Jornal Estado de Minas

No rastro das cinzas

Recuperação de áreas incendiadas depende de ação do poder público e consciência da população



As queimadas, que destruíram a vegetação em tantas regiões do Brasil, inclusive em Minas Gerais, não são as únicas ameaças aos biomas brasileiros. Com a chegada das chuvas antecipadas, neste mês, a previsão é de que haja maior controle de incêndios, ou que eles cessem de vez, o que é uma ótima notícia. No entanto, se não houver intervenção dos governos em favor da recuperação da flora e da fauna nas áreas devastadas pelas chamas, a natureza pode não conseguir se refazer. O alerta é do diretor da organização não governamental Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Montavani. 





Depois do fogo, há o risco de o capim tomar conta das áreas consumidas pelas chamas. O mato dificulta a restauração da cobertura natural onde se instala. “A restauração é importante. Onde queimou, é preciso fazer o preenchimento das áreas. Onde o capim chega fica dificílimo o manejo”, observa.  

O lixo que se acumula em áreas destruídas pelo fogo é outro perigo para a recuperação da vegetação. É o que mostra a reportagem do Estado de Minas, que esteve no mirante da Baleia, no bairro Taquaril, na Região Leste de Belo Horizonte. A sujeira contrasta com a vegetação, que dá sinais de estar se recuperando.  

Além de ter força para ressurgir do solo destruído pelas chamas, a natureza ainda sofre com o vandalismo de quem vai ao local para contemplar a vista da cidade. Um dos mirantes mais bonitos da capital acumula grande quantidade de lixo, que estava escondido em meio à vegetação. 

Não se sabe se por descuido ou mesmo por vandalismo, as pessoas deixam os detritos do seu consumo para trás. O EM flagrou maços de cigarro descartados em meio a galhos recém-queimados. Caixas de sanduíche, copos de plástico e de vidro, embalagens de marmitex, camisinhas, canudos de plástico e latas de óleo são outros vestígios da passagem de quem foi até o local, mas não se preocupou com o descarte do lixo.  

O diretor da Fundação SOS Mata Atlântica, Mário Montavani, explica que a maior parte dos incêndios tem início em propriedades privadas e se alastram para os parques de proteção ambiental, como são o Parque da Serra do Curral e o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. O fogo, na maioria dos casos, de acordo com o especialista, tem origem criminosa. 

Muitas vezes, as chamas começam a partir da ação de proprietários que querem fazer limpeza de área para a implantação de pastagem. “Não há incêndio se não existe alguém acendendo. Na grande maioria das vezes, o fogo é ateado por gente. Não há combustão espontânea”, ressalta.  

Responsabilidade


Montavani lembra que muitas pessoas  colocam fogo em áreas de preservação permanente ou de reservas legais na expectativa de que possam estender as atividades econômicas que desempenham para esses lugares. “Essas áreas não perdem a proteção legal porque foram destruídas pelo fogo. Será uma área de preservação permanente queimada, uma reserva legal queimada”, diz. Ele se refere à ideia de que se destruída a vegetação a área perderia a proteção legal, possibilitando assim a exploração econômica delas .





Na avaliação do especialista, a devastação pelas queimadas demonstra, aos municípios, a importância de estabelecerem planos de prevenção a incêndios, com a criação de brigadas ou a colocação de aceros, áreas sem vegetação que servem de barreiras entre propriedades privadas e a vegetação. Montavani destaca que, se a legislação for cumprida, os proprietários de terra deverão recuperar a vegetação de áreas queimadas. Uma forma de identificar quem cometeu esse crime é possível de ser adotada no momento de fazer o cadastro ambiental rural. Se for constatada a devastação de áreas protegidas, os proprietários precisam apresentar plano de recuperação ambiental. 

"O ideal é nos mantermos atentos"


(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Press - 25/2/19 )


O porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, Pedro Aihara, chama a atenção para a necessidade de contínuo trabalho de prevenção dos incêndios florestais, a despeito da chegada do período chuvoso. A corporação também manterá os esforços de conscientização da população sobre os perigos do fogo.  

A situação, agora, com o período chuvoso, pode ser considerada tranquila em relação às queimadas? 
Tranquilizar não, porque, durante todo o ano, podemos ter ocorrências de incêndio florestal. O ideal é nos mantermos atentos, sempre fazendo os trabalhos de prevenção e conscientização para que a gente possa contar com a colaboração da população nesse sentido. É preciso fazer  o uso do fogo dentro  das possibilidades legais permitidas. Eliminação de resíduo ou limpeza de pastos com fogo são práticas irregulares. Temos, neste momento, a condição favorável para que não ocorra propagação de incêndio numa intensidade tão drástica ou para que ele seja interrompido pelo próprio fluxo pluviométrico. O cenário é bem favorável ao controle desse tipo de situação. O foco do Corpo de Bombeiros, neste período do ano, muda de incêndios florestais e em reservas para ocorrências de período chuvoso, desmoronamento, deslizamentos, movimento de massas, enchentes e inundações. O trabalho continua. A situação relativa a incêndios florestais melhora um pouco. 

Houve antecipação das chuvas? Isso é bom para a vegetação? 
Consideramos que ocorreu  uma antecipação. Em Minas Gerais, o período chuvoso começa no  meio de outubro e se estende até a primeira quinzena de março. A ocorrência de chuva, nesse período, é esperada. No ano passado, tivemos a concentração dos índices pluviométricos em alguns meses, em dezembro e janeiro e um pouco em fevereiro. O que observamos, agora, é que haverá distribuição equânime em relação aos meses ou teremos essa concentração mais típica.  

A recuperação da vegetação já tem sido observada? 
Percebemos alguns sinais, mas são bem incipientes. Afinal, a temporada do fogo acabou de ocorrer. A devastação em todos os locais afetados é bastante visível. Às vezes, o que gera falsa interpretação por parte da população é que, depois da destruição desses biomas, da fauna e da flora, existe no período chuvoso, devido à situação da terra umidificada, crescimento de uma vegetação superficial. Essa vegetação superficial, esse mato que cresce, não substitui o valor das espécies nativas originárias do bioma. Às vezes, a população vê a reserva verde, mas não é verdade. O que ocorre é o aparecimento de vegetação superficial ou de espécies que não são originárias. Elas são parasitárias ou outras espécies de vegetação que não são ligadas àqueles biomas.