No fim de agosto, um evento no Palácio do Planalto reuniu médicos de diversos lugares do país que receitam hidroxicloroquina e outros medicamentos a pacientes como forma de combater a COVID-19, apesar da falta de consenso científico sobre o emprego das substâncias.
Entre esses profissionais estava Raissa Soares, especialista em clínica médica. Ela já havia ganhado notoriedade nacional, ao publicar vídeo pedindo ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que enviasse o medicamento a Porto Seguro (BA), para que pessoas da região pudessem recebê-lo.
O que nem todos sabiam, então, era que a clínica que buscava medicação para pacientes baianos é mineira, com anos de atuação na rede de saúde de BH.
Entre esses profissionais estava Raissa Soares, especialista em clínica médica. Ela já havia ganhado notoriedade nacional, ao publicar vídeo pedindo ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) que enviasse o medicamento a Porto Seguro (BA), para que pessoas da região pudessem recebê-lo.
O que nem todos sabiam, então, era que a clínica que buscava medicação para pacientes baianos é mineira, com anos de atuação na rede de saúde de BH.
Apesar de não haver comprovação científica de eficácia da hidroxicloroquina e outros medicamentos similares no combate ao coronavírus, Raissa garante que o tratamento reduz a gravidade da doença. Em outras oportunidades, estudos rejeitaram o uso da cloroquina, uma vez que havia uma possibilidade alta de um grave efeito colateral, como arritmia cardíaca.
A médica, no entanto, destacou que mais de 80 trabalhos publicados embasam o tratamento precoce para ser utilizado em pacientes, partindo, também, do princípio da autonomia dada aos profissionais de saúde pelo Conselho Federal de Medicina.
A médica, no entanto, destacou que mais de 80 trabalhos publicados embasam o tratamento precoce para ser utilizado em pacientes, partindo, também, do princípio da autonomia dada aos profissionais de saúde pelo Conselho Federal de Medicina.
“Nos baseamos no Conselho Federal de Medicina, que deixa o médico com autonomia – no princípio da bioética. Então nós, médicos, temos autonomia na prescrição. O tratamento precoce, hoje, já é um consenso da literatura. Foi publicada uma matéria na revista The American Journal of Medicine, defendendo o tratamento precoce da COVID-19”, pontuou.
Em entrevista ao Estado de Minas, Raissa Soares revela um pouco da trajetória que a levou da capital de Minas à solenidade no centro do poder no país, onde discursou ao lado de Bolsonaro e outros integrantes do governo federal. Ela fala também sobre a polêmica criada em torno da hidroxicloroquina.
Natural de Belo Horizonte, Raissa Oliveira Azevedo de Melo Soares tem 50 anos, é casada e mãe de dois filhos. Na capital mineira, atuou por 15 anos como servidora da Prefeitura de BH e trabalhou por 10 anos no Hospital Risoleta Neves, na Região de Venda Nova, antes de se mudar para Porto Seguro, em 2019.
Lá, continua a exercer a profissão que vem de um amor de infância, quando cuidava dos medicamentos de casa, checava datas de validade e conferia cada detalhe das bulas.
Lá, continua a exercer a profissão que vem de um amor de infância, quando cuidava dos medicamentos de casa, checava datas de validade e conferia cada detalhe das bulas.
“Eu cresci assim. Ganhava sempre brinquedos relacionados à medicina, como estetoscópio. Venho de uma família simples, então fui a única filha que estudou em colégio particular. Meus irmãos não tiveram essa oportunidade. Como eu tinha interesse em fazer medicina, aos 15 anos meus pais resolveram pagar uma escola privada, para que me preparasse melhor para o vestibular”, conta.
A preparação ocorreu no Colégio Dom Silvério, e contou com a contrapartida da aluna: “Sempre fui muito estudiosa, tive notas boas. Sempre estudei muito na minha vida acadêmica, desde pequena. Fui para o Dom Silvério, fiz vestibular para medicina e passei. Comecei a faculdade no segundo semestre de 1988”, relata a médica.
