Jornal Estado de Minas

PESQUISA INÉDITA

Exclusivo: Minas é o terceiro estado em mortes por COVID-19 no sistema prisional


Os impactos do novo coronavírus vão além da mudança de hábitos imposta aos cidadãos isolados em casa ou nas unidades de saúde e àqueles que têm de sair para trabalhar. Não se restringem, ainda, aos efeitos da pandemia sobre as atividades econômicas em todo o país. Se a chegada da crise na saúde pública representou a restrição do direito de ir e vir, num curioso contrassenso, assumiu sinônimo de liberdade para uma parcela da sociedade que já vivia encarcerada. Entre março e maio último, 32,5 mil presos no Brasil ficaram livres das grades devido às medidas preventivas da Justiça e do estado contra a propagação do vírus.




 
O Estado de Minas ouviu especialistas sobre o tema e mostra os reflexos da COVID-19 no sistema carcerário brasileiro. A série de reportagens, que começa neste sábado (24), buscou respostas para indagações em torno desse fenômeno.
 
Houve impunidade? A gestão dos indicadores da doença respiratória foi feita da maneira correta? Vidas foram preservadas?
 
Parte dessas perguntas começam a ser respondidas pela pesquisa “O Sistema Penitenciário Brasileiro sob a Ameaça da COVID-19”, um raio x das cadeias espalhadas pelos estados brasileiros durante a crise na saúde pública, à qual a reportagem teve acesso com exclusividade.

O estudo inédito foi feito por dois professores mineiros, Ludmila Ribeiro e Alexandre Diniz, vinculados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e à Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), respectivamente. 




 
Minas Gerais ocupa lugar de destaque no levantamento, como terceiro estado com mais mortes provocadas pelo vírus, 10 ao todo; atrás apenas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
 
 
 
Três pilares para a proliferação do novo coronavírus nos presídios foram apresentados pelos pesquisadores: a superlotação, a constante chegada de detentos provisórios e as “péssimas condições de higiene”.
 
O estudo também constatou indícios de subnotificação de casos de contaminação no cárcere, como detalha Ludmila Ribeiro, professora associada ao Centro de Estudos Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG.
 
“Prisões com melhor equipamento de assistência à saúde têm mais casos confirmados, o que era, de certa forma, esperado porque indica que a unidade tem maior capacidade de testagem”, diz a professora.




 
Outro problema apontado por ela é a suspensão das visitas durante a pandemia, fator que pode trazer prejuízos psicológicos e desinformação aos detentos sobre a própria COVID-19.
 
“A suspensão de serviços, como assistência jurídica, e de visitantes externos, a exemplo de familiares, amplamente adotada nos sistemas penitenciários estaduais brasileiros, deve ser substituída por medidas menos deletérias para a vida prisional”, afirma Ludmila Ribeiro.
 
A professora Ludmila Ribeiro, da UFMG, uma das responsáveis pela pesquisa ''O Sistema Penitenciário Brasileiro sob a Ameaça da COVID-19'' (foto: Arquivo pessoal)
 
 
Entre essas ações, a pesquisadora cita a triagem de rotina das pessoas que entram na prisão, a testagem de presidiários que ingressam no sistema, e a obrigação de fornecimento de desinfetantes para as mãos e do uso de máscaras por detentos, agentes penitenciários, funcionários, visitantes e fornecedores.
 
“Em alguns sistemas penitenciários estaduais, nem mesmo a assepsia diária das celas dos presídios tem sido adotada”, alerta.
 
Outro erro de gestão comuns no sistema prisional apontados pelo estudo é a admissão de detentos que cometeram “crimes sem violência”. Tal política pública, para Ludmila Ribeiro, “poderia liberar a pressão sobre a crescente população penitenciária”, além de coibir a proliferação do novo coronavírus.




 

Sentinela

 
Em Minas Gerais, onde o estudo registra 10 mortes e 327 casos confirmados de COVID-19, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) implementou unidades sentinela para o recebimento de novos detentos. O objetivo era impedir que eles levassem a virose para dentro dos cárceres.
 
A política estadual é citada pelo estudo de Ludmila Ribeiro e Alexandre Diniz como uma necessidade durante a pandemia.
 
Porém, sete estados brasileiros ignoram a medida em seus planos de contingência. Na mesma toada, outras administrações estaduais não conseguiram implementá-la por falta de vagas.
 
Nesse sentido, a decisão da Justiça de liberar detentos com fator de risco e no regime semiaberto para a prisão domiciliar é vista por Ludmila como a medida mais eficaz para a contenção da COVID-19 nos presídios.




 
Tal fator não é diretamente analisado pela pesquisa, mas é defendido por ela. “Todos os outros estudos indicam que essa foi a única medida efetiva para evitar a transmissão do coronavírus dentro do sistema prisional e, especialmente, as mortes pela COVID-19”, diz.
 

Balanço

 
Com base no levantamento feito pelos pesquisadores da UFMG e da PUC, houve 23.054 casos de contaminação confirmados e 108 mortes no sistema prisional brasileiro. O estado que registrou mais óbitos e diagnósticos foi São Paulo, epicentro da doença no Brasil, com 5.799 casos e 25 vidas perdidas entre os detentos.
 
 
 
Quanto à taxa de incidência de casos por grupo de mil presos, a pesquisa aponta para a liderança do Piauí: 111,44. Na sequência, aparecem Mato Grosso (108,24) e o Distrito Federal (108,16).




 
 
 
Os menores índices foram observados no Paraná (1,62), Sergipe (2,24) e Minas Gerais (4,38). Minas computou, no entanto, a terceira maior quantidade de mortos. Em média, o Brasil registra 30,85 diagnósticos por mil detentos.
 
A pesquisa também levantou a taxa de mortalidade por grupo de 10 mil presos nos estados. No triste ranking desse indicador, a liderança, com larga vantagem, pertence a Roraima: 216,92.
 
 
 
Em seguida, dois outros estados da Região Norte aparecem. Roraima tem taxa de 36,36 e o Acre, de 35,65. Minas registra 13,38 mortos por 10 mil presos.
 
Por outro lado, seis unidades da federação não computam mortes entre a população carcerária. São elas Alagoas, Bahia, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul e Tocantins.
 
A mediana brasileira é de 14,45 vidas perdidas por 10 mil pessoas presas.




 

Levantamento oficial 

 
Apesar de o estudo considerar o registro de 10 óbitos entre os presos mineiros, oficialmente, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) computa sete mortes entre os detentos sob sua custódia.
 
Três delas ocorreram na Grande BH, das quais uma na capital mineira, uma em Ribeirão das Neves e outra em São Joaquim de Bicas.
 
Também houve registro de vidas perdidas em Divinópolis (Centro-Oeste), Juiz de Fora (Zona da Mata), Uberlândia (Triângulo) e Sete Lagoas (região Central).

audima