“Não tem como não chamar de Vera Verão”. “Gravata de florzinha e meia de bichinho… epa!”. O alvo dos comentários é Bruno Oliveira, de 40 anos, ex-consultor de vendas empresariais da Unimed-BH. Segundo o profissional, os textos foram escritos por gestores e colegas de trabalho e circulavam em grupos de WhatsApp da empresa, acompanhados de montagens de fotos e vídeos.
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Um desses episódios foi registrado em vídeo. Nas imagens, anexadas ao processo judicial, um locutor contratado para conduzir o lançamento de uma campanha interna da Unimed-BH ironiza o fato de que Bruno havia visitado a trabalho um presídio em Ribeirão das Neves, na Grande BH, para fechar a venda de planos de saúde para os funcionários da empresa particular que administra a unidade prisional.
“Teria ele gostado da revista da entrada, o Bruno? Ele não seria aquele cara que faz a propaganda da C&A, o Sebastian? A Vera Verão?”, provoca o locutor na gravação, diante da plateia com dezenas de pessoas. A piada, segundo o ex-empregado, é uma referência à revista que o presídio exige dos visitantes, por questões de segurança.
“Nesse dia do vídeo, eu fiquei bem decepcionado. Porque eu fui lá para fechar uma venda com uma empresa com 500 funcionários. E consegui. Enquanto isso, acontecia aquilo dentro da esfera organizacional. Para piorar, toda a cena em que me ofendem foi filmada e compartilhada via WhatsApp e distribuída aleatoriamente em grupos de conversa”, desabafa o profissional.
Ainda de acordo com o ex-empregado, a humilhação se estendeu pelos corredores da sede da operadora de saúde.
“Até fechar a venda, eu ia a esse presídio cerca de uma vez por semana. Ouvia constantemente que gostava de ir lá para passar pela revista com os agentes penitenciários. Depois que a venda foi concluída, passei a escutar que estava chateado por não ter mais que ir à penitenciária, já que, a partir daquele momento, o cliente seria encaminhado para a equipe de relacionamento. Virei chacota a um ponto em que já não podia mais usar uma meia ou vestimenta diferente, que as pessoas tiravam fotos e ficavam compartilhando e debochando”, recorda Bruno.
O ex-consultor diz que fez vários alertas à chefia e aos colegas de trabalho de que as piadas tinham tom preconceituoso e o ofendiam, mas teria sido ignorado.
“Toda vez que eu falava com a gestão, eu era ironizado. Me diziam: ‘Ah, não precisa disso’. Nada foi feito, ninguém foi penalizado, embora essas atitudes estivessem em desacordo com as diretrizes do código de conduta da empresa. Na minha entrevista de desligamento, expus a situação à assistente de RH e disse que pretendia acionar a Justiça. Para a minha surpresa, ela disse para eu pensar bem, pois isso poderia me fechar portas no mercado”, diz o ex-empregado.
Bruno conta que chegou a hesitar em levar o caso à Justiça e às autoridades policiais, pois temia que isso prejudicasse sua vida profissional. "Acontece que, agora, tenho um filho de três meses. Não quero que ele passe por isso", refletiu.
Resposta da Unimed-BH
Procurada pelo Estado de Minas, a Unimed-BH afirmou, por meio de nota, que repudia qualquer atitude ou ação que demonstre preconceito de raça ou gênero dentro da Cooperativa e tem entre seus valores a ética e o respeito nas relações com todos os públicos”. A operadora destacou ainda que “não comenta assuntos que transcorrem em Justiça".
A reportagem também tentou contato com os ex-colegas de Bruno Oliveira citados na queixa de injúria racial registrada junto à Polícia Civil, sem sucesso.