O Ministério Público estadual (MPMG) denunciou a proprietária do abrigo Sol Nascente, em Taquaraçu de Minas, cidade localizada na Região Central, por tortura, maus-tratos e desobediência à ordem judicial. Dois internos com dependência química também foram denunciados por tortura. Eles teriam ajudado a dona da instituição a agredir um abrigado de 51 anos.
A denúncia narra nove episódios de violência ocorridos entre maio e junho deste ano. Em um deles, uma idosa com sofrimento mental é agredida com tapas pela dona do abrigo e impedida de deitar na cama durante o dia. Em outro, um idoso de 80 anos, com Alzheimer, e outro de 85, com Parkinson e Alzheimer, ficavam amarrados na cama durante à noite, sem suporte de cuidadores, até o dia seguinte, com fraldas sujas, sobre roupas de cama molhadas.
A investigação policial apontou ainda que, em outro caso, um interno de 30 anos, dependente químico, enquanto auxiliava o banho de outros abrigados, foi golpeado nas costas com o cabo de um rodo pela dona do asilo. Consta ainda na denúncia, o caso de um idoso com Alzheimer de 74 anos que recebeu tapas no rosto e, após cair, foi golpeado com um andador pela proprietária da instituição.
Um dos casos mais marcantes é o de um idoso de 91 anos, com tumor na área do ouvido e ferimento na orelha. Segundo a denúncia, a dona do abrigo recebeu orientações médicas para cuidar da ferida, mas em vez disso teria deixado ocorrer miíase na lesão, que é presença de larvas de mosca no local. E, para limpar o machucado, a mulher, por conta própria, teria usado água sanitária, cortado parte da orelha do idoso com tesoura e aplicado produto para tratar bicheira em animais.
Além disso, a denúncia narra que a dona da instituição desobedeceu a ordem judicial de 2018 que proibiu um ex-administrador do abrigo de frequentar o local. Em depoimento, uma testemunha teria dito à polícia que o homem - companheiro da proprietária da instituição e denunciado, na época, por maus-tratos - continuava a ir ao local. Na ocasião, a Justiça também proibiu a instituição de acolher pessoas com menos de 60 anos, com sofrimento mental ou com dependência em drogas e álcool.
“A denunciada, em decorrência do desprezo pelas vidas das pessoas que estão acolhidas no local, continua mantendo menores de 60 anos, deficientes mentais e dependentes químicos em um mesmo local, em flagrante desobediência à decisão judicial e à legislação brasileira”, afirmam as promotoras de Justiça Anelisa Cardoso Ribeiro e Luciana Corrêa Crawford, autoras da denúncia.
Abrigo já havia sido interditado a pedido do MP
No ano passado, o Ministério Público havia conseguido na Justiça a interdição total da Sol Nascente. A medida foi solicitada após novas denúncias de maus-tratos e de irregularidades no local. Em 2018, a pedido do MP, a Justiça já havia determinado o afastamento de um dos responsáveis pela instituição, acusado de maus-tratos, e estipulou prazo de 12 meses para a regularização do local.
“A situação é grave e as medidas menos drásticas anteriormente adotadas não surtiram o efeito esperado”, afirma trecho da liminar concedida pela juíza Maria de Lourdes Oliveira para interditar totalmente o local. A decisão menciona que ficou constatada a manutenção das irregularidades e que há “risco concreto de danos graves aos idosos e deficientes internados” na instituição, o que comprometeria ainda mais “a já grave situação a que estão submetidos os internos”.
A Justiça também determinou o afastamento da proprietária e diretora do abrigo, acusada de maus-tratos, e a nomeação de um administrador provisório para a instituição, além de obrigar o município de Taquaraçu de Minas a designar um servidor do seu quadro de pessoal para realizar, em até 120 dias, a desinstitucionalização de todos os internos do local.
“O que se nota é que a instituição vem funcionando como verdadeiro depósito de pessoas com algum tipo de transtorno ou sofrimento mental, contrariando a lei e acarretando sérios prejuízos à saúde dos internos, que permanecem abandonados sem preservação da individualidade, sem plano terapêutico, sem trabalho específico de estabilização do quadro clínico e, muito menos, sem estímulo à autonomia, o que os ajudaria na reinserção ao meio familiar ou, de forma autônoma, na sociedade”, afirmou a promotora de Justiça Anelisa Ribeiro.