As ações simples do dia, como tomar café, preparar comida e brincar com os netos exigem esforço e sofrimento do aposentado José das Graças Caetano, de 67 anos. Quem o vê, não desconfia. É um homem forte e de bravura: salvou mais de uma dezena de pessoas com seu carro, removendo-as do vilarejo de Bento Rodrigues, em Mariana, enquanto as casas eram tragadas pelo rompimento da Barragem do Fundão, em 2015.
Leia Mais
Rompimento de barragem em Mariana completa cinco anos de pesadelosMariana: MPF recorre de decisão que estabeleceu indenização de só R$ 10 mil para atingidosSobreviventes de novo: a mais nova tragédia dos atingidos de MarianaMariana, 5 anos depois: a luta de quem lida com os impactos sem reparaçãoMariana, 5 anos: Mulheres sofrem piores consequências da tragédiaAtivista pede a arcebispo Dom Walmor que reze por mulheres assassinadasPreso em Betim homem que tentou matar a mulher a facadas em um ponto de ônibusRotina alterada nos cemitérios do Sul de Minas e na Região Metropolitana de BHNo Dia de Finados, uma homenagem aos que partiram sem despedidasUm alto consumo de medicamentos para depressão, ansiedade e insônia, que em Mariana aumentaram após o rompimento em mais de 160%, segundo a prefeitura, são sequelas psicológicas de atingidos pelo desastre da Barragem do Fundão, como Zezinho Café. Males que não apenas trazem sofrimento psíquico. De acordo com a psicóloga da equipe de saúde mental do município, Maíra Almeida Carvalho, isso se reflete em declínio físico.
“Vemos casos traumáticos de alto potencial que chegam com desespero, choro, medo, insônia, pensamentos repetitivos sobre o desastre. Muitos procuram o álcool e as drogas. Isso traz conflitos e desagregação da família. Por fim, esse somatório tem resultado claramente em hipertensão, diabetes e doenças cardíacas”, conta.
“Vemos casos traumáticos de alto potencial que chegam com desespero, choro, medo, insônia, pensamentos repetitivos sobre o desastre. Muitos procuram o álcool e as drogas. Isso traz conflitos e desagregação da família. Por fim, esse somatório tem resultado claramente em hipertensão, diabetes e doenças cardíacas”, conta.
A degradação da saúde dos atingidos pelo maior desastre socioambiental do Brasil é também um fator que pouco foi reparado depois de cinco anos da catástrofe, segundo o Ministério Público Federal (MPF). São mazelas comuns às vítimas da Barragem do Fundão e que se refletem em violações diretas ou por analogia aos direitos humanos, como mostra desde domingo (31/10) a reportagem do Estado de Minas.
Baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e na observação de assessorias técnicas – entre elas a Caritas, da Igreja Católica – que auxiliam essas vítimas, os danos continuados à saúde transgridem o direito de todo ser humano à vida, à liberdade, à segurança pessoal e social.
Baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e na observação de assessorias técnicas – entre elas a Caritas, da Igreja Católica – que auxiliam essas vítimas, os danos continuados à saúde transgridem o direito de todo ser humano à vida, à liberdade, à segurança pessoal e social.
Uso de psicotrópicos subiu no rastro da lama
Também deveria ser assegurado um padrão de sobrevivência capaz de sustentar o bem-estar em caso de doença, invalidez e velhice por aqueles que causaram o desastre, segundo tais preceitos. De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) encomendado pelo MPF, o uso de psicotrópicos aumentou não apenas em Mariana, mas chegou a uma alta de 15% nos 39 municípios atingidos entre Minas e o Espírito Santo.
O registro de doenças respiratórias agudas se elevou em 75%, muitas delas relacionadas a fatores de baixa imunidade segundo apontamentos médicos. “Particularmente importante é o aumento de incidência dos transtornos mentais, violência doméstica, acidentes por animais peçonhentos, uso de psicotrópicos e incidência de transtornos mentais. Na análise da série histórica, é mais significativo o aumento entre atingidos a partir do fim de 2017 de suicídios, bronquites, pneumonia, dermatites, abortos, febre amarela e malária”, aponta o relatório da FGV.
O registro de doenças respiratórias agudas se elevou em 75%, muitas delas relacionadas a fatores de baixa imunidade segundo apontamentos médicos. “Particularmente importante é o aumento de incidência dos transtornos mentais, violência doméstica, acidentes por animais peçonhentos, uso de psicotrópicos e incidência de transtornos mentais. Na análise da série histórica, é mais significativo o aumento entre atingidos a partir do fim de 2017 de suicídios, bronquites, pneumonia, dermatites, abortos, febre amarela e malária”, aponta o relatório da FGV.
A Fundação Renova, criada em 2016 por um termo de ajustamento de conduta entre o poder público e as mineradoras responsáveis pelo rompimento (Samarco, Vale e BHP Billiton), tem programas de apoio à saúde, mas, segundo a consultoria Ramboll, também contratada pelo MPF, ainda aquém de prestar o auxílio necessário.
