Dezembro ainda não começou e muitos artesãos já estão trabalhando com devoção para manter vivas as tradições bem mineiras do período natalino, entre elas a montagem dos presépios que ocupam lugar de destaque em casas da capital e do interior. Senhora de um ofício desconhecido por muita gente, especialmente das novas gerações, a aposentada Nice Diniz Lima da Silva, a Nicinha, de 71 anos, está a postos para fazer os “panos de presépio” que, moldados pelas famílias, vão se transformar nas montanhas de Belém, onde o Menino Jesus nasceu.
Leia Mais
Presépio na Basílica Nossa Senhora da Piedade é convite à reflexão Construtores de Belém: os mineiros que se desdobram no ofício de honrar a tradição dos presépios Concurso de Presépios em Ouro Preto distribui R$ 2,7 mil em prêmios
Enquanto prepara mais uma peça e se mostra satisfeita com tantas encomendas, Nicinha explica que aprendeu a técnica totalmente artesanal com a mãe, Zilda Torres Lima, que morreu aos 86 anos em 2003. “Ela aprendeu com minhas tias e sempre gostou de fazer presépios, desde o tempo em que morávamos na fazenda, em Andrequicé, onde nasci, um lugarejo aqui em Santa Luzia. Já minha avó não gostava de jeito nenhum”, revela com um jeito bem mineiro.
Lembrando que na infância tinha verdadeira fascinação pelos presépios da fazenda do pai, José Diniz, Nicinha foi surpreendida, aos 4 anos, ao ganhar um de presente. “Meu pai foi vender as mercadorias, frutas e verduras no Mercado Central, e voltou com o presépio para mim. Fiquei muito feliz. Sobraram poucas figuras, foi se desgastando, pois era frágil.”
Sem cortar
O processo para fazer os panos de presépio exige paciência e concentração. Antes de tudo, Nicinha coloca sobre brasas as garrafas – de preferência casco verde de cerveja e refrigerantes, que recebe em doação de amigos. Após retirá-las do fogo, a artesã dá “um choque” com água fria, o que faz o vidro trincar. A próxima etapa é quebrar bem e fazer dos caquinhos a matéria-prima da sua arte. “Agindo assim, o vidro fica sem pontas e não corta a mão da pessoa que monta o presépio”, avisa.
Com o pano de saco alvejado estendido sobre a mesa, Nicinha passa uma grossa camada de grude com a tinta na cor desejada: “Pode ser vermelha, marrom, verde, azul ou até mesmo branca. Outro dia, uma pessoa pediu todo branco, mas não gosto muito, deixa o presépio triste. Cada um tem um gosto. Já um casal, que monta o presépio há anos, encomendou vários panos vermelhos.” Uma orientação importante é que o saco precisa ser alvejado, senão o grude não pega.
Com a base pronta, está na hora de salpicar os caquinhos de vidro, os maiores primeiro, depois os menores, e as pedras. “Antes, eu catava as pedrinhas no quintal, mas hoje encontro na floricultura, o que facilita demais.” Serviço terminado, agora é torcer para o sol brilhar.
Interesse Viúva e sem filhos, Nicinha lamenta que poucas pessoas se interessem, hoje, em aprender o ofício que a acompanha há mais de seis décadas. “Também faço amêndoas para coroação de Nossa Senhora, algo que aprendi quando criança, mas vejo que pouca gente tem vontade de aprender como se faz”, acrescenta.
Mas, mãos à obra, pois Nicinha está preocupada, neste mês, com as encomendas. “Mais adiante é que vou fazer meu presépio. As pessoas não deixaram de lado a tradição com a pandemia do novo coronavírus, os presépios continuam presentes nas casas”, revela. Com tantos anos de experiência, a artesã, que é muito católica e ajuda no Santuário Arquidiocesano Santa Luzia, na sua cidade, tem uma certeza: as famílias não fazem presépios para receber visitas, mas para celebrar o nascimento de Jesus.
Circuito para visitação
Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, há forte tradição de presépios e um circuito especial para visitação às casas no período natalino. No total, são 42 residências cadastradas pela Secretaria Municipal de Cultura que abrem as portas para receber gente de todo canto. Desta vez, devido à pandemia do novo coronavírus, a tradição será mantida, mas a prefeitura local ainda estuda os protocolos sanitários a serem adotados, porque 50% das pessoas responsáveis pelos presépios têm mais de 60 anos, estando, portanto, no grupo de risco. Informações com Marco Aurélio Fonseca, pelo telefone (31) 3641-4791.