Jornal Estado de Minas

COVID-19

Minas tem 47 pesquisadores em ranking mundial de cientistas mais influentes



Nesses tempos de corrida em busca de respostas para combater a COVID-19, Minas Gerais aparece para o mundo como referência de parte dos gigantes da ciência envolvidos em pesquisa e desenvolvimento. Na linha de frente de trabalhos voltados desde o início do ano para a solução e a compreensão da pandemia, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) concentra alguns dos pesquisadores mais influentes e, assim, mais importantes do planeta. É o que mostra ranking mundial de cientistas, conduzido por uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.





O ranking, publicado pelo jornal científico Plos Biology na semana passada, lista os 100 mil cientistas com as carreiras mais influentes do mundo. Do Brasil, 600 foram incluídos. Em Minas, há 47 integrantes desse grupo, sendo 60% deles da UFMG. Quando analisados apenas aqueles considerados os mais influentes de 2019, o número de pesquisadores na maior universidade mineira sobe de 28 para 39. Desse universo, pelo menos nove estão envolvidos com trabalhos ou pesquisas relacionadas à COVID-19.

''É preocupante o fato de nosso governo não estar preparado para absorver esse conhecimento'' - Geraldo Wilson Fernandes, professor de Ecologia da UFMG e membro da Academia Brasileira de Ciências (foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

O que faz esses cientistas ser tão influentes? A explicação estaria numa carreira bem-sucedida, na qual o que conta não é apenas o resultado do trabalho, mas o quanto ele foi citado por outras pessoas em estudos e artigos científicos publicados nos meios especializados, fazendo do autor uma referência na área ou assunto. A influência de um pesquisador no mundo científico tem gravita nesse termômetro – e também fora dele.

Entre os nomes ligados à COVID-19, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), uma das principais fontes de patentes da UFMG, estão os professores Mauro Martins Teixeira, que coordena os testes da vacina CoronaVac na universidade; Robson Souza Santos; e Geraldo Wilson Fernandes. Professor titular de Ecologia e membro-titular da Academia Brasileira de Ciências, Fernandes é coautor de estudo internacional que mostra o caminho do vírus no Brasil e que previu as consequências da doença sem o fechamento de acessos aeroportuários.





Fernandes publicou o primeiro artigo, sua monografia, em 1985. “Ele é usado até hoje”, conta. Ao longo da carreira, escreveu cerca de 500 artigos, além de 70 capítulos de livros e oito livros (sete publicados no exterior e um no Brasil), sendo responsável pela formação de mais de 100 alunos de mestrado e doutorado. O próximo trabalho relacionado à COVID-19 tem parceria de quatro membros da Academia Brasileira de Ciências tratando do desenvolvimento de novo antiviral para combater o coronavírus. Para isso, está em andamento acordo com o governo de Minas e uma empresa chinesa.

''Estar num ranking não abre financiamento de forma automática. Tem que trabalhar muito'' - Deborah Carvalho Malta, médica e pesquisadora da Escola de Enfermagem da UFMG (foto: Rosânia Felipe/Divulgação)

“Estamos na ponta descobrindo coisas, mas é muito preocupante o fato de nosso governo não estar em momento algum preparado para absorver esse conhecimento e transformá-lo em produto para nosso país. São 600 pessoas descobrindo um monte de coisas bacanas, mas que ficam inacabadas. E é muito importante transformar isso em produtos para o bem-estar do país, para gerar uma nova cadeia de produção e empregos, se não vamos continuar da mesma forma, como na época colonial, só mandando para fora produtos manufaturados”, ressalta. “Nós cientistas somos incapazes de fazer essa outra parte: patente é complicadíssimo. Apesar dos esforços nas universidades, é insuficiente, lento e caro. E o que o país mais precisa é sair desse papel de produtor de matéria-prima.”