A preparação ocorreu no Colégio Dom Silvério, e contou com a contrapartida da aluna: “Sempre fui muito estudiosa, tive notas boas. Sempre estudei muito na minha vida acadêmica, desde pequena. Fui para o Dom Silvério, fiz vestibular para medicina e passei. Comecei a faculdade no segundo semestre de 1988”, relata a médica.
Em Belo Horizonte, Raissa participou da elaboração dos protocolos de combate à dengue e de combate ao vírus H1N1, atuando também na gestão e estratégia contra desastres e catástrofes durante a Copa do Mundo do Brasil, em 2014. Em 2019, depois de passar férias em Porto Seguro, decidiu se mudar para o município. Pesou na decisão o desejo do marido, Geraldo Márcio, também de 50 anos, que já havia morado na cidade baiana na juventude.
“Meu marido é escritor. Tinha escrito 12 livros em Belo Horizonte, mas já havia parado de escrever três anos antes. Eu o via com muitos sonhos, mas achava Belo Horizonte uma cidade muito fechada para dar crédito às coisas que ele ensinava. Nós somos evangélicos, e eu não via muito espaço para ele ser escutado, como celebridade na teologia. Ele era recebido em outros estados, viajava muito para Recife, para São Paulo, era muito reconhecido pelo o que fazia. Mas na própria BH nunca teve espaço”, relata.
Depois de uma temporada de descanso no município do Sul da Bahia, onde já tinha um parente, a natureza privilegiada da região ajudou na decisão da mudança, que segundo a médica contou também com a ajuda divina. “A gente se mudou com coragem, algo que Deus ardeu o nosso coração para fazer”, define. Raissa Soares conta que o marido, com quem está casada há 22 anos, é seu principal motivador para grandes atitudes e decisões. “Os vários vídeos que fiz nesta pandemia foram na grande maioria sugeridos e inspirados por ele.”
Sobre a fé, Raissa conta que ela e o marido, Geraldo Márcio, são convertidos na igreja evangélica há 20 anos. A profissional de saúde e o esposo seguem o propósito do avivamento, tema que pauta várias obras escritas por Geraldo, que também prega em rádios. De acordo com a médica, o companheiro é bastante influente nas atividades que executa, podendo ser considerado como um líder religioso.
“Ele é doutor em teologia, filósofo e tem, hoje, 12 títulos publicados. Aqui em Porto Seguro o chamam de “o avivalista”, chamam de “o professor”, “o inspirador”, “o estrategista”... é uma pessoa do bem, que tem uma mentalidade do amor, em primeiro lugar, e vai influenciando as pessoas ao redor para o que é bom, perfeito e agradável.”
A primeira morte
Quando a pandemia teve início, em março, Raissa afirma que se preocupou bastante com a situação de Porto Seguro, por não ter uma estrutura hospitalar consistente. A cidade conta com apenas duas unidades de saúde particulares de pequeno porte e um hospital estadual para atender a cerca de 300 mil habitantes, uma vez que é referência para municípios vizinhos.
Essa apreensão a levou a buscar trabalhos científicos sobre pesquisas com medicamentos in vitro, como a ivermectina e nitazoxanida, associadas com a azitromicina. A meta era encontrar armas para combater a COVID-19, que havia feito na cidade a primeira vítima, episódio que mexeu com a profissional de saúde.
“O primeiro óbito que houve aqui em Porto Seguro foi o de um policial jovem, sem doenças associadas. Eu acompanhei muito esse caso, até liguei para a casa dele para tirá-lo de lá. Eu o vi sendo atendido na UPA, e aquilo me comoveu muito. Fiquei muito entristecida com a morte”, relata.
Abalada, Raissa conta que recorreu à fé. “Entrei em um propósito, como sou evangélica, de fazer oração para que Deus me mostrasse uma forma para que as pessoas parassem de adoecer. Acordava de madrugada, colocava o joelho no chão e conversava com Deus, pedindo alguma instrução.”
Abalada, Raissa conta que recorreu à fé. “Entrei em um propósito, como sou evangélica, de fazer oração para que Deus me mostrasse uma forma para que as pessoas parassem de adoecer. Acordava de madrugada, colocava o joelho no chão e conversava com Deus, pedindo alguma instrução.”
