Brumadinho – Mato denso e intrincado. Ramagens presas ao rejeito seco e duro como solo. Nascentes que brotam e se empoçam em brejos movediços. Mesmo com o esforço de se manter um ambiente livre para a ação dos socorristas, será suado e demandará determinação o retorno programado para amanhã dos trabalhos de buscas do Corpo de Bombeiros Militar (CBMMG) às 11 vítimas ainda soterradas após o rompimento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale, em Brumadinho, na Grande BH. A constatação é da reportagem do Estado de Minas que esteve ontem nos locais delimitados para as buscas.
Os trabalhos estão interrompidos desde 21 de março, a 158 dias, devido à pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Desde o rompimento, em 25 de janeiro de 2019, 259 corpos foram recuperados. A Vale afirma ter realizado intervenções para tentar propiciar melhores condições de ação aos bombeiros.
Vários pontos que ainda serão cenários das buscas apresentam desafios. Na curva onde ficava a pousada Nova Estância, que foi completamente soterrada pelo rompimento da barragem, matando, somente ali, 18 pessoas, Entre funcionários e hóspedes, um monumento de cruzes de madeira feitas de eucalipto foi construído atrás do celeiro, a única estrutura restante. As cruzes decoradas com homenagens às vítimas foram postadas de frente para uma das áreas de resgate, num grande remanso onde vários corpos foram encontrados.
As 18 cruzes levam um adereço pessoal do falecido, um buquê de flores artificiais e uma placa com cada nome: Pamela, Robinho, Heitor, Lays Gabrielle, Camila, Cristina, Jussara, Diomar (apelido Criola), Reinaldo, Adriano, Fernanda, Maria de Lourdes, Luiz, Camila T., Cléo, Marcinho e Marcio. Algumas delas têm também inscrições deixadas pelos entes queridos que perdurarão mesmo com a tinta se esvaindo aos poucos. Como é o caso das homenagens feitas para Reinaldo: “Nunca vou te esquecer. Te amo”; e para Cristina: “Te amarei até a eternidade. Saudade eterna. Mãe”.
O local, antes um mar de rejeitos cor de barro, agora se transformou numa série de estradas que ligam vários pontos das áreas de busca, completamente tomada pelo mato de vegetação verde que cresceu desde a interrupção dos trabalhos dos bombeiros. As águas do Córrego Ferro-Carvão, soterrado pelo rompimento, continuam a descer na área das buscas, tomando o rumo do Rio Paraopeba.
Transformação
Próximo ao vilarejo de Córrego do Feijão, que ficou interrompido desde o rompimento da barragem, as áreas de buscas intensas, onde se encontraram veículos como ônibus e caminhões e corpos de muitos operários da Vale, agora também estão repletas de estradas que levam a múltiplas direções da área de buscas. Grandes pilhas de rejeitos revolvidos nessas operações se tornaram pequenas colinas verdes de grama que cresce e também de obstáculos que os bombeiros encontraram na retomada de suas buscas.
Por toda a área, brotam nascentes de água que se acumula em pequenos lagos, antes nascentes e surgindo os pastos e as matas que agora foram cobertos pelo rejeito. Esses pequenos brejos também tornam o terreno que será vasculhado pelos socorristas mais instável e movediço, prometendo uma oposição aos trabalhos que custará ainda mais vontade e persistência.
Áreas de busca
O Corpo de Bombeiros afirma que as buscas estão sendo feitas através da escolha de seis áreas que serão priorizadas através de um estudo matemático de probabilidades, onde há maiores chances de serem encontrados corpos ou segmentos. A partir disso, o CBMMG passa a trabalhar inicialmente com seis frentes de trabalho, onde haverá prioridade nas atividades de busca. “As buscas ainda seguem por tempo indeterminado. A partir da próxima quinta-feira, 60 bombeiros realizarão o trabalho de buscas”, informou a corporação.
