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Estado de Minas

'Fique em casa' gera onda de reformas domésticas

Isolamento social aumenta percepção sobre necessidade de reparos, acelera pequenas obras e dispara vendas de materiais na Grande BH


15/08/2020 06:00 - atualizado 15/08/2020 08:39

Cristiano Lana calcula vendas 15% maiores no último bimestre: consumo começou por unidades de saúde e é sustentado por famílias, explica(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Cristiano Lana calcula vendas 15% maiores no último bimestre: consumo começou por unidades de saúde e é sustentado por famílias, explica (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Passados os primeiros momentos de perplexidade gerados pela pandemia da COVID-19, a população e a economia vão se adaptando à nova realidade. O setor de materiais de construção, considerado em Belo Horizonte como atividade essencial e em funcionamento durante o isolamento social, experimentou no início do ano um tímido crescimento, mas aponta para resultados mais otimistas à medida que "as coisas vão se acomodando".

Dona de depósito, Valéria Barbosa viu as vendas de materiais de reposição para pequenos reparos crescerem durante a pandemia(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Dona de depósito, Valéria Barbosa viu as vendas de materiais de reposição para pequenos reparos crescerem durante a pandemia (foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)
Empresário do setor, Cristiano Lana Vasconcelos calcula que nos meses de março e abril, início da quarentena, houve um crescimento, em média, de 5%, e no último bimestre, de 15%. Proprietário da CNR Materiais de Construção, uma rede que reúne sete lojas em Belo Horizonte, Contagem, Nova Lima e Betim, Cristiano divide essa percepção em dois momentos: o primeiro, segundo o empresário, foi logo em seguida ao decreto de isolamento social. Aumentaram as demandas de hospitais e unidades de saúde, que precisaram se readequar e ampliar seus espaços de atendimento. "Até então, não havia muita clareza do que estava por vir", as incertezas, tanto das autoridades quanto da população, colocaram um freio no setor de reformas e construção particulares e fizeram subir a demanda das instituições de cuidados à saúde.

"Parece que a quarentena fez o pessoal investir mais. Não paramos um dia sequer", comemora o telhadeiro Caio Gonçalves, de Santa Luzia (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
O segundo momento, observa Vasconcelos, começou a ser sentido entre junho e julho. "As pessoas já estavam há algum tempo em casa e perceberam as necessidades de pequenos reparos, de troca de alguns equipamentos" e, na impossibilidade de retomada da rotina de trabalho anterior à pandemia, "até mesmo aquela reforma sempre adiada, que podia esperar mais um pouco, teve oportunidade de ser realizada".

A variação das vendas ocorreu de forma diferenciada em cada uma das cidades onde as lojas estão instaladas, devido às diferentes formas de enfrentar a pandemia pelas prefeituras. As lojas da empresa em Belo Horizonte, onde o setor foi classificado como essencial, não chegaram a fechar. "Apenas criamos estratégias de atendimento obedecendo as recomendações das autoridades de saúde, preservando a integridade de funcionários e clientes", explica.

PEQUENOS CONSERTOS Para Valéria Barbosa de Medeiros, proprietária do Depósito Gávea, no Bairro Jardim América, Região Oestede BH, a classificação do setor como essencial gerou “um certo alívio”. O público alvo da comerciante é formado por clientes da região onde o estabelecimento está situado, basicamentee pequenas obras, que exigem materiais em menores quantidades. "Não atendemos grandes construtoras".
 
Como a loja ainda tinha material para reposição em estoque, como torneiras, pias, vasos sanitários e chuveiros, a dinâmica de vendas não mudou muito. "São muitos prédios na região, e as pessoas, obrigadas a ficar em casa, passaram a se reinventar, aprendendo por conta própria procedimentos de pequenos reparos."
 
Valéria considera ser este um momento de "reflexão, de se reinventar, de colocar o pé no freio e repensar modos de vida, de comércio, de relações humanas". A empresária acredita que esse panorama persistirá. “Tive que diversificar meus produtos, as fábricas desaceleraram as entregas e fizeram remanejamento de pessoal." O depósito encontra-se ainda desfalcado de materiais mais pesados, constata. A empresa agora atende presencialmente, sem aglomerações, com "todos os cuidados e obedecendo as orientações das autoridades sanitárias", garante.

TELHADOS “BOMBANDO” Há 15 anos no setor de construção e reforma de telhados, Caio Renilton Gonçalves, de 45, da CR Telhados, usa o termo "bombou" para quantificar o agendamento de serviços durante a pandemia. Ele garante que não há mais espaço em sua agenda até dezembro. No momento vem tocando duas obras: uma no Bairro Ribeiro de Abreu e outra, de grande porte, em Santa Luzia. "Parece que a quarentena fez o pessoal investir mais. Não paramos um dia sequer". Ele atribui também ao isolamento social a percepção dos clientes da necessidade de alguma reforma, ampliação ou mesmo de construção.
 
