Jornal Estado de Minas

Arte na escola

Alunos contam como recriaram quadros de pintores famosos em concurso


O bocejo do francês Joseph Ducreux (1735-1802) / Yan Rodrigues Franco Stehling 13 anos, aluno do sétimo ano

A arte imita a vida, a vida imita a arte, e as duas, amigas íntimas, despertam os sentidos para o encantamento, abrem as portas secretas da imaginação e têm o poder mágico de divertir – sempre no rumo do conhecimento. Nesse caminho, trilhado com a percepção de cada um, estudantes de uma escola pública de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, tiveram uma atividade bem criativa nestes tempos de pandemia do novo coronavírus: reproduzir em casa, com os recursos disponíveis, quadros de artistas célebres de todos os tempos.



O projeto “Qual pintura famosa você seria?”, idealizado por duas professoras de história, gerou um concurso cultural, com votação popular, via internet, avaliação por júri técnico, e cesta de chocolates como prêmio. Os resultados surpreenderam as organizadoras diante do interesse dos alunos, envolvimento das famílias, sem falar na mobilização comunitária.



As professoras Tatiane da Silva Mendes e Laís Maine dos Santos, da Escola Estadual Paulo Pinheiro da Silva, receberam, em modo virtual, 103 trabalhos de alunos do sexto ano fundamental (na faixa de 12 anos) ao segundo ano do nível médio (15 e 16 anos), mas apenas 63 concorreram, pois era imprescindível a autorização dos pais devido à imagem da garotada.

Segundo Tatiane, a tarefa escolar foi precedida de trabalho teórico sobre história da arte, sendo, na sequência, encaminhadas às turmas sugestões de quadros famosos, a exemplo da Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, Moça com brinco de pérola, do holandês Johannes Vermeer, e Abaporu, da brasileira Tarsila do Amaral. “A surpresa foi que as releituras vencedoras não estavam entre nossas sugestões.



Os alunos pesquisaram muito, caprichando na recriação das obras. Procuramos levar movimento e aprendizado com um pouco de diversão, além de reaproximar os alunos da escola neste tempo de pandemia”, explica Tatiane.

Ana Clara aproveitou o cenário da casa do avô para reproduzir o quadro. Na foto, a campeã pelo júri técnico posa ao lados dos pais, Ademir e Cristiana, e do irmão, Pedro

A leiteira do holandês Johannes Vermeer (1632-1675) / Ana Clara Soares Gualberto 12 anos, aluna do sexto ano


Para Laís, valeu a dedicação dos estudantes, dispostos a aprender e também a revirar guarda-roupas, abrir gavetas e transformar objetos familiares em pura criatividade. “Todos os alunos da escola são participativos, se empenham e superam as expectativas dos professores, tanto nos projetos presenciais como no on-line”, acrescentou. Integrante do júri técnico, o doutor em história da arte Mateus Alves Silva ficou intrigado com a inventividade de um aluno, que escolheu O filho do homem, do belga René François Ghislain Magritte (1898-1967) – na pintura, uma maçã verde parece flutuar diante de um rosto. (Calma, leitor, no fim deste texto o aluno vai explicar sua proeza. Vale esperar.)

Na avaliação de Mateus, também graduado e mestre em história, contaram pontos a escolha das obras mais desafiadoras, a riqueza de elementos na releitura (postura, cenário etc.) e o esforço para se aproximar do original.

Barriga de travesseiro

Na casa de Yan Rodrigues Franco Stehling, de 13 anos, aluno do sétimo ano, houve empenho de todos na recriação do quadro O bocejo, do francês Joseph Ducreux (1735-1802). O garoto não esconde sua admiração pela obra – “Sou meio preguiçoso para acordar cedo” – e confessa ter curtido a preparação, que contou com ajuda da mãe, Karina Franco Stehling, do pai, Ricardo Stehling, e dos irmãos Cauã, de 15, e Matheus, de 23.



