A liderança de Minas no ranking de devastação da mata atlântica tem sido recorrente. Porém, na pesquisa mais recente sobre a situação do bioma em um estado marcado recentemente pelas tragédias ambientais, com rompimentos de barragens em Mariana (2015) e Brumadinho (2019), um agravante chama a atenção: o crescimento de 47% na devastação em 2019 na comparação com o ano anterior. E ambientalistas ligados ao bioma garantem: as eleições municipais, disputadas neste ano, historicamente resultam em picos de exploração irregular da mata nativa.
O relatório da Fundação SOS Mata Atlântica, em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostrou que o desmatamento nesse tipo de vegetação cresceu 27,2% nos 17 estados brasileiros que compõem a área, entre 2018 e 2019. Dos 14.502 hectares devastados em 2019, 71% estão na conta das motosserras de apenas 100 cidades. Entre as 10 primeiras da classificação negativa estão duas mineiras: Jequitinhonha, na região de mesmo nome, a nona colocada; e Gameleiras, no Norte do estado, a vice-líder, perdendo apenas para Manoel Emídio (PI).
Em Gameleiras, foram desmatados 434 hectares – 8,7% do total desflorestado na mata atlântica em Minas Gerais. Já em Jequitinhonha, foram 191. Somente nessas duas cidades, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) registrou 101 infrações entre 2019 e 2020 – 19% do total de autuações da pasta em todo o estado nos dois anos.
“Minas é o estado campeão absoluto no desmatamento da mata atlântica. Não dá chance para ninguém. Há uma pressão histórica da mineração, porque do bioma sai a base da indústria siderúrgica (coque vegetal). E há um lado perverso que explodiu neste ano: a atividade ilícita com carvão vegetal”, explica o diretor de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, Mário Mantovani, de 65 anos.
De acordo com ele, a situação era mais comum há cerca de cinco anos no estado, mas voltou a causar preocupação à ONG neste ano. “Há muita criança e famílias inteiras dentro de fornos de carvão vegetal. Não é um problema só de ficar protegendo os animais, é um problema social gravíssimo, de alta exclusão”, afirma, citando a pressão do grupo econômico sobre o poder público como complicador.
Procurado para explicar o alto índice de desmatamento na cidade, o secretário de Meio Ambiente de Gameleiras, Carlos Carvalho, afirma que o município não tem indústria de carvão vegetal. “A quantidade de hectares desmatada, provavelmente, está ligada a queimadas irregulares para a abertura de pastagem para criação de gado”, garante o gestor.
Segundo ele, uma reunião foi feita pela prefeitura com o Ministério Público, diante dos dados crescentes de devastação da mata atlântica no ano passado. O secretário afirma que um plano de proteção do bioma está em execução, iniciativa que é vista de maneira positiva pelo ambientalista Mário Mantovani. “É uma demanda que temos feito às cidades: as políticas públicas precisam ser feitas em esfera municipal. Minas é o estado que menos tem isso”, afirma.
Dinheiro e fiscalização
De acordo com o diretor da SOS Mata Atlântica, a grande vantagem dos planos municipais é que o recurso das infrações aplicadas pelas fiscalizações no território de uma cidade vai para os cofres das prefeituras, não para os governos federal ou estadual. Esse dinheiro significa maior possibilidade de proteção ambiental. “É algo aprovado pelo Conselho de Política Ambiental e incluído no Fundo Estadual do Meio Ambiente. Queremos cadastrar as terras para que o município acompanhe como estão esses imóveis. Não é o Ibama e a Secretaria de Estado que precisam fiscalizar, mas a comunidade, sobretudo”, pontua Mário Mantovani.
O caminho apontado pela SOS Mata Atlântica, no entanto, ainda não é uma realidade em Minas. Dos 725 municípios com algum resquício do bioma no estado, apenas Extrema (Sul) e Teófilo Otoni (Jequitinhonha) já têm os planos implementados, conforme levantamento da Semad, com dados de 2019 da ONG. Aiuruoca, Alagoa, Baependi, Divisa Alegre, Itaipé, Itamonte, Juiz de Fora, Malacacheta, Pouso Alegre e Pouso Alto ainda elaboram a legislação.
Compensação ambiental
Diante dos dados do Atlas da Mata Atlântica, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de Minas Gerais informou que o estado aplica “compensação por supressão vegetal legal, de duas vezes a área degradada, o dobro da legislação federal”. Com isso, a cada árvore que é cortada legalmente, o responsável precisa plantar duas.
A pasta acrescenta que o Instituto Estadual de Florestas (IEF) monitora, sistematicamente, as áreas de desmatamento, com meta de atualização diária, via satélite. O IEF também é signatário do Pacto para Conservação da Mata Atlântica. O estado informa ainda que alterou o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PMDI), com metas de recuperação ambiental estabelecidas até 2030.
De acordo com a Semad, o estado tem hoje 11,1 milhões de hectares dentro dos limites da Lei da Mata Atlântica. Outros 1,6 milhão de hectares estão fora dessa legislação. O mapeamento foi feito pelo IEF em 2019. Ainda nesse contexto, o estado informa que criou duas novas unidades de proteção integral e uma de uso sustentável, com 5,4 mil hectares somados, entre 2017 e 2018.