Após 15 dias sem funcionar, o projeto Canto de Rua Emergencial, que acolhe pessoas em situação de rua na Serraria Souza Pinto, na Região Central de Belo Horizonte, recomeçou as atividades nesta quarta-feira (16). Quem contava com o local para serviços básicos como lanche, banho e até para ter acesso a água potável comemorou a retomada.
“O copo com água que é distribuído aqui foi o mais comentado hoje. Quantas vezes nós tivemos a necessidade de beber água e viemos aqui e demos de cara com a porta. A água que é doada aqui faz muita falta, imagina o resto”, contou Maria Aparecida Vieira, de 53 anos, que está em situação de rua há 26 e atualmente trabalha no projeto da Serraria.
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O projeto que funcionou de junho a agosto com o patrocínio do Instituto Unibanco, e reabriu as portas com investimento de R$ 1,8 milhão da prefeitura e voltou a acolher quem já sofria com a falta de recursos fundamentais muito antes da pandemia.
“Foi muito emocionante tanto para eles quanto para nós poder sentir essa alegria. Realmente a Serraria respondeu a uma demanda que eles tinham seja nas questões físicas de cuidados, como também de referência e orientação. Saber que tem um lugar que pode te acolher, que você pode vir conversar, isso é muito importante para qualquer pessoa, e sobretudo para eles que vivem uma vida de solidão isolados da sociedade”, disse Maria Cristina.
Maria Aparecida, hoje atua na frente de escuta do projeto, e revelou que, antes da pandemia, os próprios moradores de rua se organizavam para conseguir recursos como alimentação, mas, com as medidas de isolamento social, esse sistema foi afetado pelo fechamento do comércio e pela dificuldade para encontrar resíduos sólidos que eram reciclados para obtenção de recursos financeiros.
“Nós vivemos da reciclagem dos resíduos sólidos urbanos, é o nosso sustento, o que garante pra gente o café que compramos na lanchonete, garante o dinheiro para gente ir na padaria comprar nosso pãozinho com dignidade, porque não é todos os dias que recebemos doações nas ruas”, explica.
Mais do que alimento e dignidade, o projeto deu a Cida, como é chamada carinhosamente, a chance de um novo recomeço. “Existe uma força dentro de nós a qual não sabemos usá-la. Nas ruas fica muito difícil da gente fazer essa organização que está acontecendo aqui, e esse foi um ponto positivo da COVID-19 para nós, porque a cidade inteira fechou, todo mundo ficou em isolamento em suas casas e isso nos revelou”, conta.
Com o novo trabalho ela tem renovado as esperanças e as forças para continuar e para retribuir ao próximo a ajuda que lhe foi dada. “Estou disposta não só nesse período, mas como pelo resto da minha vida a acreditar no próximo, e a mostrar que é possível e viável uma transformação. Com amor a gente consegue e isso eu tenho muito. Eu não quero mais voltar às ruas nessas condições, eu quero voltar lá para convidar os meus irmãos a construírem um novo rumo, porque realmente, morar na rua não é fácil”, conta.
Linha tênue entre o amor ao próximo e o preconceito
A ação tem parcerias com o estado, a prefeitura, e a sociedade civil através de organizações e de cerca de 100 voluntários que doam seu tempo para tornar o projeto, que tem data de término prevista para novembro deste ano, possível.
Essa mobilização tornou propício para quem vive em situação de rua, um acolhimento, e mostrou a linha tênue que existe entre esse amor ao próximo demonstrado por esses voluntários e o preconceito que insiste em prevalecer na sociedade. “Tem que ser grande para pensar diferente, tem que ter uma mente grande. A gente quer que esse projeto não acabe, porque ele está beneficiando muita gente, somos 12 mil pessoas em situação de rua, então é esse pedido que eu faço, que as pessoas realmente mudem suas formas de pensar, porque somos humanos, temos sonhos, temos projetos, podemos contribuir muito para uma sociedade melhor”, disse.
*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz