Um advogado de Belo Horizonte pretende acionar a Justiça após uma ocorrência envolvendo policiais militares dentro de um prédio que pertence à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Seção Minas Gerais na última terça-feira. O defensor foi abordado dentro de uma sala destinada aos profissionais pelos policiais que procuravam um suspeito e o advogado dele. O jurista denuncia ter sido vítima de violação de prerrogativas e racismo. A OAB Minas informou que acionou a Corregedoria-Geral da PM e o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). A corporação, por sua vez, nega o ato de racismo e diz que no mesmo dia houve uma reunião com um representante da Ordem. Vídeos que mostram parte da ação circulam nas redes sociais.
Advogado acusa policiais de racismo e abuso de autoridade em abordagem na OAB, veja vídeo:
— Estado de Minas (@em_com) September 10, 2020
(O nome do advogado procurado pelos policiais e citado pelo defensor foi suprimido do áudio.)https://t.co/itaguhWRt3 pic.twitter.com/ymAzgUTfwl
O caso ocorreu durante a tarde no Departamento de Apoio ao Advogado na capital (DAAC), que fica na Rua Paracatu, no Barro Preto, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O espaço fornece estrutura para que os advogados possam realizar algumas atividades de trabalho. Segundo o boletim de ocorrência registrado pela vítima e testemunhas em uma delegacia, ao qual o Estado de Minas teve acesso, policiais militares entraram no local, sem mandados judiciais, em busca de um foragido. Após não localizarem esse homem, eles procuraram pelo suposto advogado dele, identificando-o pelo primeiro nome. Ao chegarem a uma sala de informática onde alguns advogados trabalhavam, um funcionário perguntou em voz alta se o defensor procurado por eles estaria lá, mas houve negativa. Então, segundo os envolvidos registraram, uma policial foi até o único advogado negro na sala e perguntou se ele seria a pessoa que procuravam.
O advogado demonstrou insatisfação com a abordagem, apontou abuso de autoridade (nos termos da Lei nº 13.869/19), desrespeito com as prerrogativas da função dele e que a ação era discriminatória. Consta no boletim que a policial chegou a dar voz de prisão ao jurista, que foi amparado por outros colegas.
Ainda segundo o boletim de ocorrência, a policial se aproximou dos advogados com a mão sobre a arma, e que os militares chegaram a impedir, "utilizando-se de força física - uma outra advogada de entrar na sala de reuniões da OAB, onde um oficial da corporação que chegou para acompanhar o caso conversava com os representares do órgão.
“O DAAC é o departamento de apoio ao advogado, vinculado à OAB federal. É um prédio inviolável. A PM não violou somente minha prerrogativa individual como as dos demais colegas”, disse o advogado civilista Ronaldo Alvarenga de Souza Barros, em entrevista ao EM nesta quinta-feira. Ele disse que não conhece o advogado citado pelos policiais, reforçou que o profissional não foi encontrado lá no momento da abordagem, e que foi confundido. “Por arbitrariedade, ela (policial) passou os colegas brancos e veio só em mim no final da sala. Embora eu estivesse nervoso, jamais cheguei ao ponto de desacatar a sargento. Eu também me senti um pouco constrangido, ela me deu voz de prisão”, disse o jurista.
O vídeo mostra o advogado reagindo à abordagem da policial e dizendo o nome dele. Outros advogados, funcionários do DAAC e militares estão no local. Em determinado momento, ela diz que ele poderia ser conduzido. “No vídeo estou com a carteira na mão. Quando houve a discussão que ela chegou em mim, eu mesmo disse que estava sendo confundido”, disse.
Para Barros, a abordagem não foi correta e ainda poderia ter colocado as pessoas em risco. “É um fato inédito, repugnante, porque a PM não pode entrar. Mesmo com um mandado, eles teriam que pedir autorização para o coordenador do DAAC porque é um órgão federal. Suponhamos que o acusado está lá, está armado, ocorre uma troca de tiros e alguém se fere?”, analisou. O advogado também ressaltou que abordar o defensor de alguém procurado daquela forma também seria incorreto por parte dos policiais.