De acordo com a empresa independente, no programa de apoio e fortalecimento das redes de saúde dos estados e municípios atingidos, por meio da elaboração de planos de ação em saúde, até o momento, apenas Mariana e Barra Longa contam com aporte de profissionais de saúde cedidos pela Fundação Renova. “Em Mariana, busca-se a ampliação do número de profissionais e dos insumos necessários para as ações. Em Barra Longa, o plano de ação do município aprovado em dezembro de 2018 nem sequer foi implementado”, afirma a empresa.
Fotos e vídeos sobre o rompimento da Barragem do Fundão
Pandemia agravou drama dos atingidos
Com a pandemia do novo coronavírus, a fragilidade dos atingidos foi ainda mais exposta, na avaliação do procurador da República em Minas Eduardo Henrique de Almeida Aguiar. “A pandemia ampliou os danos de saúde sobre os atingidos, sobretudo, de saúde mental. Temos um dado fático de aumento de casos potencializados pelo desastre. A demora nas medidas de reparação ainda agrava diariamente esse quadro”, critica.Para o procurador da República no Espírito Santo, Paulo Henrique Camargos Trazzi, a Fundação Renova tem tido atuação “pobre e insuficiente”, aumentando a demanda do poder público nesses tratamentos. “Um pescador ou um atingido já fragilizado, que está em casa e não pode sair para a sua atividade, mas tem o famoso cartão emergencial, traz para sua casa o álcool, as drogas e a violência doméstica”, observa.
Aumento de doença entre vítimas
O meio ambiente também está ligado à saúde e à proteção da integridade dos atingidos, que é defendida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. “Há estudos que indicam relação do dano ambiental do rompimento com a alteração da quantidade de metais pesados nocivos à saúde no Rio Doce. Há aumento dos casos de câncer. Crianças que desmaiam nas escolas, gente com problemas digestivos e de pele. Esses metais não são eliminados pelo organismo e, ao longo dos anos, vão acumular em quantidade nociva, que acaba no corpo humano ao consumir peixes e água. Por isso, as ações de reparação do meio ambiente são urgentes e se refletem na saúde da população”, alerta o procurador da república no Espírito Santo, Paulo Henrique Camargos Trazzi.
As avaliações da consultoria Ramboll mostram que as ações da Renova para reparação do meio ambiente estão entre as mais atrasadas ou não implementadas. Até o momento, dos 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos que vazaram da barragem, apenas 1.161.591 (2,6%) foram removidos do leito dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Dos 17 trechos dos cursos d’água soterrados por resíduos de atividade mineradora, apenas cinco têm plano de destinação dos rejeitos aprovados pelo Comitê Interfederativo, que gerencia o termo de ajustamento para a reparação com a Fundação Renova.
Contudo, o parecer é ainda mais dramático: “Os planos de manejo de rejeitos que foram aprovados não estão sendo implementados, pois ainda demandam processos de licenciamento ambiental. As atividades de manejo de rejeitos realizadas até o momento se referem às atividades emergenciais, tais como a retirada dos rejeitos da sede de Barra Longa”, afirma a Ramboll. Um dos locais de manejo de rejeitos mais controversos é o reservatório da barragem de Candonga, no Rio Doce, que recebeu e segurou cerca de 26% dos 44 milhões de metros cúbicos de material vazado de Fundão.
O plano aprovado era de “remoção mecanizada de rejeitos situados no interior dos rios (dragagem) com posterior disposição em áreas preparadas para esta finalidade ou reutilização como material na construção civil”. A Renova chegou a comprar a fazenda Floresta, propriedade ao lado do lago para fazer a deposição, mas desde 2018 a obra está parada.
A fundação argumenta que os rejeitos devem ser deixados no lago. O MPF quer que sejam removidos. “A Usina Hidrelétrica de Risoleta Neves, em Candonga, está parada há cinco anos e, enquanto isso, o sistema elétrico recebe compensação de outras unidades. O consumidor é onerado pelo mecanismo compensatório do setor elétrico nacional e até o momento já se calcula em R$ 416 milhões os gastos compensatórios pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)”, afirma o procurador Paulo Henrique Camargos Trazzi.
Atrasos frequentes até 2024
A Fundação Renova apresentou como resposta aos questionamentos de seus programas o relatório mensal de atividades. Pelo documento, neste ano já houve entrega da reforma do Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil de Mariana. Dois termos aditivos para permanência de equipes suplementares em Mariana e Barra Longa, bem como assinatura de acordo judicial para plano de reparação e saúde. Ao todo, são 44 médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras de Mariana (28) e Barra Longa (16). Segundo o relatório, contudo, a ação se encontra atrasada desde 2019 e assim deve se manter até 2024. A média mensal de conclusão deste ano é de 8,2 pontos percentuais abaixo do previsto.
Já os programas de destinação de rejeitos, segundo relatório da fundação, estão atrasados desde 2019, sendo que neste ano a média de defasagem na conclusão de metas foi de nove pontos percentuais ao mês abaixo da meta projetada pela própria Renova. Foi um ano de elaboração de estudos e apresentação de planos que ainda precisam ser aprovados pelo Comitê Interfederativo com poucos avanços na área prática. A recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APP) também estão com 2,6 pontos percentuais de defasagem na realização mensal de metas em média segundo as expectativas da própria empresa.