De acordo com os Bombeiros, serão utilizados equipamentos de geoprocessamento de dados, programas específicos de análises de dados, equipamento de proteção individual específico para buscas como capacete, luvas,óculos. E, principalmente, com o apoio logístico da mineradora Vale, maquinário pesado como retroescavadeira, caminhões fora de estrada, e tratores de vários tipos, que fazem total diferença na escavação e movimentação de rejeitos.
Na área atingida, a principal dificuldade, segundo os militares, seria alguns cursos de rios, córregos e ribeirões, o que deixa o terreno muito encharcado, e consequentemente compactado, dessa forma reduzindo a visualização da parte interna dos rejeitos, o que prejudica os trabalhos, além da grande necessidade de deslocamento dos militares durante o trabalho de busca.
Sobre a cobertura do terreno, a corporação esclarece que realizou as buscas na profundidade de 3 metros na maior extensão possível, porém ela não atingiu toda a área afetada pela mancha de rejeitos. O planejamento para a sexta estratégia é adotar os procedimentos que o CBMMG teve nas buscas anteriores no que deu certo. A CBMMG vai explorar a área de espera, e atuar nas áreas que ainda não foram exploradas, indo a uma profundidade aproximada de 3 metros. Em alguns locais existe a possibilidade de ter menos 2 metros de profundidade, e locais maiores de 3 metros de profundidade, o que depende muito do terreno que os militares vão encontrar em relação à quantidade de água no local.
Drenagem
Foi realizado um planejamento conjunto, entre o CBMMG e a Vale, para estabelecer a condição das obras de drenagem dessas áreas que ficavam muito irrigadas/encharcadas. Então estão sendo feitas várias obras de infraestrutura para preparar o terreno para o retorno, apresentando um solo melhor para realizar as buscas do que se encontrava antes da interrupção dos trabalhos.
As buscas contarão com a utilização de drones, que vão monitorar os trabalhos, e a princípio não haverá necessidade de utilização de helicópteros. O efetivo vai aumentar de 45 para 60 militares atuando na linha de frente, e a princípio não haverá empenho dos cães, tendo em vista que o CBMMG avalia a efetividade neste tipo de trabalho no ponto que se encontra as buscas, situação que ainda está em análise.
Mineradora preparou retorno
A Vale afirma que se mantém ativa conduzindo vários esforços para permitir o melhor retorno possível às operações dos bombeiros. “Mesmo neste período de isolamento, a empresa seguiu com atividades preparatórias para o retorno acontecer de forma eficiente e segura. Foram realizadas a melhoria dos acessos (manutenção e construção de novos acessos) e a drenagem das áreas impactadas, com a construção de canais de desvios de águas para retirar volume relevante das águas superficiais do rejeito, melhorando as condições de buscas”.
Central de comando que abriga os oficiais que atuam nas buscas, a Base Bravo recebeu melhorias e ajustes para a prevenção à COVID-19, como a a fixação de cartazes de orientação sobre as práticas corretas de profilaxia à contaminação; fornecimento de um kit diário com 6 máscaras de tecido e 7 máscaras N95, PFF2 ou equivalente; interrupção do serviço de alimentação self service e distanciamento mínimo de 1,5m nas filas para distribuição de marmitex; disponibilização de álcool líquido ou em gel 70% em vários pontos; adaptação dos dormitórios.
Até o momento, cerca de 1,7 milhão de metros cúbicos de rejeitos foram removidos e estão sendo dispostos na cava da mina Córrego do Feijão. “A ação ocorre em conformidade com autorização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e anuência da Agência Nacional de Mineração (ANM). Somente após liberação dos Bombeiros o rejeito segue para disposição. A estimativa feita com base em estudos realizados pela empresa é que cerca de 9 milhões de metros cúbicos vazaram da B1”, informa a Vale.
Resíduos como metais, borracha e madeira são separados para o descarte apropriado dentro da legislação ambiental e para deixar o rejeito nas condições adequadas para ser disposto na cava.