*Matéria atualizada às 19h52
O cabelo black power é sinônimo de identidade e afirmação para pessoas negras. No entanto, no documento que atesta a individualidade, a identidade do cidadão brasileiro, esse traço da operadora de linha de montagem da PCMA Sara Policarpo, de 25 anos, foi removido.
Sara foi providenciar a segunda via do documento de identidade no UAI em Divinópolis. Por coincidência, o fato ocorreu em 20 de novembro. Na data, celebra-se o Dia da Consciência Negra, em outras palavras é momento de reafirmar os traços das pessoas negras, a história de luta por direitos e apresentar novas reivindicações. Mas foi, nessa ocasião,que ela passou por constrangimento que a fez chorar.
Em um post publicado em seu perfil no Instagram, ela relata que, quando foi renovar a carteira de identidade num fotógrafo disse que não seria possível ela aparecer na foto com o cabelo black. Ela teria que baixar o volume. Ela relatou a história em um post no perfil do Instagram, gerando muita indignação das pessoas com a situação de constrangimento pelo que ela teve de passar.
"Eu fui tirar a foto e tive que desfazer meu afro puf pois não poderia sair na foto o meu cabelo, mas como tenho muito cabelo eles removeram com photoshop. Fiquei sem cabelo na foto pois só assim aceitam", escreveu.
No relato, ela informou que não foi a única a passar por esse constrangimento. Sara relatou que uma criança que foi com a mãe fazer o documento teve que passar pelo mesmo constrangimento.
O procedimento de apagar uma característica negra, o cabelo crespo com volume, é apontado como uma forma de racismo.
A reportagem entrevistou Sara, que vive com o marido e a filha em Itaúna, mas teve que ir ao UAI de Divinópolis fazer a renovação do documento, pois o serviço não é oferecido em sua cidade.
E aproveitaria a ocasião para também fazer o documento para a filha. Ao ser atendida, foi informada que a foto não estava no tamanho padrão que era necessário fazer outra. Teve o horário remarcado e foi até o fotógrafo que fica em frente à unidade. Quando chegou lá, ela encontrou uma mulher negra que reclamava de ter que esconder o cabelo black da filha. A mãe contou que fez um coque, mas ainda assim o fotógrafo não quis fazer a imagem e que ela teve que amarrar o cabelo da menina embaixo. Sara pensou que teria que fazer o mesmo com cabelo da filha, que tem o cabelo cacheado, mas, para sua surpresa, o procedimento foi bem diferente do adotado com a menina de cabelo crespo.
Quando chegou a vez de Sara fazer a foto teve início o constrangimento. “Sequer tinha sentado para tirar a foto e ele começou oferecendo o banheiro, para eu poder abaixar o cabelo, porque não poderia aparecer na foto. Ele disse que se não ia ter que cortar. Falei não existe isso. Você pode tirar a foto com meu cabelo aparecendo”, disse.
O fotógrafo retrucou e disse que não poderia aparecer cabelo nenhum. “Mesmo indignada fui ao banheiro e baixei o cabelo. Comecei a chorar dentro do banheiro. Voltei, mas eu precisava do documento. Quando estava descendo a escada, ele falou que eu desse jeito, porque o cabelo não ia poder aparecer. Senão, ele teria que cortar o cabelo. Você também vai ter que esconder o seu”, relembra.
Sara disse que até pensou que o problema fosse pelo fato de o seu rosto não estar aparecendo, mas que ele colocou o cabelo para trás e, ainda assim, o fotógrafo seguiu dizendo que não poderia ser daquela forma. “Se a questão era aparecer rosto, orelha, estava tudo visível. Eu estava com cabelo preso. Não tinha necessidade de ele tirar, cortar meu cabelo”, conta ela sobre a alteração feita na foto no photoshop. Ele mostrou a ela a imagem no computador totalmente alterada. “Ele tinha recortado todo o meu cabelo. Fiquei sem cabelo nenhum na foto. Ficou só meu rosto.”
CABELO FOI APAGADO NO PHOTOSHOP
O fotógrafo iniciou o programa de edição de imagens, o photoshop, e recortou todo o cabelo dela. Segundo ela, a justificativa do fotógrafo é que havia uma orientação do UAI. “O povo do UAI não vai aceitar, e você vai ficar indo e voltando. Não posso ficar perdendo meu tempo e você gastando dinheiro para ficar arrumando foto para você”, disse.
Ao ver que a imagem dela havia sido completamente alterado com o cabelo apagado, ela disse que levaria a foto apenas da filha. Sara viu no computador fotos de outras mulheres negras e todas estavam com o cabelo escondido. O tratamento com uma mulher branca foi diferente. Ela teve apenas que colocar o cabelo para trás para fazer a foto. “Se ela só joga o cabelo dela para trás, por que o nosso não pode?”, questionou. Ela saiu e começou a chorar na calçada e recebeu o apoio do marido que estava com ela.
“Por que ele estava tão convencido que eles não iriam aceitar. Pensei que isso estava acontecendo não era de hoje. Por que UAI não quer aceitar a foto nossa com o cabelo. E a gente ter que precisar passar por esse transtorno todo. Não é a primeira vez que acontece. Tem alguma coisa de errado aí. Não ia falar isso a toa.”
A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), responsável pela emissão do documento, informou que a Delegacia Regional, em Divinópolis, investigará a suposta conduta irregular do fotógrafo. A instituição disse, também, que o profissional não possui qualquer vínculo com a PCMG e que ele atua em um comércio.
"A Polícia Civil reforça que não coaduna com qualquer conduta de racismo", disse, em nota.
A instituição também informou que recebeu, na UAI de Divinópolis, as solicitações de confecção de documento de identidade das denunciantes, mas as fotografias estavam em desacordo com as recomendações da portaria. A Polícia Civil destacou, no entanto, que o cabelo ou penteado não interferem na confecção do documento e que precisam seguir "padrões técnicos mínimos para a fotografia a ser utilizada no processo de carteiras de identidade civil no estado".