Caio Gonçalves disse que não há dificuldades em encontrar material, e acredita que seus clientes tiveram mais tempo de planejar as compras, de pesquisar melhor. O empresário assegura que seu trabalho não põe em risco a saúde. "Não há aglomeração, trabalhamos em locais abertos, ventilados, no alto da construção. Usamos máscaras e álcool em gel sem levar risco aos clientes e operários." As formas de pagamento são negociadas, para dar "um respiro ao contratante", garante.

Hora de investir no conforto

Economia com transporte e alimentação propiciada pelo home office permite que Márcia Maria reforme a casa e acompanhe o serviço de perto (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Economia com transporte e alimentação propiciada pelo home office permite que Márcia Maria reforme a casa e acompanhe o serviço de perto (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

A pedagoga e educadora Márcia Maria Silva Machado da Cunha, de 54 anos, funcionária do Colégio Tiradentes, passou a trabalhar de forma remota, em sua própria casa. À medida que foi permanecendo em casa, percebeu que vários gastos do dia a dia, como combustível para ir ao trabalho ou alimentação fora da residência, foram praticamente cortados. Daí surgiu a ideia de aproveitar a economia para implementar uma reforma em sua casa. "Mesmo com o trabalho home office exigindo muito mais, foi a oportunidade de poder acompanhar as obras bem de perto e ficar mais próxima de minha mãe, que tem 91 anos."
 
Márcia diz que não foi difícil comprar materiais ou encontrar os profissionais para tocar a construção. Apenas na primeira semana encontrou alguns empecilhos para aquisição dos implementos necessários.  "Havia alguma incerteza de como tudo funcionaria", relata. Após pesquisas e indicações contratou a mão de obra que deu início aos trabalhos em 17 de junho, com previsão de término para última semana de agosto. E não é uma intervenção pequena: "Uma área que funcionava como lavanderia e copa conjugada vai virar  cozinha americana, a antiga cozinha virou sala, e a dispensa uma lavandeira."
 
O aposentado Juscelino Ribeiro, de 72, resolveu aproveitar o momento da quarentena para fazer "uns acertos" em sua casa, no Bairro Concórdia. Trata-se de uma construção com mais de 50 anos, que já passou por várias modificações. "Minha intenção é regularizar a situação na prefeitura, uma vez que cada acréscimo ao longo dos anos precisa de um projeto e uma autorização. Coisas que não tínhamos o hábito de fazer." Ribeiro pensa em deixar tudo regularizado para os herdeiros.  "É para que não tenham problemas com inventários num futuro, espero, bem distante", brinca. Ele tem quatro filhos.
 
Juscelino explica por que "justo agora" decidiu realizar essas obras corretivas: "Primeiro porque, com a quarentena e o isolamento social, não temos muito o que fazer. Se é pra ficar em casa, já que não há locais de encontros nem muitas visitas, estou aproveitando para acompanhar de perto os trabalhos".
 
Ele disse que a orientação da prefeitura é de criar um "condomínio", já que o lote, que originalmente abrigava uma única residência, hoje tem mais dois imóveis. Precisou mudar e fechar portões de acesso, trocar posição da entrada da garagem e demolir um "puxadinho" na área de serviço.
Outra motivação para o aposentado foi contribuir para amenizar os impactos da crise. "É um momento muito duro para todos. Há muitos desempregados. Neste momento, é uma forma de ajudar quem precisa sustentar seus familiares. São poucos os que trabalham na obra, mas não deixa de ser um alento nesta hora tão difícil pela qual passamos."
Já a administradora Teresa Borges decidiu comprar um apartamento usado por encontrar um "preço bem acessível", nesse período de "certo desaquecimento da economia". Aproveitou os baixos juros de financiamento e adquiriu um imóvel no Centro de BH, que era de uma amiga. Ela conta que é um apartamento antigo, precisando de reformas. "Ainda estamos em negociação, mas como a proprietária é minha amiga, ela liberou para as obras e reformas".
 
Teresa confessa que ainda está amedrontada com a situação de precisar sair para comprar e escolher materiais. "Obra mesmo é na cozinha, no banheiro e área de serviço. O resto são pequenos reparos, como pintura e troca de janelas". A administradora disse não ter pressa e, por enquanto, toca a obra com apenas um pedreiro. "Se precisar, ponho mais um, para não aglomerar".  A obra mais pesada depende de materiais que podem ser comprados pela internet. "Mais tarde virá a parte de azulejos, decoração, e então exige uma escolha presencial. Confesso que estou temerosa, mas já mais tranquila em relação ao início da pandemia, quando nada sabíamos". A expectativa é de que a obra fique pronta em 60 dias. (EG)

Peso-pesado

A construção civil contribui com cerca de 5% do Produto Interno Produto (PIB Brasil) e 9% do PIB de Minas Gerais. O setor gera quase 2 milhões de empregos no Brasil e mais de 100 mil postos de trabalho em Minas. Junto com o agronegócio, foi o setor que, segundo dados do Caged, mais contratou trabalhadores com carteira assinada durante a pandemia, informa o Sinduscon-MG. “A construção civil é a mola propulsora da economia. Podemos, em curto prazo, criar 2 milhões de postos de trabalho no Brasil”, diz o presidente do Sinduscon-MG, Geraldo Linhares.


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