Mudanças


Na Faculdade de Medicina, estão na seleta lista os professores Francisco Cardoso e Antonio Luiz Ribeiro. Ainda na área da saúde, foram incluídas Tarcília Aparecida Silva, da Escola de Odontologia; e Deborah Carvalho Malta, da Escola de Enfermagem. Tarcília tem pesquisas com ênfase em doenças e, nesse contexto, desenvolve projeto em andamento com pacientes em tratamento com a COVID-19. Seu colega de projeto, Ricardo Santiago Gomez, também está na lista.





Deborah Carvalho é uma das coordenadoras do projeto ConVid – Pesquisa de comportamento, que verificou como o isolamento social afetou ou mudou a vida da população brasileira. O trabalho é feito em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

O projeto teve como desdobramento a Convid Adolescentes, que está mapeando os efeitos entre esse segmento da população. Outra pesquisa, financiada pela Fundação Bloomberg e com parceria da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, vai estudar as desigualdades da COVID em BH durante a pandemia. Serão avaliados número de óbitos, internações e contaminações e feita análise segundo índice de vulnerabilidade social para entender a distribuição da doença na capital. A expectativa é de que Os resultados sirvam de base para a Prefeitura identificar áreas prioritárias de vacinação.

Qualidade


Deborah Carvalho tem um percurso distinto. É médica, com trajetória muito ligada à gestão da saúde pública. Além da universidade, a sanitarista e epidemiologista já trabalhou na Prefeitura de BH e permaneceu por 12 anos no Ministério da Saúde, em cargo relacionado à vigilância de doenças crônicas não transmissíveis, tendo sido responsável pelos grandes inquéritos nacionais, entre eles, o Sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Vigitel). A pós-doutora e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) integra a lista na perspectiva dos cientistas mais citados em 2019.





Mauro Martins Teixeira, pesquisador do ICB da UFMG, coordena os testes da CoronaVac (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 31/7/20)

A experiência em Brasília permitiu que ela ampliasse parcerias na área acadêmica com organismos internacionais, a exemplo das organizações Mundial de Saúde (OMS) e Pan-Americana de Saúde (Opas). Mas, a professora diz que nada é tão fácil, nem mesmo para os mais influentes do mundo. “Não é pelo número de citações que necessariamente um projeto será escolhido num edital para captação de recursos. Tem que ter qualidade. As revisões técnicas são independentes, sem identificação do autor e isso obriga manter a qualidade nas análises de pesquisas o tempo todo”, afirma.

“O que pode mudar é que, à medida que aumenta o interesse por pesquisas naquela área e também conhecimentos em outras universidades e organismos internacionais, é possível fazer boas parcerias de trabalho para buscar objetos interessantes, avançar na ciência e fazer trocas. Estar num ranking não abre portas de financiamento automaticamente. Tem que trabalhar muito.”

Também incluído no ranking, o professor Ronald Dickman é o representante do Instituto de Ciências Exatas (Icex) e desenvolve trabalhos envolvendo física estatística e termodinâmica. No início deste ano, se uniu a outros 14 docentes-pesquisadores da UFMG e da Universidade Federal de Viçosa (UFV), na Zona da Mata Mineira, para criar a força-tarefa de modelagem da COVID-19, que produziu o relatório Projeções da evolução da COVID-19 em Belo Horizonte. O trabalho considera diferentes cenários de eficácia das medidas de isolamento social. Assinou, em maio de 2020, abaixo-assinado conjunto de professores da UFMG a favor da manutenção das medidas de quarentena e distanciamento social.





Falta de recursos prejudica o Brasil


O conjunto expressivo de pesquisadores (e o destaque deles) da maior universidade de Minas Gerais e uma das mais importantes do país pode ter outros desdobramentos e, desta vez, para a instituição como um todo. Isso porque entre os critérios usados pelos rankings internacionais para medir a qualidade e a importância de uma instituição de ensino superior, a exemplo do Times High Education e do QS, está a reputação.

