Após o feriado, deverá ser decidida a polêmica volta às aulas presenciais em Belo Horizonte de milhares de crianças de até 5 anos matriculadas nas escolas infantis particulares. Na próxima terça-feira, a Prefeitura de BH (PBH) dará ou não seu aval ao funcionamento dos 57 estabelecimentos de ensino que conseguiram na Justiça o direito de reabrir as portas. Se a resposta favorecer o setor, o Executivo põe fim a uma enxurrada de pedidos de medidas liminares que tramitam no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e costura acordo para beneficiar todas as escolinhas privadas. Embora considerada remota, em última instância, a solução poderia até mesmo se estender a outros níveis de ensino. Sem o aval, a batalha judicial promete se acirrar.
O prazo foi acertado em reunião anteontem entre representantes da prefeitura, de escolas infantis e magistrados que integram o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para Demandas Territoriais, Urbanas e Rurais e de Grande Repercussão Social (Cejusc Social). O objetivo foi avaliar o retorno presencial das crianças às aulas e às atividades pedagógicas e tratar das liminares já deferidas pelo poder judiciário em Minas.
Ao todo, 91 escolas infantis pleiteiam na Justiça o direito à reabertura. Elas se amparam em decisão do governo estadual, que deu sinal verde para a retomada das atividades escolares naquelas cidades classificadas na chamada onda verde do plano Minas Consciente, que define critérios para a retomada do comércio e do setor de serviços. BH está localizada em região liberada para as escolas, mas como nos demais municípios, a decisão final cabe aos prefeitos.
As ações judiciais foram divididas em sete blocos de instituições, sendo que três deles, num total de 57 escolas, já tiveram decisão favorável do juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 5ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal da Comarca da capital. As outras 34 estão com os processos em modo “stand-by”, como parte do acerto da reunião de quarta-feira à tarde.
A PBH concordou em suspender os pedidos de anulação das liminares já concedidas, enquanto os advogados das escolas infantis se comprometeram a não ajuizar novas ações até a resposta na terça-feira. Caso o município dê o aval à reabertura, as escolas que já estão funcionando com liminar continuarão de portas abertas por 15 dias. Os termos do acordo preveem a divisão das turmas em turnos de quatro horas com, no máximo, 12 alunos. Os protocolos sanitários que estão sendo adotados foram entregues ao procurador-geral do município e ao secretário Municipal de Saúde, Jackson Machado.
No fim dos 15 dias, haverá nova reunião, na qual o município apresentará um programa de reabertura que levará em consideração possíveis casos de contaminação por COVID-19 para proposição de novas medidas. “Dentro desse cenário, nessa segunda audiência poderá ser estabelecido novo acordo para as demais escolas, inclusive possibilitando que se estenda para todas as escolas, seja infantil ou não, embora esse não seja o pleito. Como nessa primeira reunião houve a presença do sindicato das escolas, dos professores e do Ministério Público, é possível que na próxima audiência de conciliação esse assunto seja tratado”, afirma o advogado Rodrigo Capanema, do escritório que representa as escolas infantis.
Na perspectiva de um retorno pleno das aulas, ontem foi dia de comemoração, com pipoca e presentes motivados pelo Dia das Crianças na porta da Escola Lúcia Casasanta, no Bairro Sion, Região Centro-Sul de BH, uma das 57 instituições que podem funcionar amparadas por liminar. A recepção ocorreu com os alunos dentro do carro dos pais, ninguém desceu.
Os 91 estabelecimentos que já estão com decisão favorável ou a aguardam fazem parte do grupo Pró-educação infantil, formado por escolas que atendem a esse segmento. “Tentamos comunicação com autoridades e não conseguimos. A liminar foi o último dos recursos. Queríamos fazer parte dos planejamentos, entender os parâmetros para voltar e nunca tivemos essa resposta. A cereja do bolo foi quando o prefeito (Alexandre Kalil) suspendeu alvará das escolas, porque, assim, não poderíamos funcionar de forma alguma, nem a secretaria”, conta a diretora-administrativa da escola, Lorena Casasanta.
Medidas sanitárias
No ensino presencial, a escola voltou há cerca de duas semanas com atividades extracurriculares para atender pais que querem ou precisam muito e crianças que precisam muito. “Tem crianças com problemas psicológicos, problemas de sono, distúrbios alimentares. Nesses casos, a escola é fundamental”, ressalta a diretora. Na audiência de conciliação anteontem, o grupo apresentou, além dos protocolos sanitários sugeridos pela prefeitura e governo de estado, o complemento feito por uma empresa contratada por escolas. Na Lúcia Casasanta, Lorena conta que houve treinamento com funcionários, além de um guia para os pais. A escola optou por voltar com menos que os 12 alunos fixados no acordo que pode ser feito com a PBH. Apenas um terço dos pequenos voltou para a sala de aula, o que significa no máximo oito alunos – no primeiro momento, apenas seis estavam sendo acolhidos.
