Jornal Estado de Minas

NA LINHA DE FOGO

'Até inimigo vira amigo nessa situação', diz brigadista que viralizou na capa do EM

“Aquela hora ali que ‘cê’ me achou, o trem ‘tava’ no limite de quente”, traduziu, em mineirês, já explicando: “Faço aquele gesto (o da foto) sempre que estou exausto, para ficar abaixo da linha da fumaça e, assim, respirar melhor”, esclarece Claudinei Luiz da Silva, de 52 anos, o brigadista que aparece de joelhos, com a cabeça apoiada na mochila sob o solo, em fotografia publicada na capa do Estado de Minas do dia 13 de outubro, que viralizou na internet e nas redes sociais.





Com um cigarro de palha na boca e amarrando as botas, logo após o clique, ele disse que mesmo esgotado “não consegue largar fogo queimando” e que “enquanto der pra ajudar” fica no combate.

A imagem do combatente exaurido, tentando respirar e rodeado pela fumaça e pelo fogo na Lapinha da Serra, a 142 quilômetros da capital mineira, gerou milhares de comentários e compartilhamentos em redes sociais, pautou outros veículos de comunicação e está mobilizando a opinião pública acerca de melhores condições para os combatentes voluntários. 

Fez ainda com que Claudinho, como é chamado por todos, se tornasse um ícone de toda brigada voluntária do país, que, neste ano, enfrenta os maiores incêndios florestais já vistos por aqui. “Eu me sinto ainda como um garoto de 25 anos. A maioria dos brigadistas tem a metade da minha idade. Fiquei lá, junto com a meninada, apesar de me sentir muito mais jovem”, orgulha-se.





No reencontro por telefone com a reportagem do Estado de Minas – que capturou o instante com auxílio do fotômetro da câmera quando estava com sobrancelhas chamuscadas e olhos ardendo pela fumaça –, o brigadista diz estar surpreso por receber tantas mensagens de apoio e admiração de pessoas desconhecidas.

Momento dramático do combate aos incêndios viralizou (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
“Você me pegou num momento quente”, brinca o combatente, que virou imagem principal no capítulo de terça-feira (13) da série Na linha do fogo, iniciada em 10 de outubro, e que mostrou esforços e dificuldades vividos por bombeiros, brigadistas e voluntários no combate a incêndios em Minas Gerais.

Sempre preocupado com a segurança do próximo, Claudinei considera que “combater é uma cachaça, uma adrenalina com uma recompensa que não há dinheiro que pague”. O brigadista conta que sempre se orienta pelos elementos de intensidade, proporção e vento para atacar uma linha de fogo: “Sei o tempo dele, a hora de entrar. Quando as chamas te dão oportunidade de debelar, aí tem que aproveitar”.





Claudinho é de Cordisburgo – terra do escritor Guimarães Rosa –, que também fica na Região Central do estado, e conta com o respeito de toda a brigada. “Conheço esta região toda aqui, de Nova União a Diamantina, sei de todas as trilhas”, diz. Colegas confirmam, referindo-se a ele como “um dos guias mais experientes da Serra do Cipó”, local que escolheu morar em 1991 e de onde nunca mais saiu.

Passados os incêndios nas serras do Cipó e do Espinhaço, Claudinho está de volta às funções de funcionário público na Prefeitura de Santana do Riacho e espera a formalização da brigada municipal, já que o convênio que o mantinha na equipe do Parque Nacional da Serra do Cipó expirou. “Com ou sem papel, irei sempre apagar se tiver fogo pegando. Natureza em primeiro lugar. Sempre vou defendê-la”, avisa.

No combate ao fogo, segundo ele, não há espaço para desavenças. “Até inimigo vira amigo quando estamos nessa situação, pois um depende do outro. Um tem que buscar água, o outro vai buscar a bomba, fica todo mundo junto”, frisa o brigadista. E arremata: “Sozinho eu não faço nada. Somos um time, que tem pessoas que a gente nem conhece, que vêm de outros estados defendendo a terra como se fosse deles”.





LIÇÕES


Perguntado sobre a intensidade dos incêndios deste ano, Claudinho se diz otimista e tira proveito das dificuldades por que passou na guerra contra as labaredas por 10 dias na Serra do Cipó e por mais outros quatro, na Lapinha da Serra, já na Serra do Espinhaço. "Foi ruim ver a serra assim, mas teve um ponto bacana, que foi essa repercussão, que trouxe o momento de refletir a respeito para tentar evitar que isso ocorra de novo”, disse.

O brigadista defende a adoção de técnicas preventivas contra os incêndios. “Devemos pensar um planejamento do Manejo Integrado do Fogo (MIF) para gerir áreas que já são propícias a incêndios. Se a gente maneja esse fogo na hora certa, agindo preventivamente na após as chuvas de janeiro, quando a vegetação ainda está bem úmida, só queima o capim. Agora, botar fogo na época de estiagem, quando a vegetação está seca, há calor e ventania, é muita falta de noção”, explica.
 
Segundo ele, biomassa acumulada virou combustível para as chamas no incêndio da Lapinha. “Tinha áreas ali que não queimavam havia 10 anos”, conta.

QUARENTENA


Depois de dias enfrentando o fogo e a fumaça, Claudinho passa agora por período de quarentena antes de rever a família – alguns dos parentes são do grupo de risco para a COVID-19 –, já que durante o combate, inevitavelmente, esteve em contato com muitas pessoas diferentes, expondo-se a eventual contaminação pelo novo coronavírus.





Em foto enviada para a reportagem, ele mostra orgulhoso a sua gandola (jaleco próprio para combate a incêndios florestais), um artigo de luxo nessa guerra travada por brigadistas, escaladores e agentes de logística, voluntários de todo o Brasil. “Olha nossa roupa, olha o nosso uniforme! Nós que apagamos o fogo em equipe. É o conjunto da coisa que funciona”, resume.

RECURSOS


O resultado de toda a repercussão, para além da viralização da foto, é o avanço dos estudos para a criação de uma brigada municipal em Santana do Riacho, bem como a arrecadação de R$ 23.700, por meio de uma vaquinha virtual, que, de imediato, tiraram aqueles brigadistas da Serra do Espinhaço da estrutura precária com a qual combateram o início do incêndio na região do Bicame, na Lapinha.

“A experiência da Lapinha foi sem igual para todos. Muitos nunca tinham andado em helicópteros e, portanto, visto a própria terra de cima. Tenho certeza de que agora amam muito mais o c
errado onde vivem”, diz, reconhecendo o apoio logístico dos Corpo de Bombeiros. Mas pontua: “Quem apaga o fogo nas linhas, em sua grande maioria, são voluntários, que não recebem nem um real por isso”.