Para a barriga proeminente do senhor retratado na pintura, o garoto usou um travesseiro; o casaco vermelho da mãe caiu como uma luva; e a touca veio na forma de uma toalha de rosto. “Com esse trabalho, comecei a ver a arte por outro ângulo, trouxe um despertar”, afirma Yan, que manteve os óculos na foto enviada às professoras e posou sem eles, na quinta-feira, para o Estado de Minas.

Kamily gostou da pintura pelo momento que está passando, longe dos amigos. A mãe, Luciene %u2013 entre o pai, Neri, e a irmã, Kétlyn %u2013 conta que %u201Ca atividade movimentou a casa%u201D

A saudade do paulista José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899) / Kamily Sá 15 anos, aluna do nono ano


Primeiro lugar na votação técnica, Ana Clara Soares Gualberto, de 12, aluna do sexto ano, acertou em cheio ao recriar A leiteira, de Johannes Vermeer (1632-1675). Na quarentena, ela passou uns dias na casa do avô Armando, no Serro, no Vale do Jequitinhonha, e lá teve a feliz ideia de reproduzir a pintura da jovem despejando o leite numa vasilha. Na casa de uma amiga da família, a tia Neia, com objetos antigos, entrou em cena até “uma camisola toda branca” da mãe da anfitriã.

Em vez de usar leite, para não haver desperdício, “tia Neia providenciou goma de tapioca”, revela Ana Clara ao lado dos pais, Ademir da Guia Gualberto e Cristiana da Silva Soares, e do irmão, Pedro Victor, de 15. “Quem gosta de desenhar aqui em casa é o Pedro. Acho que vou estudar direito”, diz a menina, enquanto segura uma reprodução do quadro célebre.



Destaque na votação técnica, Kamily Sá, de 15, aluna do 9º ano, informa que se sentiu tocada pelo quadro A saudade, de autoria do paulista José Ferraz de Almeida Júnior (1850-1899). “Eu me identifiquei muito com a pintura, talvez por sentir falta dos meus amigos nestes meses de pandemia”, observa a adolescente.

Na composição do figurino para um momento dramático, em que uma mulher lê uma carta com o semblante de dor, Kamily recorreu ao vestido preto, ao xale e à echarpe da mãe, Luciene Lúcia, e aos sapatos da irmã, Pâmela, de 20. O pai, Neri Alves de Sá, e a irmã caçula, Kétlyn, de 11, também participaram da criação. “Reviramos o guarda-roupa... A atividade escolar movimentou a casa, foi muito bom”, contou a mãe, lembrando que foram feitas muitas fotos para obtenção de uma aprovada pela família.

O segredo da maçã

Também destaque no júri técnico, Aírton César Marques Augusto, de 15, aluno do primeiro ano do ensino médio, se espelhou no surrealista Magritte para recriar O filho do homem, usando um paletó emprestado por um amigo da mãe, Viviane de Fátima Marques, e chapéu e gravata alugados. “Sou um pouco envergonhado, não queria mostrar meu rosto, por isso o escolhi. Também acho esse quadro diferente, interessante e misterioso.” Ao lado da mãe e do irmão Davi, de 8, o garoto conta que se divertiu muito durante a elaboração, sentindo um gosto enorme pela história da arte.



Por não querer aparecer, Aírton escolheu a obra de Magritte. A mãe, Viviane (ao lado do caçula Davi), pediu um paletó emprestado e a gravata e o chapéu foram alugados

O filho do homem do belga René François Ghislain Magritte (1898-1967) / Aírton César Marques Augusto 15 anos, primeiro ano do ensino médio


E como você conseguiu manter essa maçã suspensa no ar?, pergunta o repórter. “Não foi tão simples, houve várias tentativas. Primeiro, meu pai (Júlio César Evangelista Augusto) sugeriu que eu espetasse um palito na fruta e o segurasse entre os dentes. Não funcionou, pois ficava caindo. Então, resolvi espetar um garfo e enfiar o cabo na boca. Deu certo, mas no início senti enjoo, até que me acostumei para a foto”. Viviane, que contribuiu ainda com um galho de mexerica, parabeniza a iniciativa das professoras: “Fiquei feliz. Foi muito produtivo, manteve a turma ocupada num tempo difícil para todo mundo”.