Jornal Estado de Minas

COVID-19

Cidade mineira diz que controla mortes da COVID-19 com kit de medicamentos; infectologista questiona

A Prefeitura de Janaúba, de 72,01 mil habitantes, no Norte de Minas, adotou uma combinação de medicamentos usados no tratamento dos sintomas iniciais da COVID-19, distribuídos gratuitamente. A municipalidade diz que os remédios são distribuídos de acordo com protocolo do Ministério da Saúde e anuncia que, com o uso do 'kit', conseguiu controlar o coronavírus e frear as mortes provocadas pela doença na cidade.





Mas o coquetel de medicamentos, no qual estão incluídos a hidroxicloroquina e a ivermectina, provoca polêmica. Enquanto o prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), comemora que, com a adoção do 'kit' a prefeitura conseguiu 'estancar' as mortes provocadas pela COVID-19, o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), Estêvão Urbano, afirma que não há evidências científicas da eficácia das drogas no combate à enfermidade. Desta forma, ele disse a entidade não recomenda o uso das drogas no tratamento do coronavírus.

“Não recomendamos, a não ser como protocolo de pesquisa e com termo de consentimento assinado pelo paciente”, afirmou Urbano.

De acordo com uma médica da Secretaria Municipal de Saúde de Janaúba, os pacientes com sintomas gripais, como febre, tosse, coriza, cefaleia, mialgia e diarreia são encaminhados em um serviço de enfrentamento da COVID-19, instalado em Unidade Básica de Saúde (UBS) da cidade.

“Nesse local, os pacientes são triados pelo enfermeiro, notificados para síndrome gripal e passam por avaliação médica. Pacientes com história sugestiva de sintomas gripais são guiados pelo protocolo do Ministério da Saúde de tratamento da COVID-19 na atenção básica", informou a profissional.



"Na unidade, temos as medicações indicadas pelo protocolo do Ministério da Saúde: hidroxicloroquina, azitromicina, sulfato de zinco, dexametasona ou prednisona e sintomáticos, como paracetamol, dipirona, metoclopramida, soro fisiológico nasal. Dispomos também de tamiflu e amoxicilina com clavulanato para casos necessários. A vitamina D e a ivermectina são analisadas pelo médico para a indicação da prescrição e na dosagem apropriada", explicou.

"As medicações são prescritas para pacientes que têm sintomas gripais, salvo contraindicações, depois a realização de um ECG (ecocardiograma) na própria unidade para acompanhamento de intervalo cardíaco QT (medida da frequência dos batimentos do coração)", revelou a médica de Janaúba, lembrando que a prescrição dos medicamentos para o tratamento dos sintomas na COVID-19 é feita com o consentimento dos pacientes.

O prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes, comemora os resultados do 'kit' de medicamentos, e diz que o município conseguiu controlar o avanço da doença e interromper os óbitos.

Ele faz uma comparação entre a situação de Janaúba e o cenário de Montes Claros (413 mil habitantes), cidade-polo do Norte de Minas. "Em 24 de julho, Janaúba tinha 12 mortes (causadas por coronavírus) e Montes Claros tinha aproximadamente 20 (óbitos decorrentes da Covid-19). Janaúba, hoje, tem 16 mortos (devido à COVID-19) e Montes Claros, salvo maior juízo, passa de 160 mortes (provocas pela doença)”, afirma Isailson.



"Isso foi (devido às) ações que nós fizemos, incluindo a abertura de uma UBS exclusiva para o tratamento (da COVID-19), direcionando todos os pacientes que chegam lá e saem com um kit de medicamentos. Isso estancou a doença e os números estão aí", ressalta o chefe do executivo municipal.

"Aqui, nós abrimos a UBS exclusiva (para o tratamento da doença). Adotamos o protocolo, os medicamentos.... Azitromicina, hidroxicloroquina, zinco e outros. Acabou! Recuperamos (os pacientes). Não se fala praticamente (mais) em COVID (-19) aqui em Janaúba", comenta Isaildon Mendes.

Ele argumenta ainda que as mortes de pacientes com o coronavírus registrados no município, depois de 24 de julho 'foram de pessoas idosas e de outras com comorbidades'.

Reportagem do Estado de Minas publicada em 22 de junho, registra que, na ocasião, Janaúba havia se tornado a cidade do Norte de Minas com maior incidência da COVID-19 em termos proporcionais. O boletim da Secretaria de Saúde do Município daquela data apontava que o município já registrava 184 casos, então apenas quatro registros a menos do que os 188 pacientes registrados em Montes Claros, cidade-polo da região, cuja população é quase cincos vezes maior Janaúba.



Na ocasião, Janaúba somava três óbitos causados pelo coronavírus, enquanto em Montes Claros já havia a confirmação de três mortes decorrentes da doença respiratória.

De acordo com o ultimo boletim da Secretaria de Estado de Saúde, de quinta-feira (29), Janaúba tem confirmadas 16 mortes e 1.118 casos de COVID-19. Já Montes Claros tem 170 óbitos confirmados e 10.791 casos de coronavírus, diz o boletim da SES.

