Jornal Estado de Minas

RISCOS E PREJUÍZOS

Fragilizada pela pandemia, população de BH teme mais enchentes

Com a chegada da temporada de chuvas, moradores de áreas com risco de alagamentos em Belo Horizonte correm para erguer muros, levantar paredes e reforçar telhados. Cada um tenta se proteger, como pode, dos efeitos das implacáveis enchentes. Sobretudo após o temporal que arrasou a cidade em janeiro deste ano, causando memoráveis prejuízos e perdas. Comerciantes têm receio de que novas inundações, somadas à crise do coronavírus, sejam fatais para seus negócios. Moradores temem pela segurança, além da saúde, já que os alagamentos aumentam o risco de transmissão de doenças infectocontagiosas e respiratórias, fator de vulnerabilidade para COVID-19. 


Na loja de motocicletas Moto X, na Avenida Vilarinho, em Venda Nova, grande parte das peças vendidas já foi transferida para o segundo andar do estabelecimento. O negócio funciona em trecho da via mais afetado por enchentes, próximo ao entroncamento com a Avenida Dom Pedro I. Segundo o vendedor Álvaro Oliveira, os proprietários pretendem desativar um dos salões vulnerável a enchentes. A instalação de placas de proteção mais robustas contra inundações nas portas também já estaria nos planos.





Álvaro diz que os prejuízos decorrentes das chuvas marcam presença no balanço financeiro há uma década. Neste ano, porém, a preocupação é maior, diante dos problemas que se acumulam desde janeiro. “Primeiro, veio aquela chuva histórica, que deixou a gente, literalmente, debaixo d’água. Em seguida, a pandemia. Se, depois disso tudo, ainda tiver mais alagamento, a situação pode ficar bem complicada”, avalia o funcionário.

Situada na Avenida Tereza Cristina, a concessionária Vemig também passou por intervenções recentes para amenizar alagamentos. O estabelecimento fica na altura do Bairro Betânia, Região Oeste, de frente para o Ribeirão Arrudas, que costuma transbordar. O proprietário, Roney Fernandes, instalou saída de emergência na loja. O empresário afirma ainda que, a partir de dezembro, pretende transferir os automóveis à venda para outro estabelecimento. “Em anos anteriores, elevei a altura da loja em 1,3 metro em relação ao passeio. Mesmo assim, não adiantou muito. Durante a tempestade de janeiro, entrou muita água aqui. Só não tive nenhum veículo estragado porque, no primeiro dia em que choveu, mandei esvaziar os salões”, relata o comerciante.
 
 

Roney explica que o maior prejuízo provocado pelas chuvas do início do ano ao seu negócio foram os chamados lucros cessantes. O termo define as perdas causadas a um empreendimento em decorrência da interrupção de vendas ou de atividades. “No meu caso, a Avenida Tereza Cristina ficou mais de três meses intransitável por causa do temporal, o que impediu a clientela comprar. Certamente, perdi muito dinheiro. As enchentes também prejudicam a imagem da loja. As pessoas sabem que a avenida alaga e costumam ficar com um pé atrás com relação aos meus veículos. Deduzem que eles já foram inundados e, por causa disso, apresentarão problemas no futuro", relata.





Levantamento da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) realizado nas quatro regionais da capital mais atingidas pelos temporais de janeiro (Noroeste, Barreiro, Centro-Sul e Oeste) estima que mais de 2 mil estabelecimentos sofreram perdas e danos semelhantes aos relatados por Roney e Álvaro. Na média, os prejuízos alcançaram R$ 16.405,30 para cada comerciante. O vice-presidente do CDL/BH, Marcos Innecco Corrêa, acredita que novas enchentes podem ser “a última pá de cal” em muitos negócios, já fragilizados pela pandemia. “Inclusive, agora, temos uma questão. Em janeiro, a prefeitura prorrogou alguns impostos, como o IPTU. Pouco depois, com a pandemia, houve nova prorrogação. Esse adiamento está vencendo agora. O empresário, portanto, tem impostos acumulados de quase seis meses. E quase não teve faturamento nesse período todo, pois o comércio ficou meses fechado, reabriu há pouco tempo”, analisa.