“A OAB já entrou com notícia crime e vou fazer uma ação indenizatória. Ainda está sendo elaborada por um colega, porque embora eu seja advogado, estou sem emocional para fazer ação em causa própria. (Pedirei) indenização contra o estado e contra a policial”, disse o advogado. Diante da repercussão do caso, o defensor divulgou uma nota aos colegas, que foi compartilhada pelo WhatsApp. O nome do advogado procurado pelos policiais no DAAC será suprimido. Leia abaixo:
“Prezados: com grande pesar, e repúdio a violação das prerrogativas diante de abuso de autoridade que reporto a todos e todas, fato ocorrido nas dependências da OAB Paracatu 472, todavia talvez seja de conhecimento, por circular nas redes sociais, peço vênia aos colegas da polícia militar. Me encontrava no DAAC OAB no dia 8/09/20 desde 15:30 elaborando peça processual, quando policiais militares adentraram sem mandado, a procura de indivíduo q segundo informações com prisão decretada, via denuncia, após exaurida a busca, passaram a procurar o suposto advogado do réu, Dr. (...) que também não encontrava no DAAC, os policiais de forma arbitrária mesmo cientes da ausência do causídico do réu, vez já informados através do rapaz da informática que certificou indagando em auto tom, entre os presentes sobre Dr. (...), que restou ausente. A sala estava cheia entre os colegas 05 advogados, sendo eu único negro sentado no final da sala, a policial passou por todos colegas brancos, e se dirigiu exclusivamente a mim com a mão na arma indagando se eu era o Dr. (...), no ato da abordagem, me senti muito humilhado, uma colega advogada pensou que eu tinha furtado celular...os ânimos se aqueceram, a sargento chegou a me dá voz de prisão, que não se consumou... resumo da ópera: Entendo violadas as prerrogativas da advocacia, ainda fui vítima de racismo vez único advogado negro sentado no momento, recebo com repúdio a conduta da policial militar, que atraiu para si abuso de autoridade, crime de racismo a apurar”.
O que diz a OAB
Por meio de nota enviada à reportagem na tarde de quarta-feira, a OAB Minas repudiou o ocorrido no DAAC. “Assim que a Seccional foi informada sobre o fato, dois delegados de Defesa das Prerrogativas da Advocacia foram designados para acompanhar o lamentável episódio. Foi lavrado boletim de ocorrência, com as testemunhas dos abusos e violações. A OAB Minas já representou na Corregedoria da Polícia Militar e perante as autoridades competentes as infrações praticadas pelos policiais e estará vigilante acompanhando o desenrolar do caso”, informou. Nesta quinta-feira, o órgão também publicou em seu site um texto sobre a ocorrência no departamento, mas medidas tomadas - como o acionamento do MP -e a repercussão com lideranças.
O que diz a Polícia Militar
Também por meio de nota, enviada nesta manhã, o Comando de Policiamento da Capital (CPC), da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), detalhou como os policiais foram ao DAAC após uma denúncia via 190. O CPC também afirma que o advogado foi abordado por não ter se identificado, negou que ele tenha sido abordado por questão racial e confirmou a reunião com o diretor do departamento da OAB. Leia na íntegra abaixo:
"A Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) esclarece que, no dia 08 de outubro de 2020, por volta das 15h30, recebeu, via 190, um chamado dando conta de que um indivíduo estaria com mandado de prisão em seu desfavor no interior do Departamento de Apoio ao Advogado na Capital-OAB/MG (DAAC). O solicitante informou o nome do advogado que acompanhava o foragido e o nome do foragido, sendo constatado que de fato possuía contra ele um mandado de prisão expedido por autoridade judiciária competente, pelo cometimento do crime de estupro praticado contra uma criança.
No estrito cumprimento do dever legal, a guarnição policial deslocou-se até o local, já de posse do nome e da fotografia do alvo, e solicitou aos servidores do DAAC a entrada ao prédio, sendo a entrada autorizada e procurado o indivíduo que, segundo o solicitante, estaria no 2º andar.
Já no 2º andar do prédio foi dada ciência a outro funcionário acerca da origem da diligência policial, tendo ele franqueado acesso às dependências do imóvel. Na busca pelo autor, em um dos cômodos do DAAC, foram encontrados alguns cidadãos utilizando computadores, sendo então perguntado o nome deles. Todos responderam, exceto o reclamante.
Considerando que o reclamante era o único a não se identificar, uma policial militar dirigiu-se até ele e perguntou o nome, tendo este se negado a responder.
Após certo tempo, já exaltado, o reclamante disse o nome, parcial, mas não fornecia a documentação à policial para a verificação, haja vista que, da negativa inicial nasceu a suspeição de qual seria de fato o nome do reclamante.
Durante os questionamentos o reclamante acusou a militar de praticar contra ele ato de racismo. Importa ressaltar, porém, que o questionamento feito ao reclamante ocorreu exclusivamente por ter sido o único a não fornecer o nome, não havendo qualquer hipótese de abordagem relacionada à cor da pele ou raça, mesmo porque havia outro advogado negro no ambiente, que não foi abordado, e, além disso, a policial militar também é negra.
A busca pelo indivíduo com mandado de prisão em aberto foi interrompida devido a tentativa de descoberta do real nome do reclamante, sendo dada continuidade posteriormente.
Por último, vale ressaltar que houve no mesmo dia reunião entre Oficial da PMMG e o Diretor do DAAC, não havendo qualquer tipo de prejuízo na harmonia existente entre as Instituições, sendo o caso considerado, por ambas as partes, algo pontual.
A PMMG esclarece ainda que seguirá trabalhando em prol do povo mineiro, cumprindo seus deveres constitucionais, independentemente de cor, raça, sexo, idade, condição social ou profissão. A lei é para todos e identificar-se, quando legalmente determinado, é uma obrigação legal, sendo, inclusive, penalmente punível."