Jornal Estado de Minas

TRATAMENTO

"Não queremos volta de manicômios, mas atendimento humanizado para casos graves", diz psiquiatra

Referência no atendimento de casos de psiquiatria, o Hospital Galba Veloso, fundado em 1961, passou por readequações no atendimento  desde então, sob um novo olhar quanto ao acolhimento a pacientes com transtornos mentais. As denúncias de tratamentos desumanos, torturas e até assassinatos  em unidades manicomiais brasileiras, na década de 1970, levaram ao surgimento de um movimento pela reforma psiquiátrica no Brasil e posteriomente à Luta Antimanicomial, que questionava procedimentos no tratamento.





Situado no Bairro Gameleira, Região Oeste de Belo Horizonte, o Galba Veloso dispunha de 130 leitos para casos de urgência e emergência. Em 2017, a ala ortopédica, que atendia a pacientes de traumas oriundos do Hospital João XXIII que precisavam de internação prolongada, foi desativada pelo governo do estado.

Para alguns servidores, foi a sinalização do início do "desmonte". A unidade iniciou o ano de 2020 com cerca de 90% de seus 115 leitos ocupados na ala psiquiátrica.
 
Uma mensagem transmitida por WhatsApp, em 23 de março, pela direção do hospital, determinava que funcionários deixassem o prédio em 48 horas e os 12 pacientes internados tivessem os quadros clínicos reavaliados, para que recebessem alta ou fossem transferidos para o Instituto Raul Soares.

A justificativa comunicada aos servidores era de que a baixa ocupação dos leitos tornaria a unidade uma retaguarda para os casos da COVID-19 na cidade, após uma rápida reforma. 
 
A determinação foi recebida com surpresa, uma vez que, dias antes, logo no início da pandemia do novo coronavírus, a instituição foi notificada sobre a necessidade de diminuição da ocupação de seus leitos, a fim de se preparar para receber pacientes psiquiátricos positivos para a infecção. 





A unidade iniciou o ano de 2020 com cerca de 90% de seus 115 leitos ocupados (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A press)
 

O Galba Veloso, assim como o hospital de campanha instalado a poucos metros dali, nunca recebeu paciente com o novo coronavírus. "O pedido de readequação para atendimento de pacientes psiquiátricos testados positivos foi prontamente atendido, com mobilização da equipe e adequação de equipamentos e utensílios para atendimento", relata a médica psiquiatra Dagmar Abreu, que presta serviços à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) há 35 anos. 
 
Luciana da Conceição Silva, diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde), relata que, desde o fechamento das vagas psiquiátricas, a entidade tenta retomar um entendimento com as autoridades: "Nenhum paciente foi atendido no local e as obras nem foram concluídas, inclusive o hospital de campanha, a poucos metros do Galba, nem sequer foi utilizado".
 
A dirigente sindical chama a atenção para a falta de referência para atendimentos de urgência e emergência psiquiátrica na capital, ficando apenas o Raul Soares sobrecarregado com casos que vêm do interior "uma vez que o entendimento é que esses casos sejam tratados pelo muncípio, mas muitos deles não têm estrutura para tanto".



Crises psquiátricas

 
Dagmar rechaça a "falsa informação" que trata a reabertura da unidade como "retorno ao manicômio". 

"Não há qualquer conflito com a Luta Antimanicomial, o atendimento hospitalar de casos psiquiátricos está previsto na Rede de Atenção Psicossocial (RAP) que também dispõe de diversos níveis de atendimentos, como os Cersam (Centros de Referência em Saúde Metal) os Caps (Centro de Antedimento Psicossocial), hospitais-dia, entre outros", afirma.

De acordo com a médica, um hospital especializado é necessário para enfrentar situações de crise gravíssimas "quadros delirantes, depressivos intensos, situações que o indivíduo não consegue conter a agressividade".
 
Dagmer compara o atendimento hospitalar psiquiátrico a uma unidade coronariana, em que, diante de uma situação de crise cardíaca grave, o paciente tem uma equipe e equipamentos especializados à sua disposição.



"Há casos em que a pessoa está em situação de colocar em risco a sua própria vida ou a de terceiros. É preciso um atendimento com olhar especial nesse momento."
 
Ela chamou a atenção tambem para as campanhas de prevenção ao suicídio que circularam, com o Setembro Amarelo. "O Galba Veloso tem nesses acolhidos um de seus principais públicos. Todos somos contra situação manicomial", adverte a médica.

Os pacientes são acompanhados desde o momento de internação e durante todo o tratamento por um familiar, a quem é oferecida orientação para casos de surto e informações de procedimentos e mediamentos. As internações são de curto período e não há isolamento, garante Dagmar.
 
O Galba Veloso nunca recebeu paciente com o novo coronavírus (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A press)
 

CPI para apurar fechamento

 
A Câmara Municipal de Belo Horizonte instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as motivações do fechamento da unidade.



Em depoimento à comissão na segunda-feira (28), Fábio Baccheretti, presidente da Fhemig, disse que a decisão sobre o Galba Veloso foi tomada durante  reunião que não contou com a presença de dirigentes dos hospitais envolvidos.

A determinação foi fruto de remanejamentos que vinham sendo feitos em toda a rede hospitalar para o atendimento aos pacientes da COVID-19, e o Galba seria então retaguarda para os pacientes em tratamento do HIV e de doenças pulmonares.

“Foi decidido que o (hospital) Eduardo de Menezes, que atende HIV, atenderia 100% de COVID-19, e que o (hospital) Júlia (Kubistchek) também teria leitos para COVID. Então, usaríamos os leitos do Galba para esta retaguarda do HIV e das doenças pulmonares”, explicou. 



Ele diz que antes da chegada da pandemia provocada pelo novo coronavírus nenhuma conversa tinha sido iniciada para o fechamento do hospital. 
 
Na década de 1990, novas soluções foram aplicadas para a saúde mental. Gradativamente o Ministério da Saúde substituiu o tratamento em hospitais por atendimentos comunitários. As Leis Federais 8.080/1990 e 8.142/90, instituíram a rede de atenção à saúde mental, junto com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde).

Foi atribuído ao Estado a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, possibilitando a livre circulação dos pacientes e não mais a internação e o isolamento, contando com os serviços de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT); os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos CAPS).