Preocupação em vilas

Números da Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel) e da Defesa Civil mostram que, entre os moradores da capital, o cenário também é preocupante. Segundo a Urbel, há, na cidade, 1.100 edificações em vilas e favelas consideradas em situação de risco alto. As residências estão espalhadas por todo o município, com concentração significativa nos aglomerados da Serra e  Santa Lúcia, na Região Centro-Sul, e no Aglomerado Taquaril, Região Leste.

Moradores temem novos temporais, como o que chegou a arrancar vigas sobre o Ribeiro Arrudas em janeiro, quando houve muitos estragos na capital (foto: LEANDRO COURI/EM/D.A. PRESS)

O catador de recicláveis Marisvaldo Aniceto da Silva diz que mora no Aglomerado Santa Lúcia há 50 anos. A casa dele fica em morro íngreme nas adjacências da Avenida Arthur Bernardes, próximo ao Córrego do Bicão, onde há acúmulo de lixo e esgoto. Durante a estação chuvosa, as enchentes derrubam casas e provocam doenças. 





Obras municipais na região estão em andamento, mas ainda não têm previsão de término. “Naquela chuva do começo do ano, dava para andar de barco aqui. Todo ano alaga. Este ano, a gente está com mais medo, não só de perder a casa, como também de pegar doenças”, diz. 

No Taquaril, a ONG Gota Social cobra intervenções preventivas para evitar novas tragédias.  “No início do ano, recebemos mais de 30 ocorrências relacionadas a danos causados pelas chuvas. Basicamente, o que pudemos fazer foi entregar lonas repassadas pela Urbel às famílias”, afirma o presidente da entidade, Cloves Furtado, reclamando ainda da dificuldade de acesso a órgãos e serviços assistenciais durante a pandemia.

Moradores com maior poder aquisitivo fazem intervenções por conta própria. É caso dos 78 condôminos do Edifício Guimarães Rosa, situado na Avenida Prudente de Morais, Bairro Cidade Jardim, próximo à Barragem Santa Lúcia. O prédio foi invadido por enxurrada e lama no início deste ano. O síndico, Armando Zoni, conta que o condomínio corre para amenizar os efeitos de possíveis novas inundações.





Entre as obras em curso, ele cita reforço dos portões e troca de vidros dos basculantes da garagem por materiais mais resistentes. “O passeio da lateral do prédio e os jardins aqui dos arredores, cuja manutenção cabe à prefeitura, nós restauramos com nosso dinheiro. Os gastos totais que tivemos, até o momento, ultrapassam R$ 40 mil. Com medo de novos prejuízos, também já entramos em contato com as seguradoras contratadas pelo edifício, para garantir que, em caso de novos temporais, elas venham a nos ressarcir”, diz o administrador.

Só em 2021

Nos últimos dois anos, a Prefeitura de Belo Horizonte anunciou projetos ambiciosos para a contenção de enchentes na cidade. A grande maioria das obras, no entanto, não será concluída antes do segundo semestre de 2021. 

É o caso das intervenções na Avenida Vilarinho prometidas pelo prefeito Alexandre Kalil (PSD) em 8 de setembro. Um convênio assinado na ocasião pela PBH com a Caixa Econômica Federal, no valor de R$ 200 milhões, prevê a construção de duas bacias de contenção de inundações na via, que acompanha o córrego de mesmo nome, e na Rua Doutor Álvaro Camargos. 





A Secretaria de Obras e Infraestrutura de Belo Horizonte calcula que as estruturas - dois reservatórios de 34 metros de profundidade - vão absorver  50% do volume de água que atinge a localidade durante as chuvas de verão. A licitação deve sair em dezembro, mas os trabalhos não têm data para começar. 

É a terceira vez em dois anos que Kalil anuncia obras contra inundações na região. Pouco mais de um mês antes do temporal de janeiro, o chefe do executivo noticiou a construção  de uma caixa de captação no entroncamento entre as avenidas Vilarinho, Álvaro Camargos e Marçon Ribeiro. Com área de 2,8 mil m² e quatro metros de profundidade, a estrutura, semelhante a uma piscina, terá capacidade para absorver 10 milhões de litros de água. Segundo previsões da própria PBH, no entanto, a empreitada só deve ser concluída antes em 2021, após o período chuvoso.

