O presidente dos Estados Unidos Donald Trump, candidato à reeleição pelo partido Republicano, se declara por Deus, pela vida e pela família, e como todo político, se declara honesto. Sendo honesto, político nenhum se apropria de nada que não lhe pertence.
Mas em Governador Valadares, Trump roubou a cena. Na área central da cidade, na Rua Sete de Setembro, próximo ao GV Shopping, lá está ele, com o braço erguido, convocando os valadarenses entrar na luta para “fazer uma América grande, de novo”.
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A empresa que fez a colagem do cartaz e explora a placa não informa quem pagou pela semana de exposição da peça. Faz parte de um sigilo. A única pista sobre a autoria da peça é a frase: “Sou direita, sou conservador”, aplicada no cartaz.
A empresa que fez a colagem do cartaz e explora a placa não informa quem pagou pela semana de exposição da peça. Faz parte de um sigilo. A única pista sobre a autoria da peça é a frase: “Sou direita, sou conservador”, aplicada no cartaz.
“Ah, isso é coisa do Bolsonaro”, disse Mariana Pereira, uma imigrante valadarense que mora em New York. Ela viu a peça e disse que nos Estados Unidos, outros imigrantes valadarenses viram. “Infelizmente a idolatria de Bolsonaro a Trump acentua ainda mais o complexo de vira-lata que nos persegue há muito tempo. Para uma cidade como Governador Valadares, conhecida por exportar milhares de imigrantes ao longo das últimas décadas, enaltecer a figura do presidente norte-americano é um tanto quanto contraditório”, disse Mariana.
Alguns imigrantes valadarenses que moram nos Estados Unidos, viram e acharam engraçado o outdoor com a propaganda de Trump. Muitos disseram que nem Trump nem seu adversário Joe Biden se importam com eles. Ouvidos pelo Estado de Minas, a maioria não quis se identificar. Mariana Pereira foi exceção. “O outdoor de Trump em Valadares é uma coisa absurda. Seria coerente para os valadarenses e imigrantes valadarenses exaltarem o candidato democrata, Joe Biden, que recentemente disse ser a favor da legalização de milhões de imigrantes indocumentados e ter afirmado que vai fazer uma reforma imigratória oferecendo dignidade aos milhares de imigrantes ilegais, refugiados e asilados políticos na América”.
O empresário Urbano Santos, valadarense que morou durante 30 anos nos Estados Unidos, foi bem sucedido na América e retornou a Governador Valadares para ser candidato a prefeito pelo partido Patriota, discorda de Mariana. Ele gostou do outdoor. “Os democratas dos Estados Unidos são iguaizinhos a esquerda brasileira. Eles querem implantar a todo custo o socialismo na América. E eles usam o discurso de favorecimento ao imigrante para chegar a poder. Eu sou de direita, a favor do capitalismo e da economia aberta, por isso achei muito legal esse outdoor do Trump”, disse.
Coerência histórica
O outdoor de Trump e Pence convocando todos a fazer novamente uma América grande está em um local que remete ao início das relações entre Governador Valadares e os Estados Unidos. A pouco mais de 200 metros de distância da placa que exibe um Trump confiante, está o antigo acampamento dos engenheiros estadunidenses, da Morrison Knüdsen do Brasil, que durante os anos 1940 trabalharam na reconstrução da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), no trecho entre Governador Valadares e Belo Horizonte. Foi nesse período que o dólar tornou-se moeda comum no comércio de Governador Valadares.
Além das obras na EFVM, a presença americana em Governador Valadares também era feita em outras frentes, como a dos americanos que vinham à cidade para comprar mica, um mineral usado na fabricação de componentes eletrônicos para uso doméstico e bélico. Outro ícone estadunidense na cidade era o serviço de saúde e saneamento básico, Serviço Público Especial de Saúde (SESP), resultado de uma cooperação entre os governos dos Estados Unidos e do Brasil.
Quando os trabalhos de reconstrução da EFVM foram concluídos e os engenheiros americanos retornaram aos Estados Unidos, um dos engenheiros, Richard Simpson, resolveu ficar em Governador Valadares. Sua casa ficava em frente a esse outdoor de Trump. Nos anos 1960, Mr. Simpson, como era conhecido, abriu uma escola de idiomas na cidade, associada ao Instituto Cultural Brasil Estados Unidos (ICBEU), junto com sua esposa, a portuguesa Geraldina Simpson. A escola, tempos depois, abriu oportunidades para jovens valadarenses conhecerem os Estados Unidos.
Um desses jovens foi Antônio Rodrigues Coelho Junior, o Toninho Coelho, que foi aos Estados Unidos em 1962. A ida de Toninho e outros jovens abriu caminho para outros valadarenses seguirem por conta própria para os Estados Unidos, trabalhar e ganhar dinheiro. “Foi uma época em que a propaganda dos Estados Unidos era muito forte no mundo todo, porque o mundo estava em meio à guerra fria”, disse Toninho, que foi para a América como estudante, voltou, mas como tudo que ele e seus colegas viram nos Estados Unidos foi contado em minúcias aos valadarenses, a vontade de migrar acendeu a chama do espírito aventureiro nos jovens da época.
Toninho Coelho disse que ainda não viu o outdoor de Trump. “Vou passar lá pra ver”, disse. Mas ele adiantou que, além da localização da placa ser em “território americano do passado”, há outro componente interessante. “Esse outdoor motiva os imigrantes valadarenses, que moram nos Estados Unidos e têm cidadania americana, a votar em Trump. Estou acompanhando as eleições nos Estados Unidos e sei que a Flórida, onde está a maioria dos imigrantes, pode decidir a eleição. O Trump é esperto”, comentou.