“Eles nos mandam um questionário e um conjunto composto por nomes que eles definem e outros que nós podemos enviar. Mandam para pessoas e devolvem. Nas respostas, há o valor que vai ajudar a computar esse indicador”, explica o pró-reitor de Pesquisa da UFMG, Mário Fernando Montenegro Campos. “Quando a universidade começa a aparecer na mídia e a se destacar dessa maneira, começa a ser mais percebida. E a percepção da qualidade dada por esse índice pode aumentar”, completa.

De acordo com Montenegro, existe ainda uma questão preocupante relacionada à falta de recursos para a pesquisa no Brasil. O destaque, agora, no ranking, é como uma felicidade que fica na corda bamba. Se os números correm de forma favorável para o Brasil como um todo desta vez, o mesmo poderá não se repetir nas próximas edições do estudo. “O país está sem investimento em pesquisa desde 2014 e veremos o impacto disso daqui um tempo. Se a universidade perder pesquisadores no ranking qual será a causa? Com certeza não será a falta de profissionais, que estão nos laboratórios para trabalhar. Temos pesquisas muito antigas, que se pararem, significam o fim do trabalho de uma vida toda.”





No banco de dados do estudo que originou o ranking, o Scopus, estão 34.457 itens bibliográficos relativos aos pesquisadores da Federal de Minas e 23.834 autores. Isso significa, na razão matemática usada como base, índice de 1,15 – acima da média (que é 1). Há ainda 405.638 citações relativas aos profissionais da UFMG – média de 11,8 citações por trabalho.

Até onde irá essa influência ainda não é possível medir, mas a expectativa é colher frutos. “Quanto mais a instituição é reconhecida, maior a probabilidade de atores e agentes da sociedade tomarem consciência disso também, o que aumenta a possibilidade de sermos procurados ou a confiabilidade para realizarmos pesquisas”, diz o pró-reitor. Do ponto de vista governamental, de acordo com Mário Montenegro, a importância da universidade tem papel fundamental na validação de concessão de recursos.

Contudo, o que é bom para um lado, peca por outro. “Muitos pesquisadores que têm trabalho excepcional e de destaque não apareceram no ranking mundial. Ele não traz visão adequada da instituição como um todo. É o caso da área de ciências sociais aplicadas, na qual está a Faculdade de Ciência Econômicas (Face), com pesquisas muito relevantes, principalmente relacionadas à COVID-19. Pesquisadores da Faculdade de Letras também não são capturados por esses bancos, não apenas na UFMG, mas em outras instituições. Por esse lado não é tão justo. Mas ninguém pode negar que o banco (de dados do ranking) é objetivo e a medida que trás é correta.”  (JO)
 

Quem são eles

Pesquisadores da UFMG mais influentes, de acordo com o ranking da Universidade de Stanford

ICEX  
Jussara M. Almeida




Virgilio Almeida
Anderson Dias
Ronald Dickman
Elena V. Gusevskaya
Ado Jorio
Gilberto Medeiros-Ribeiro
Fernando M. Q. Pereira
Marcos A. Pimenta

ICB
Heloisa Beraldo
Egler Chiari
Paula Cabral Eterovick
Geraldo Wilson Fernandes
Frédéric Frézard
Sérgio Danilo Pena
Ary T. Oliveira-Filho
Robson A. Souza Santos
Mauro Martins Teixeira

FACULDADE DE MEDICINA 
Francisco Cardoso
Teresa Cristina de Abreu Ferrari
José Roberto Lambertucci
Andy Petroianu
Antonio Luiz P. Ribeiro

ESCOLA DE ENGENHARIA 
Virgina Ciminelli
Roberto B. Figueiredo
Herman Sander Mansur
Antonio Eduardo Clark Peres
Silverio Visacro

ESCOLA DE VETERINÁRIA 
Renato de Lima Santos

FACULDADE DE EDUCAÇÃO (FaE) 
Brian V. Street 

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