O primeiro anúncio de obras do prefeito para a região ocorreu em novembro de 2018, quando as tempestades causaram duas tragédias: a morte de uma jovem arrastada pela enxurrada, próximo à galeria da rua Doutor Álvaro Camargos, e o afogamento de mãe e filha dentro do carro, também nos arredores da galeria. O projeto incluía a construção de túneis para dar vazão à água empoçada, mas acabou descartado, pois apresentava erros. 





Questionada pelo Estado de Minas, a PBH mapeou mais seis obras complexas de prevenção a enchentes, centradas nos principais córregos da cidade. Entre todas as propostas elencadas, a única com previsão de conclusão ainda em 2020 é o alargamento do canal do Córrego Ressaca, na avenida Heráclito Mourão de Miranda, Região da Pampulha. A pandemia, por outro lado, não deve atrasar o planejamento traçado até então pelo poder público. 

“A Covid não atrapalhou em nada o andamento das obras que estavam execução, a manutenção da cidade e os empreendimentos planejados. Demos início a obras importantíssimas de prevenção de enchentes como a segunda etapa da Vilarinho, a bacia das Indústrias e Olaria Jatobá no Barreiro. Conseguimos licitar empreendimentos dentro dos protocolos de segurança das autoridades de Saúde”, garante Henrique Castilho, chefe da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).

Principais intervenções em curso em BH

1) Córrego Ressaca (Pampulha)

» Projeto: Obra iniciada em maio inclui a segunda etapa do alargamento do canal do córrego na Avenida Heráclito Mourão de Miranda. O trecho tem aproximadamente 140 metros, entre as ruas Felício dos Santos e Colonita, no Bairro Bandeirantes.




» Custo: Não informado
» Previsão de término: Segundo semestre de 2020.

2) Córregos Olaria e Jatobá (Barreiro)

» Projeto: intervenções começaram em julho e incluem tratamento de fundo de vale dos córregos, com implantação de bacia de detenção de cheias com capacidade de 110 mil metros cúbicos. A obra está concentrada nas ruas Primordial, Belo Perone e Olaria do Barreiro e nas avenidas Senador Levindo Coelho e Waldir Soeiro Emrich.
» Custo: R$ 18 milhões
» Previsão de término: Segundo semestre de 2021.

3) Córregos do Nado, Lareira e Marimbondo (Venda Nova)

» Projeto: Iniciadas há um ano no Córrego do Nado e seus afluentes – os córregos Marimbondo e Lareira – obras compõem o pacote de prevenção de enchentes na Avenida Vilarinho e entorno. A Sudecap faz tratamento de fundo de vale e contenção de cheias dos cursos d’água.
» Custo: R$ 40 milhões
» Previsão de término: Fim de 2021

4) Bacia das Indústrias (Ribeirão Arrudas - Avenida Teresa Cristina)

» Projeto: Iniciada em abril, a intervenção inclui a construção da bacia de detenção no Bairro das Indústrias. A estrutura, com capacidade de armazenamento de 120 milhões de litros de água, dará vazão ao excesso de água durante as chuvas, evitando assim que Ribeirão Arrudas fique sobrecarregado e transborde.




» Custo: R$ 28,9 milhões
» Previsão de término: Não informada

5) Córrego Leitão (Avenida Cristiano Machado)

» Projeto: Primeira fase de execução prevê otimização do sistema de macrodrenagem da bacia do Ribeirão do Onça, na Região Nordeste, para amenizar enchentes na região da Avenida Cristiano Machado.
» Custo: Não informado
» Término: Sem previsão

6) Córrego Mangueira (Novo São Lucas)

» Projeto: Obra contempla implantação de redes coletoras de esgoto ao longo do córrego,m entre o Beco Piano e a Rua Doutor José Severino, no Bairro Novo São Lucas, Leste de BH. Planejamento abrange tratamento das margens do curso d'água, com remoção de 25 imóveis.
» Custo: R$ 3 milhões
» Previsão de término: Não informado

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