Um sofrimento intenso que não precisa ser acrescido do preconceito, causando mais dor ao paciente e a seus familiares. Diante da repercussão do desaparecimento da estudante de educação física, Mariana Drumond, de 35 anos, com diagnóstico de esquizofrenia, a reportagem do Estado de Minas ouviu a família e psiquiatras da Associação Mineira de Psiquiatria (AMP), nesta segunda-feira.
Mobilização
Ainda sob o impacto do desaparecimento da sobrinha, a enfermeira aposentada Vânia de Freitas Drumond, 68 anos, conversou com a reportagem do Estado de Minas, na manhã desta segunda-feira (28). Até a última atualização dessa reportagem, Mariana ainda não tinha sido encontrada.
A tia da estudante contou que a família pediu à Guarda Municipal que fique atenta em sua ronda pela cidade, em especial pelas regiões Leste, onde Mariana mora, no Bairro Santa Efigênia, e Centro-Sul, local que teria sido vista, nesse domingo (27), andando na Avenida Afonso Pena, onde ocorria a reabertura da Feira Hippie.
A Polícia Civil de Minas Gerais informou, também nesta segunda-feira, que já gerou o alerta de desaparecimento e confeccionou o cartaz de pessoa desaparecida. As investigações estão em andamento na tentativa de localizar a estudante. Quem tiver informações, pode colaborar pelo 0800-282819.
“Menina muito especial’’
“Ela (Mariana) é uma menina muito especial, inteligente, de muita sensibilidade para o desenho, gosta de desenhar e que tinha uma vida escolar normal. Fazia educação física até surgir esse problema”, relata Vânia, se referindo ao primeiro episódio de surto da estudante, conforme ela, há aproximadamente oito anos.
Vânia contou que, desde então, a sobrinha tem sido tratada com acompanhamento médico-psiquiátrico e hospitalar. Há dois meses, ela obteve alta da internação, no Hospital André Luiz, no Bairro Salgado Filho, na Região Oeste de Belo Horizonte.
Segundo contoua tia, a família está ''em uma roda-viva'' em busca de Mariana.
Psicofobia
A psiquiatra Marília Brandão Lemos destaca que, como acontece com todos que são diferentes no espectro chamado ''normalidade'', pacientes com transtorno mental também “são muito discriminados”.
“Apesar de ter melhorado, ainda sobrevive o que chamamos de psicofobia”, afirmou a médica, detalhando que esse sentimento não é voltado apenas para o paciente, mas também para os profissionais da área de saúde mental. "Associado a doido, doidinho'', critica.
É como se existissem, compara a psiquiatra, doenças "mais nobres ou menos nobres’’. Para efeito de comparação, cita a médica, doenças cardíacas são mais aceitáveis do que as que envolvem o ‘’ sofrimento mental” – expressão que o psiquiatra Paulo José Teixeira diz que já deveria ter sido superada pelo termo adequado: transtorno psiquiátrico.
Tratamento
No caso específico da esquizofrenia, Paulo pontua que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o espectro de gravidade desse transtorno é muito amplo. E que, em todos o casos, porém, “é fundamental que o paciente tenha acesso ao tratamento”.
O psiquiatra ressalta que, muitas vezes, esse direito é negado à maioria da população com transtornos psiquiátricos.
Segundo o psiquiatra, a ciência hoje tem obtido mais sucesso no tratamento dos mais diversos casos de transtornos mentais, com o paciente conseguindo levar uma vida, profissional e pessoal, “dentro ou próximo do normal’’.
Paulo faz uma crítica contundente, em especial, ao sistema público de saúde. Ele lembra que, além de medicação adequada, o paciente com transtorno mental, às vezes, precisa de internação.
O Brasil, lembra o médico, ainda patina para atender a recomendação da OMS na relação leitos psiquiátricos por número de habitantes. “Estamos aquém do recomendado, hoje entre um terço e um quarto do necessário”, lamenta.
Pandemia
Marília e Paulo disseram também que ainda não há estatística confiável sobre o aumento dos casos de transtorno mental durante a pandemia do coronavírus. Entretanto, relatos colhidos em consultório ou nos hospitais, indicam um aumento dos casos, que vão desde depressão, diagnosticada pela primeira vez, até a piora de sintomas de pacientes diversos em tratamento.
Setembro Amarelo
Ambos os psiquiatras também lembraram do Setembro Amarelo – campanha anual de prevenção ao suicídio. Dados da OMS atestam que 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados. “Porque de alguma forma, a pessoa falou, deu sinais”, alerta Marília, se referindo aos sinais de mudança no comportamento habitual de quem está prestes a cometer um ato de auto extermínio.
Culpa
Marília também abordou a questão da culpa que muitas vezes ronda a família e amigos de pacientes com transtorno mental. “São acusados socialmente: como não percebeu, como não olhou. Nesses casos, a terapia ajuda muito”, prescreve a psiquiatra.
Site
A Universidade Federal de Minas Gerais, lançou, na semana passada, um site voltado para a saúde mental, destinado a pacientes, familiares e profissionais.