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Estado de Minas TENTATIVA DE FEMINICÍDIO

'Defesa da honra': STF acata absolvição de homem que esfaqueou ex em Minas

Caso aconteceu em 2016, em Nova Era, no Vale do Aço; STF manteve decisão unânime de júri popular ocorrido em 2017


30/09/2020 08:28 - atualizado 30/09/2020 09:47

Supremo Tribunal Federal(foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
Supremo Tribunal Federal (foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve em votação ocorrida nessa terça (29) a absolvição de um homem que confessou ter tentado matar a ex a facadas em maio de 2016 em Nova Era, no Vale do Aço. A motivação do crime foi uma suspeita de traição. Ela sobreviveu ao ataque.

O julgamento teve placar acirrado, de 3 votos a 2, depois de intenso debate sobre machismo. O resultado teve como base a "soberania dos veredictos", princípio do direito em que a decisão de um júri popular prevalece contra qualquer instância superior.

Esse caso foi julgado em 2017 e, na época, os jurados aceitaram, por unanimidade, que o ataque estava amparado na "legítima defesa da honra". O STF, por consequência, manteve esse entendimento.

O caso já havia sido levado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), bem como ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que haviam entendido que a absolvição contrariava as provas reunidas no processo e deliberaram pela realização de um novo júri. Agora, com a decisão do STF, não deverá ocorrer.

Os votos a favor da absolvição foram do relator Marco Aurélio Mello e dos ministros Dias Toffoli e Rosa Weber. Votaram contra Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

No Brasil, crimes intencionais contra a vida, como assassinatos e tentativas de assassinato, são julgados por um corpo de jurados formado por cidadãos comuns. Eles ouvem os argumentos formulados pela acusação e pela defesa e votam para decidir pela absolvição ou condenação dos réus. Essa decisão é considerada soberana, ou seja, não pode ser modificada, o que vem sendo ratificado pelo STF nos últimos anos.

O caso


A tentativa de assassinato aconteceu em maio de 2016, na cidade de Nova Era. O autor atacou a ex-companheira a facadas uma semana após o término do relacionamento, sob a justificativa de que desconfiava de um romance entre ela e um outro homem.

Ele fugiu depois do ataque, mas foi preso em seguida. "Bateu um trem doido" foi como ele descreveu o momento, relatando que "foi pegando na sua cabeça" a desconfiança contra a vítima até o dia em que a atacou nas imediações de uma igreja, desferindo golpes com uma faca de serra que feriu a mulher nas costas e na cabeça.

"Desferi três facadas na minha ex, pois vi várias conversas amorosas no celular dela. Sou trabalhador e não posso aceitar de forma alguma uma situação humilhante dessas", disse ao policial que o prendeu após as agressões, segundo consta do depoimento do agente à Justiça. O agressor permaneceu detido até o julgamento.

No julgamento, a defesa apostou no argumento da "legítima defesa da honra". "Ela era a mulher dele e estava fazendo sacanagem com ele. Não tinha necessidade de fazer isso. Mas fez, o que é que vai fazer? Mas ela fez um curativo no hospital e foi embora para casa. É uma história entre marido e mulher", disse ao Estadão o advogado José Ramos Guedes, que atuou no júri.

O argumento sustentado por Guedes ganhou apoio unânime entre os jurados. O réu foi absolvido e solto após o julgamento. O Ministério Público apresentou recurso ao TJMG, pedindo a anulação do júri, no que foi atendido. A Corte mineira cassou a decisão dos jurados e determinou novo julgamento, decisão mantida pelo STJ.

Supremo


Para defender o seu voto a favor da manutenção da absolvição do réu, o relator Marco Aurélio Mello, do STF, argumentou com base na Constituição Federal. "Temos que a lei maior assegura a soberania dos veredictos. O que é julgamento pelo Tribunal do Júri? É o julgamento por iguais, é o julgamento por leigos, a partir dessa previsão constitucional", disse.

O ministro Dias Toffoli seguiu a mesma linha, reforçando que o júri tem soberania em seus veredictos tanto para condenação quanto para absolvição. "O Tribunal do Júri é uma instituição anacrônica, temos uma epidemia de homicídios no Brasil, a violência à mulher é uma parte dessa epidemia, uma das mais graves, não só a mulher, às crianças, aos adolescentes, aos homossexuais, sabemos disso e o Tribunal tem dado respostas muito enfáticas a respeito disso. Como juiz, como magistrado, não posso fugir aquilo que está na constituição, artigo 5.º, inciso 38."

A ministra Rosa Weber também ressaltou que o caso é muito "delicado", mas que decidiria o seu voto entendendo que "há prevalência da norma constitucional".

Os votos contrários discutiram a possibilidade de anulação do júri, assim como o peso do argumento de legítima defesa da honra, há muito contestado por especialistas.

Para o ministro Alexandre de Moraes, que votou contra a manutenção da absolvição, é constitucionalmente possível a realização de um novo julgamento pelo próprio Tribunal do Júri e não se deve tornar o corpo de jurados em um poder "incontrastável, ilimitado, sem qualquer possibilidade de revisão".

O ministro Barroso, por sua vez, votou destacando que não gostaria de viver num país em que os homens pudessem matar as mulheres por ciúmes e saírem impunes. "Se chancelarmos a absolvição de um feminicídio grave como esse pode parece que estamos passando a mensagem de que um homem, ao se sentir traído, pode esfaquear a sua mulher, tentando matá-la em legítima defesa da honra ou seja lá em que tese se possa definir. Não parece que no século 21 essa seja uma tese que possa se sustentar", argumentou, mas acabou vencido.


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