O primeiro protocolo que Porto Seguro adotou foi uma tentativa de enfrentar o avanço da doença que começava a abalar o país: a utilização, ainda na fase inicial da COVID-19, de azitromicina, nitazoxanida e ivermectina, além de componentes vitamínicos. Os primeiros resultados foram colhidos após tratamentos em um asilo da região, de acordo com a médica, sem nenhuma complicação da doença.
Apelo a Bolsonaro
Um mês depois, Raissa produziu outro vídeo – este, de alcance ainda maior –, pedindo auxílio de Bolsonaro no envio de comprimidos de cloroquina a Porto Seguro. Antes disso, de acordo com a médica, o tratamento estava sendo financiado por empresários locais.
“Antes de o Bolsonaro mandar a medicação para cá, os empresários da rede hoteleira de Porto Seguro se reuniram e perguntaram: ‘Doutora, em que podemos ajudar?’. Eles reuniram entre 10, 12 pessoas e começaram a patrocinar, financeiramente, a manipulação das medicações. Manipularam 1.500 tratamentos. Geraldo, meu marido, ficou totalmente dedicado a isso, se tornou estrategista dessa operação de guerra da COVID-19”, conta.
“Antes de o Bolsonaro mandar a medicação para cá, os empresários da rede hoteleira de Porto Seguro se reuniram e perguntaram: ‘Doutora, em que podemos ajudar?’. Eles reuniram entre 10, 12 pessoas e começaram a patrocinar, financeiramente, a manipulação das medicações. Manipularam 1.500 tratamentos. Geraldo, meu marido, ficou totalmente dedicado a isso, se tornou estrategista dessa operação de guerra da COVID-19”, conta.
De acordo com Raissa, os medicamentos enviados pelo governo federal atenderam a 15 municípios, incluindo Porto Seguro. Além disso, ela recebeu uma doação de 30 mil comprimidos de um laboratório, que foram enviados a outros 11 lugarejos. O que a médica não esperava era que o conteúdo publicado na internet destinado a Bolsonaro fosse gerar repercussão nacional.
“Eu fiz aquilo apenas para a gente conseguir remédio para Porto Seguro e que eu pudesse ajudar cidades vizinhas. Pedi a medicação para a prefeita, mas ela não conseguiu comprar. O secretário estadual (de Saúde) já tinha negado duas vezes ao secretário municipal. Então falei: ‘Se a prefeita não compra e o estado não vai dar, vou pedir (ao Bolsonaro)’”, ressalta.
Grupo de médicos
Foi por meio do vídeo que viralizou, no fim de junho, que Raissa se juntou ao grupo de médicos chamado “Brasil Vencendo a COVID”, mesmo nome do evento no Palácio do Planalto, no fim de julho. Nele, há profissionais de saúde do Brasil inteiro que receitam medicamentos para o tratamento precoce da doença. “Eu fui colocada no Bahia Vencendo a COVID, então fui saber que todos os estados brasileiros já tinham seus grupos, nos quais profissionais estavam adotando o tratamento precoce”, diz.
Em 24 de agosto, vários médicos participaram da cerimônia no Palácio do Planalto. Entre os profissionais de saúde de todo o país estava Raissa, que discursou na presença de autoridades e chegou a pedir um minuto de silêncio em homenagens aos mortos pela COVID-19.
“O evento foi na segunda-feira. No domingo, o grupo responsável pelo cerimonial fez o convite para que alguém pudesse falar com o coração. Essa que foi a minha missão: falar com o coração. E foi isso que fiz.”
“O evento foi na segunda-feira. No domingo, o grupo responsável pelo cerimonial fez o convite para que alguém pudesse falar com o coração. Essa que foi a minha missão: falar com o coração. E foi isso que fiz.”
Ao todo, de acordo com Raissa, são mais de 10 mil médicos autônomos pelo país que receitam medicamentos, como a nitazoxanida e ivermectina, associada à hidroxicloroquina e azitromicina no tratamento à COVID-19.
“O que nós temos hoje é a linha do tratamento precoce. Esse é um movimento nacional de médicos autônomos que se uniram no Brasil inteiro. Somos mais de 10 mil médicos hoje. É o que nos motivou a estar no Palácio do Planalto no dia 24 de agosto.
