. Depois de esfriar, a mistura era batida pelas mãos da mãe de Zora e aquele filete de doce marrom, a cada batida, ficava mais branco. A etapa final era cortar os cubos e, nesse momento, toda a meninada era convidada a participar.

Ao vivo - Vem Cozinhar Comigo Edição 04
Cardápio: Inhame com frango de Nós tudo
Próxima edição: 15 de Agosto (sábado) de 11:00 às 13:00
Inscrições via whatsapp (31) 9 9589 0430
Preço: 40,00
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