Jornal Estado de Minas

Criminalidade

Na pandemia, violência despenca em MG, mas um tipo de crime aumenta



No ano de pandemia e distanciamento social, o índice de crimes violentos em Minas Gerais caiu, entre os meses de janeiro e agosto, aos menores patamares desde 2012, segundo dados divulgados ontem pelo governo do estado (veja tabela). Os números do oitavo mês do ano não foram detalhados, mas em julho as estatísticas já haviam recuado pela sétima vez, no comparativo mensal com 2019, despencando de 5.393 ocorrências para 3.099 (-42,5%) no mês, então a segunda maior queda do ano, atrás apenas de maio (-47%), ambos meses de movimento reduzido devido às regras sanitárias de enfrentamento ao novo coronavírus.





O indicador, contudo, é composto em sua grande maioria pelo quantitativo de roubos tentados e consumados e furtos, deixando menor margem de influência para as outras modalidades criminais que o compõem. No que diz respeito às vítimas de homicídios, o estado enfrenta um quadro de queda discreta na comparação dos primeiros oito meses dos dois anos, mesmo com as medidas de isolamento em 2020.
 
No ano inteiro, se considerado o período de janeiro a agosto de 2019 na comparação com 2020, o acumulado é de redução de 33,77% no número de crimes violentos, segundo dados do Observatório de Segurança Pública da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Especialistas creditam isso, em parte, aos efeitos da COVID-19, que reduziu a circulação nas cidades, o que trouxe a possibilidade de melhor explorar elementos de inteligência no policiamento.

Porém, indicada pela Sejusp para avaliar a situação, a Polícia Civil não atribui os números à pandemia. Para a corporação, a redução de crimes violentos é fruto direto de ações voltadas à prevenção (Polícia Militar), à investigação (Polícia Civil e Polícia Federal) e à prisão de criminosos (com atuação de todo o sistema de segurança pública).





A forte queda do número de roubos é decisiva no índice de crimes violentos, que apresenta declínio consecutivo desde 2017 no período. Foram 24.082 casos de roubos neste ano, contra 37.903 no mesmo período do ano passado, ou queda de 36,46%. São considerados crimes violentos o estupro, estupro de vulnerável, extorsão, extorsão mediante sequestro (sequestro-relâmpago), homicídios, roubos e sequestro e cárcere privado. Todas as estatísticas consideram ações criminosas consumadas e tentativas. O Observatório de Segurança Pública também monitora mensalmente os registros de furto e lesão corporal.

No caso do quantitativo do mais grave crime, o homicídio, Minas Gerais enfrenta um momento de pequeno recuo, muito próximo da estabilidade, mesmo em tempos de isolamento. Foram 1.698 ocorrências de assassinatos nos oito primeiros meses de 2020, contra 1.737 no ano anterior, queda de 2,25%. Em Belo Horizonte, o índice foi um pouco melhor, chegando a registrar declínio de 11,44%, passando de 236 vítimas em 2019 para 209 neste ano, até agosto.

Os registros de violência familiar e doméstica contra a mulher, embora não componham um parâmetro específico na criminalidade violenta, também se encontram em declínio, de 98.494 ocorrências em 2019 para 95.077 em 2020 (-3,46%) de janeiro a agosto. Mas é preciso considerar alertas como o feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de que o período de pandemia, com a necessidade de isolamento, trouxe uma dinâmica de proximidade de agredidos com agressores, o que dificulta muitas vezes que a mulher tenha oportunidade de denunciar a agressão sofrida.





Já o feminicídio, como se define o homicídio motivado por razões de discriminação ou tentativa de domínio sobre a mulher, apresenta estabilidade com leve alta, tendo subido de 86 para 89 no período. Esse tipo de crime não tem notificação tão afetada quanto a violência familiar e doméstica. O feminicídio tentado teve redução de 137 para 127 ocorrências em todo o estado.
 