Ali a gente viu a dimensão da realidade, que é semelhante nos 27 estados. Várias cidades e estados que estão aplicando o tratamento precoce estão tendo redução da gravidade da doença, com menos internações e menos óbitos”, garante.
Ali a gente viu a dimensão da realidade, que é semelhante nos 27 estados. Várias cidades e estados que estão aplicando o tratamento precoce estão tendo redução da gravidade da doença, com menos internações e menos óbitos”, garante.
Vídeos se espalham
O primeiro vídeo de Raissa a se disseminar pelas redes sociais foi produzido em 30 de maio, quando ela pediu que médicos de Porto Seguro tentassem implementar o protocolo de tratamento precoce. “Aquele vídeo, o primeiro que viralizou, fiz depois que um paciente veio ao hospital buscar internação. Ele viajou 60 quilômetros, de Eunápolis, e chegou muito desesperado, achando que seria intubado. Já tinha passado por três médicos e falaram que ele tinha que procurar a ‘turma da COVID’. Chegou muito angustiado, sem nenhum acolhimento”, relembra Raissa.
A médica conta ter acolhido o paciente. “Mediquei, expliquei para ele o que iríamos fazer. Atendi de uma forma que a gente deveria ser atendido, pelo menos que a gente espera ser atendido quando estamos com uma doença da qual se tem muita notícia ruim. A forma que o paciente chegou aqui me fez fazer aquele vídeo”, destaca.
Vacina e ciência
Na visão de Raissa, o Brasil está caminhando para o controle da pandemia. A médica, entretanto, prega calma em relação às vacinas que estão sendo produzidas para combater a COVID-19 e atenção nas fases de testes.
“A vacina, como algo que está sendo lançado rápido, é totalmente imprudente. Vacina é algo que dá muito efeito colateral. A gente precisa de muita lucidez científica neste momento, para não adoecer a população em massa. A vacina precisa ser muito bem analisada e estudada, com cumprimento de todas as fases de pesquisa, sem nenhuma etapa atropelada”, pontua.
“A vacina, como algo que está sendo lançado rápido, é totalmente imprudente. Vacina é algo que dá muito efeito colateral. A gente precisa de muita lucidez científica neste momento, para não adoecer a população em massa. A vacina precisa ser muito bem analisada e estudada, com cumprimento de todas as fases de pesquisa, sem nenhuma etapa atropelada”, pontua.
Por outro lado, apesar da falta de consenso científico, a médica defende o tratamento precoce com medicamentos para que a doença não evolua para a forma mais grave, atingindo os pulmões, por exemplo. Ela acrescenta que faz uso semanal de hidroxicoloroquina, assim como sua família.
“Eu sei que neste momento temos uma redução da gravidade da doença, mas tenho um tratamento precoce sendo feito. Sei que tem muita gente em casa sendo tratada. Precisamos continuar cuidando. É uma doença que exige o velho e bom cuidado com a informação, orientação. Se o grupo médico se une em um mesmo propósito, a população fica mais segura.”
“Eu sei que neste momento temos uma redução da gravidade da doença, mas tenho um tratamento precoce sendo feito. Sei que tem muita gente em casa sendo tratada. Precisamos continuar cuidando. É uma doença que exige o velho e bom cuidado com a informação, orientação. Se o grupo médico se une em um mesmo propósito, a população fica mais segura.”
Em Porto Seguro, Raissa atende como médica da família numa unidade da prefeitura da cidade. Além disso, ela é internista e plantonista do pronto socorro do Hospital Navegantes, onde também tem um consultório. Ela chegou a dar plantões em uma unidade de saúde da rede estadual, mas, de acordo com a médica, foi solicitado o distrato do contrato em julho. A profissional, apesar do rompimento do vínculo, ficou satisfeita, uma vez que estava ficando cansada.
“Até achei bom, porque estava trabalhando muito e estava, inclusive com certa frequência, pedindo a outros colegas para assumirem o plantão. Já tinha uma carga horária reduzida no hospital. Fazia dois plantões por mês.”
“Até achei bom, porque estava trabalhando muito e estava, inclusive com certa frequência, pedindo a outros colegas para assumirem o plantão. Já tinha uma carga horária reduzida no hospital. Fazia dois plantões por mês.”