Por enquanto, o estabelecimento trabalha com uma lista de espera pelo presencial. Com os contratos da educação infantil suspensos, foi dada aos pais a opção do atendimento on-line ou presencial. E há quem preferiu apenas o presencial. “Trabalhamos o sistema de bolhas implantado em alguns países, uma forma de a criança não trombar com outra dentro da escola. Ela chega e vai para bolha dela (a sala). Como as turmas são muito pequenas e sem contato umas com as outras, se aparecer algo, conseguimos isolar só aquele grupo”, explica. “Os pais estão sendo muito parceiros e respeitam os protocolos. Não entram mais na escola, à exceção daqueles cujos filhos são muito pequenos e, mesmo assim, por um caminho específico”, relata. Entradas e saídas de alunos, e só deles, são feitas exclusivamente por um acesso lateral do estabelecimento.
Na Justiça, aposta é em diálogo
Na tentativa de acordo, escolas e advogados lembram que a presença das crianças não é obrigatória. A Lei 14.404, que trata do ensino na pandemia, determina a não obrigatoriedade. Mas, da mesma maneira que os pais podem ou não levar as crianças a bares, clubes, restaurantes e praças, as escolas requerem tratamento isonômico.
A PBH prometeu levar o caso ao comitê de enfrentamento à Covid, o que, para a defesa e o grupo de escolas, já foi um ponto positivo. “O próprio secretário falou que não podia assinar um acordo contra um protocolo que ele mesmo criou. Tem que levar o assunto para dentro do comitê e, se for o caso, rever o protocolo”, afirma Capanema. “O município pôde ouvir concretamente o pleito das escolas infantis e o tratamento que elas merecem e querem ter, ao não serem enquadradas na mesma sistemática das demais. Hoje, há um mercado paralelo que está sendo criado na cidade, vários estabelecimentos funcionando como ‘hoteizinhos’, uma forma de se promover educação fora dos limites constitucionais e à margem do que determina o Ministério da Educação”, ressalta o advogado.
O 3º vice-presidente e responsável pelas iniciativas de conciliação e mediação no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Newton Teixeira Carvalho, destacou o diálogo entre as partes. “Dentro de 15 dias, poderá haver outra rodada de diálogos que dará sequências às conversas, projetando o retorno das crianças de 0 a 5 anos às escolas de forma segura, após esse período”, disse. Para a coordenadora do Cejusc Social, desembargadora Ângela de Lourdes Rodrigues, a expectativa também é de acordo.
Mas, há quem tenha participado da reunião e afirmado ter sentido pouca receptividade da PBH a um possível acordo, embora tenha sido reconhecido o risco pequeno de contaminação por parte das crianças. E que, sem acordo, as escolas que querem a retomada e também se sentem preparadas para abrir partirão para a briga por liminares. Ao todo, BH tem 1.815 instituições privadas de educação infantil – pela Prefeitura, são 414 as instituições que atendem esse segmento do ensino. Enquanto a reunião no Cejusc tramitava, 31 escolas já tinham sido favorecidas por liminares. Antes da assinatura da ata, outras 26 foram beneficiadas pela decisão do juiz Rinaldo Kennedy Silva, elevando o total para 57.
Entre as escolas, a expectativa é grande, caso da Algodão Doce Centro de Educação, no Bairro São Lucas, também na Região Centro-Sul, outro integrante do grupo Pró-educação infantil. Ela aguarda o “sim” da prefeitura para voltar a funcionar. Caso contrário, vai usar o direito conquistado com a liminar – assim como a Lúcia Casasanta, a Algodão Doce está no grupo das 11 primeiras escolas a conseguirem decisão favorável da Justiça para a reabertura.
Na última segunda, em reunião com os pais, ficou decidida a retomada das atividades extracurriculares no próximo dia 14 e das aulas presenciais no 19. As atividades extracurriculares foram a opção inicial, mas só durou três dias. Dona e diretora da escola, Adriana Antunes Morais conta que, com a suspensão dos alvarás, os pais que haviam feito essa opção recuaram e a escola se viu obrigada a também esperar e entrar com o pedido de liminar. Mais um baque para o estabelecimento de quase 39 anos que, na pandemia, perdeu média de 40% dos alunos e lida ainda com alto índice de inadimplência.
Pesquisa feita mês passado mostra que, entre os pais que permanecem, 70% querem o retorno presencial. “Temos muita esperança que o acordo feche, pois nos comprometemos em seguir os protocolos do estado, embora tenhamos o nosso, pelo sistema de ‘bolhas’: número de alunos e carga horária reduzidos, horários escalonados”, relata. “Os pais estão seguros com a escola. Sabem que há riscos, que nenhum protocolo tem 100% de garantia. E farão a parte deles”, completa. Sem acordo, valerá a liminar: “Os pais contam com isso. Já passou da hora de criança estar dentro da escola, espaço que é dela por direito”.