Especialista prevê repique m estatística

A tendência após a pandemia é de ampliação das ocorrências, principalmente no próximo ano, dado o nível baixo a que chegaram, avalia o coronel Carlos Júnior, especialista em inteligência de Estado e segurança pública. “Esse fenômeno de uma redução de crimes tão forte tem como componente indissociável a pandemia, pois sobra, sim, mais tempo para a análise das estratégias policiais, há menos criminosos motivados e menos vítimas disponíveis nas ruas. Tamanha redução nunca foi vista nas últimas décadas e naturalmente poderá sofrer acréscimos para os próximos anos, mas não numa escala geométrica”, afirma.

A capacidade de antever as ocorrências e anular as oportunidades e o espaço de ação dos criminosos teria sido amplificada com a redução da circulação de pessoas trazida pelo isolamento, o que abriu oportunidades para o trabalho policial, afirma o especialista. “A Polícia Militar de Minas Gerais tem uma das ferramentas mais avançadas de mineração de dados de inteligência, que vão desde a análise de um boletim de ocorrência de violência doméstica até um boletim de roubo a banco. O uso dessa ferramenta foi potencializado. É a chamada inteligência preditiva, não apenas por alvos criminosos, mas também pelo fenômeno criminal”, indica.





De acordo com o militar, o crime sofreu com o “fique em casa”, mas a polícia não foi afetada, por ser essencial. “A atuação policial deve ter foco nas quadrilhas que interferem na criminalidade violenta em cada região do estado, em sintonia com a realidade cultural regional. É preciso se valer da estratégia e da tática de emprego operacional em razão da nossa grande extensão territorial, pois Minas Gerais tem um território maior que a França”, compara o coronel.

Já a chefe do Departamento Estadual de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), delegada-geral Letícia Gamboge, ressalta que, entre outros fatores, a redução no número de crimes violentos pode ser atribuída, principalmente, à efetividade de políticas públicas, tanto de prevenção quanto de investigação. “A Polícia Civil tem trabalhado com uma pronta resposta investigativa, no âmbito do DHPP, conseguindo dar retorno rápido à sociedade. Em função disso, e com a ampla divulgação dessas ações policiais, o impacto é observado diretamente no desestímulo ao cometimento de outros crimes. Nos casos de feminicídio registrados este ano na capital, por exemplo, o DHPP tem como resultado a prisão de todos os suspeitos, com encaminhamento dos procedimentos à Justiça”, destaca.
 

Boletim de ocorrências 

Confira dados da criminalidade no estado (ordenados segundo variação)*

Crime              2019 2020    Variação

Tentativa de extorsão 138 149    %2b7,97%
Homicídio 1.737 1.698    -2,25%
Lesão corporal 41.584 36.722 -11,69%
Tentativa de homicídio 1.842 1.585 -13,95%
Extorsão 534 458 -14,23%
Tentativa de estupro 159 135 -15,09%
Sequestro e cárcere privado 154 123 -20,13%
Estupro de vulnerável 2.010 1.597 -20,55%
Furto 184.287 143.316 -22,23%
Extorsão mediante sequestro 45 34 -24,44%
Tentativa de estupro de vulnerável 113 84 -25,66%
Estupro 819 592 -27,72%
Tentativa de sequestro e cárcere privado 6 4 -33,33%
Roubo 37.903 24.082 -36,46%
Tentativa de roubo 2.576 1.295 -49,73%

*De janeiro a agosto


Ocorrências de homicídios (Minas e BH)

Mês MG 2020 MG 2019 Var (%) BH 2020 BH 2019 Var (%)

Janeiro 215 269 -20 27 36 -25
Fevereiro 262 201 30 34 26 31
Março 278 243 14 39 38 3
Abril 203 210 -3 29 33 -12
Maio 181 208 -13 19 21 -10
Junho 200 200 0 20 27 -26
Julho 174 194 -10 23 26 -12
Agosto 185 212 -12,7 18 29 -37,9
Total 1.698 1.737 -2,24 209 236 -11,44 




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