Sem comprovação científica


O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), Estêvão Urbano, reforça que a entidade não recomenda o uso dos medicamentos do 'kit' de Janaúba nos pacientes contaminados com a COVID-19, já que não existe comprovação científica da eficiência de tais drogas no tratamento do coronavírus, entre eles a hidroxicloroquina.



"A questão é a seguinte: tudo é empírico. Não tem nenhuma medicação que tenha se provado em qualquer estudo ser efetivo (o medicamento para o tratamento da COVID-19), a não ser a cloroquina em alguns estudos muito mal feitos - , que teve alguma vantagem na fase inicial. Por este fato, de ter alguma abertura na ciência, ela poderia ser usada sob estrito controle médico e idealmente sob protocolo de pesquisa, com termo de consentimento assinado pelo paciente, exatamente para haver as garantias de que ele assuma eventuais efeitos colaterais", diz o Estêvão.

"Medicações como ivermectina e nitazoxanida não têm qualquer evidência. As outras, como antibióticos - do tipo amoxicilina, clavulanato e azitromicina, e algumas vitaminas, ou mineirais, como zinco, elas podem ser usadas sem qualquer ação sob a COVID-19. Mas, às vezes porque não sabe se o indivíduo também tem uma gripe, tem uma infecção bacteriana associada. É mais pra isso, para tratar junto com a COVID-19, uma sinusite, uma amigdalite bacteriana e outras”, comenta o presidente da SMI.

"Mesmo assim, (isso) geralmente se dá no chute mesmo, pensando que (o medicamento usado) age sob a COVID–19 e (ele) não tem nenhuma ação dessas drogas sobre a doença. A gente tolera, porque são drogas seguras e, eventualmente, a COVID vem acompanhada de alguma outra infecção bacteriana associada", completou.



Por outro lado, mesmo ponderando sobre a 'falta de evidência científica' dos medicamentos no tratamento à COVID-19, o médico salienta que a entidade não contraria a prescrição das drogas aos médicos na fase inicial da doença, mediante consentimento dos pacientes. Lembrou que a decisão compete ao profissional, 'por conta própria e risco'.

Ele disse que só faz restrições à prescrição de corticoide, já que oferece muitos riscos aos pacientes. "O corticoide é absolutamente arriscado, perigosíssimo na primeira fase (da doença), e pode piorar o prognóstico. A pessoa pode ter uma carga viral maior e adoecer de forma muito mais grave", alerta o infectologista.

"Então, tirando o corticoide, desde que contando com o consentimento do paciente, lá no interior, se o médico quer, ele tem essa autorização do Conselho Federal de Medicina. Mas que dê por conta própria e risco. Agora, a Sociedade (Mineira de Infectologia) nunca vai recomendar nada que saia da ciência", disse Estêvâo Urbano.



Rigor científico


O presidente da Sociedade Mineira de Infectologia lembrou ainda que, mesmo diante de um quadro de redução de mortalidade, sem comprovação científica, não se pode afirmar que foi exclusivamente por causa do uso de determinado medicamento que houve a diminuição dos óbitos.

"Falar que foi a cloroquina ou a ivermectina que diminuiu a mortalidade (sem provação científica), isso é ir contra os preceitos da ciência, que tem que agir com rigor científico para prova alguma coisa. Como a grande maioria das pessoas, tomando ou não cloroquina, tomando ou não ivermectina, vão evoluir bem, como você pode provar que foi a droga (usada) que tirou o paciente (do quadro da doença)? ", observa.

Ele complementou: "Conheço e estou tratando de vários pacientes que usaram a cloroquina e se internaram de forma grave. Ou seja: não adiantou nada. E teve uma grande maioria que não usou e evoluiu bem."



Nesse sentido, ressaltou que só se pode comprovar a eficácia dos medicamentos por meio de estudo científico. "Tem que pegar duas outras três mil pessoas que usaram (os medicamentos) e comparar com outras duas ou três mil pessoas que não usaram. Aí vamos saber se houve resultado efetivo do grupo que usou", salienta.

O médico ainda afirmou que as entidades médicas não são contra o uso nenhum medicamento que venha ser eficaz no tratamento da COVID-19, desde que exista comprovação científica. "Se amanhã, um estudo mostra a efetividade da cloroquina, da ivermectina, seja lá o que for, mas com boas razões, com ciência adequada, (o estudo), vai ser aplaudido no mundo por tudo que queremos é isso", declarou.

"Nós queremos drogas (para o tratamento do coronavírus) para amanhã, para hoje, para ontem, se possível. E assim, se essas drogas aparecerem, nós aplaudiremos e recomendaremos para todo mundo, porque (assim) acaba a pandemia e todo mundo fica livre desse inferno, que é essa mortandade e essa loucura toda que está acontecendo. Então, não tem nada  (da nossa parte) contra qualquer tipo de droga”, assegura Estêvão Urbano.

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