Alimentos geneticamente modificados, criação de órgãos para transplante, reconfiguração da estrutura de DNA dos organismos e até mesmo produção de embriões que poderiam ser resistentes a várias doenças. Por mais que sejam polêmicas, tais discussões a respeito do uso da ciência no mundo se tornam cada vez mais evidentes e são necessárias no dia a dia. Nesse sentido, um grupo de estudiosos de 22 instituições de pesquisa no planeta se reuniram para debater o uso da edição genética. O projeto intitulado Global Citizen Deliberation on Genome Editin (em português, Deliberação do cidadão global sobre a edição do genoma) realizará assembleia global com populares em todo o mundo para a discussão do uso edição genética.
O projeto mundial contará com a participação dos professores Ricardo Fabrino Mendonça e Yurij Castelfranchi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). As ideias que alicerçam o experimento serão publicadas na edição desta sexta-feira (18), na revista Science. O projeto nasceu por meio de uma proposta da Gene Pool Productions em parceria com o Centro para Democracia Deliberativa e Governança Global, da Austrália.
“A pesquisa mostra que é importante que cidadãos comuns participem de debates de problemas complexos, que tenham consequências em escala transacional. A ideia é que, por mais técnicos que sejam os assuntos, complexos, eles têm implicações sobre a vida das pessoas, sobre o futuro da humanidade. E, por isso, as consequências são partilhadas. É importante criar condições para que as pessoas participem das escolhas políticas e morais que estão envolvidas no uso dessa tecnologia”, ressalta Ricardo Fabrino, do Departamento de Ciências Políticas da UFMG.
Segundo o professor, o projeto vai implicar na discussão de importantes temas no campo da ciência: “A edição genética é uma tecnologia que cria revolução nas técnicas empregadas na alteração genética. Ela permite reconfigurar genes, modificar DNA e criar possibilidades que antes não eram possíveis para a antiga engenharia genética. Há várias possibilidades, como na aplicação na produção de alimentos, cientistas que criaram órgãos humanos para transplante... Há várias possibilidade de trabalhar com isso. Nossa discussão é no contexto político, mostrando como tomar decisões éticas a cerca da utilização da edição genética”.
A intenção é de que a assembleia global conte com 110 participantes, em que serão apresentados os questionamentos e conclusões. A ideia inicial é que sejam realizados pequenos encontros em vários países (Assembleias dos Cidadãos) antes da reunião mundial. Com a pandemia do coronavírus, o projeto foi adiado e deve ser concluído de fato em 2022.
Para o professor, um dos intuitos do estudo é transmitir o conhecimento de forma democrática a todos os indivíduos. “Nossa discussão é como criar uma inovação democrática transnacional que viabilize que cidadãos comuns, que nunca ouviram falar de edição genética, possam se informar sobre consequências, riscos, pesquisas existentes e possam opinar sobre questões políticas e morais. Você pode investir um valor que beneficie poucas pessoas ricas ou que abranja uma maior quantidade de pessoas pobres. Se não tiver modalidade de regulação, modalidade ou discussão pública do que é possível, pode haver situações de injustiça no próprio desenvolvimento da tecnologia”.
Pouca discussão no Brasil
No Brasil, a discussão do uso da edição genética ainda é um tabu para os pesquisadores. “É um tema pouco discutido. Em outros contextos, a alteração genética foi mais debatida publicamente. Na Europa, discutiu-se muito fortemente a produção de organismo geneticamente modificados. No Brasil, foi pouco falado. E esse debate é extremamente especializado. Pensar que cidadãos possam discutir tecnologias dessa complexidade pode parecer estranho, embora os assuntos mais técnicos são aqueles que mais deixam marcas significativas”, afirma o pesquisador.