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Estado de Minas Pancadões

Bailes funk ilegais desafiam polícia e saúde pública, tirando o sono da vizinhança

Só neste último fim de semana os bailes funk clandestinos desafiaram a saúde pública e a polícia na sexta-feira, no sábado e no domingo, chegando a reunir mais de 3 mil pessoas até as 4h


21/09/2020 15:44 - atualizado 21/09/2020 17:08

Mesmo com a proibição de eventos que causam aglomerações devido à pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), os pancadões, que são como os bailes funk no meio das ruas são chamados, atravessam a madrugada no Aglomerado da Serra, o maior conjunto de favelas de Belo Horizonte, com população de mais de 45 mil pessoas. Só neste último fim de semana os eventos clandestinos desafiaram a saúde pública e a polícia na sexta-feira, no sábado e no domingo, entre as 23h e as 4h30. Um agente da prefeitura declarou informalmente que os encontros chegaram a reunir entre 3 mil e 5 mil pessoas. Moradores contam que dormir se tornou impossível e que muitos disparos de armas de fogo são ouvidos. Três pessoas chegaram a ser presas pela Guarda Municipal durante a realização do pancadão, sendo duas por tráfico e uma por fugir de uma blitz.

O som alto e initerrupto tira o sono de pessoas da comunidade e também de vizinhos, que preferem não se identificar ao relatar o incômodo para a reportagem. "Dentro do quarto da minha filha dá para ouvir aqueles batidões que vêm com uma sequência de palavrões e expressões de baixíssimo calão, que são capazes de assustar até mesmo um presidiário", afirma uma empresária que mora na Rua Guaxupé, no Bairro Serra.

"A gente sabe que são os meninos (traficantes) que produzem essas festas. Porque no meio delas escutamos disparos de armas de fogo. O pessoal da (gangue) Igrejinha está em guerra e sempre no meio de uma festa dessas a bala come. Mas é com força o tiroteio. Na última madrugada eu cheguei do meu plantão e o carro levou 40 minutos só para atravessar a praça e me deixar em casa, de tanto movimento que tinha. E ninguém usa máscaras não", afirma um morador de uma das vilas do aglomerado, que também pede sigilo por temer alguma represália dos traficantes de entorpecentes.

Imagem de um dos bailes fornecida por morador atormentado pela confusão e com medo de represálias(foto: Divulgação)
Imagem de um dos bailes fornecida por morador atormentado pela confusão e com medo de represálias (foto: Divulgação)
Segundo informações de políciais que acompanham a comunidade e monitoram o tráfico e os bailes, a estratégia dos funqueiros têm sido espalhar vários carros ao largo da Praça do Cardoso, no coração da comunidade. A cada momento um dos carros munido de pilhas de caixas de som chamadas de paredões aciona as músicas e a dança começa no meio das ruas. Esse revezamento vai ocorrendo ao longo da noite e da madrugada, dando, às vezes, a impressão para algumas vizinhanças de que o pancadão já acabou, até que os carros de som voltados para suas residências voltem a ser ligados.

De acordo com a polícia, boa parte dos frequentadores dos pancadões não são pessoas da comunidade, mas apreciadores de funk que ficam sabendo das baladas clandestinas pelas redes sociais. Uma rede de observadores do tráfico monitora os acessos da Avenida do cardoso até a Praça do cardoso, principalmente nas esquinas com as ruas Capivari e Nossa Senhora de Fátima.

Como os pancadões dominaram os arredores da Praça do Cardoso, na Serra(foto: Mateus Parreiras)
Como os pancadões dominaram os arredores da Praça do Cardoso, na Serra (foto: Mateus Parreiras)
A Polícia Militar informou que não foi acionada para impedir os bailes deste fim de semana. Por meio de nota, a corporação afirma que o papel da instituição no contexto pandemia tem sido de orientação, mediação e prevenção e que nos casos atendidos pela instituição as pessoas têm cumprido as ordens de maneira imediata. A PMMG esclarece, ainda, que age de maneira complementar ao serviço de fiscalização das prefeituras".

A Guarda Municipal de BH informa que durante a pandemia está proibida a realização de qualquer evento que resulte na aglomeração de pessoas, o que inclui os bailes funk. "A perturbação do sossego, decorrente do som elevado durante o período noturno, a obstrução irregular de vias, o consumo de drogas e o uso de álcool por adolescentes são delitos que ocorrem com frequência durante os eventos, sendo o principal motivo dos registros de ocorrência pelas forças de segurança", informa a instituição.

Outra imagem fornecida por morador da Serra onde se vê grande aglomeração e nada de máscaras(foto: Divulgação)
Outra imagem fornecida por morador da Serra onde se vê grande aglomeração e nada de máscaras (foto: Divulgação)
As operações voltadas para a coibição de bailes funk demandam um planejamento prévio que permita ações integradas envolvendo a Guarda Municipal, a Subsecretaria de Fiscalização e a Polícia Militar. "Os locais de realização dos bailes são ocupados antecipadamente para garantir que a dispersão não coloque em risco a integridade física da população e nem dos agentes públicos. Neste sentido, a Praça do Cardoso, no Aglomerado da Serra, já foi alvo de operações integradas de guardas municipais, de fiscais de Controle Urbanístico e Ambiental e de policiais militares, assim como o bairro Concórdia e a Praça do Papa", informa a Guarda Municipal.

Tráfico e gangues fomentam bailes ilegais

O fomento do baile é o tráfico e o evento ilegal serve de demonstração de poder das gangues, afirma o especialista em Inteligência de Estado e Segurança Pública, coronel Carlos Júnior. "Por meio da música, as gangues aproveitam para ostentar armas de fogo, como uma forma de mostrar o seu poder aos rivais. Hoje, praticamente cada aglomerado tem o seu baile. Organizam de forma clandestina e o poder público e a polícia acabam não tendo foça para o combate e fazer valer a proibição de eventos durante a pandemia. Isso, porque os organizadores dificultam a ação mais ostensiva usando como escudo as garantias de direitos humanos e a vulnerabilidade social daquela população, o que torna ainda mais delicado o trabalho efetivo da polícia".

A violência cerca os eventos antes, durante e depois, segundo estudos sobre ocorrências relacionadas aos pancadões. "Costuma ter desacertos quando as gangues rivais se encontram. E esses bailes acabam resultando em homicidios posteriores. Como exemplo, uma mulher da comunidade dominada por uma gangue acaba se relacionando com alguém de outra rival. Posteriormente isso pode gerar um acerto de contas e homicídios. Há relatos também de barbáries contra mulheres que tiveram comportamentos assim, como raspar o cabelo delas, raspar a sobrancelha e até mesmo espancamentos e humilhações", afirma o coronel.

As dificuldades de atuação se dão por vários motivos e por isso cada ação é cercada de particularidades e de exigências. "A PM tem um protocolo de dispersão de disturbios, mas nesse caso há um complicador que é a presença de elementos armados com armas de fogo. Com isso, não se pode usar só a bala de borracha é preciso munição real. Uma coisa é dispersar e a outra enfrentar traficantes com armas de grosso calibre. Uma das soluções é prevenir, ocupando os locais com policiamento ostensivo para evitar a aglomeração de pessoas antes do baile ilegal", sugere o coronel Carlos Júnior.


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