Uma forte aceleração no tráfego de veículos em Belo Horizonte como reflexo de cada vez menos adesão a ações de afastamento comunitário amplia a preocupação neste momento em que a capital, a Grande BH e a Região Central de Minas experimentaram ampliações de índices de contaminação pelo novo coronavírus (Sars-coV-2). De olho nos indicadores da doença, o prefeito da capital mineira, Alexandre Kalil (PSD), se reuniu na tarde de ontem com o Comitê de Enfrentamento à Epidemia da COVID-19 para discutir o aumento de casos nas últimas semanas.
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COVID-19 em BH: ocupação de leitos sofre novo aumento, mas taxa de transmissão tem quedaKalil se reúne com comitê da COVID-19 em BH e convoca coletiva para esta quarta Coronavírus: Minas se aproxima dos 400 mil casosBlack Friday e Natal flexibilizam horários do comércio em UberlândiaBH e região metropolitana podem ter chuva nesta quarta-feiraTermômetro do volume de veículos na região, indicadores do aplicativo de trânsito Waze detectaram que novembro já é o mês com maior movimento desde o início da pandemia, superando em 14,4% o volume de congestionamentos de outubro e em 5,3% o computado em agosto, mês de reabertura, em que o consumo explodiu, mas depois se acomodou. De acordo com os números do aplicativo, nos 18 primeiros dias de novembro, a média de congestionamentos se elevou em Belo Horizonte a 85% do volume de veículos retidos em março, antes da pandemia. O mês que tinha registrado maior intensidade foi agosto, com 81%, caindo em setembro para 73,84% e em outubro para 74,26%.
Na semana passada, foram recebidas com muita preocupação as notícias de que o ritmo de transmissão (Rt) do coronavírus na capital havia atingido 1,13, ou seja, cada grupo de 100 pessoas infectadas estava levando a doença a outras 113. O limite de risco moderado é um Rt de 1. Ontem, o índice estava em 1,08, mas, apesar do recuo, continuava acima do limite de risco considerado moderado, que vai até 1.
A ocupação hospitalar também aumentou em cerca de 10 pontos percentuais, saltando de níveis em torno dos 30% da capacidade para quase 40% dos leitos de enfermarias e UTIs em uma semana. Isso tudo tem assustado, sobretudo por se somar aos relatos de intensivistas apontando a ampliação de ocupação de UTIs e de pacientes em ventilação mecânica na região.
Ao todo, a capital mineira tem 53.115 diagnósticos positivos para a doença, incluindo 1.622 pacientes que morreram em decorrência da enfermidade. No boletim de ontem, o que mais chamou a atenção foi o aumento na ocupação de leitos. De acordo com o informe, 40,4% das vagas de terapia intensiva estavam ocupadas, enquanto a mesma taxa era de 38,1% em unidades de enfermaria. Na sexta, os números estavam em 37% e 34,2%. Na terça-feira da semana passada, os índices estavam em 33,5% e 30,7%, respectivamente. Apesar do aumento, os dois parâmetros permanecem na fase controlada, abaixo dos 50%. A prefeitura considera no índice a rede SUS e a suplementar.
Comportamento
“Ocorreu uma mudança do perfil epidemiológico (na Região Central e Grande BH). Vimos uma mudança de comportamento na sociedade e essa modificação pode impactar também na mudança do perfil comportamental da epidemia”, observa o secretário de estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, referindo-se à baixa da guarda em relação às medidas protetivas, como o afastamento. “Nesse momento, (as regiões) ainda estão na onda verde (do programa Minas Consciente, que é o estágio menos restritivo). Mas é fundamental que todos se cuidem, usem máscaras, álcool em gel e façam distanciamento. Primeiro (para prefeituras e secretarias que precisarem recuar e restringir mais as atividades) orientamos o retorno do Minas Consciente”, disse Amaral. “De forma geral, não temos sinalização de explosão de casos, mas de necessidade de tomar cuidado”, resume.
Um dos reflexos desse comportamento de menos afastamento é visto no trânsito. Segundo os dados do Waze, em BH, com 49% de um movimento normal antes da pandemia, apenas a segunda-feira registra média de congestionamento menor do que agosto (58,6%), setembro (49,5%) e outubro (50,75%). Nos demais dias da semana, o montante de carros, motos e caminhões retidos nas vias superou os volumes observados para os mesmos períodos em todos os outros meses desde o início da pandemia. Aos domingos, o índice é de 136,3%, o que significa que o volume de tráfego ultrapassou o do período pré-pandêmico– antes de 16 de março – em 36,3 pontos percentuais.
Integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 de Belo Horizonte, o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estevão Urbano, alerta que a pandemia ainda não foi controlada e que exageros podem até fazer com que a situação fuja de limites aceitáveis. “O relaxamento nas medidas sanitárias, saídas exageradas, uso de máscara de forma inadequada e as aglomerações, principalmente por jovens em bares e festas. Isso tudo é por causa das flexibilizações, dos feriados e da falsa sensação de segurança que muitas pessoas têm hoje, exatamente pelo fato de os números terem baixado”, avalia. A BHTrans informa que os números do trânsito estão entre as informações gerais e os critérios avaliados pelo Comitê de Enfrentamento à COVID-19 de BH.
O secretário Carlos Eduardo Amaral destacou ações que foram implementadas nessa fase da epidemia. “Há uma orientação clara para toda a rede de saúde para rastreamento de contato próximo com pessoas com sintomas, acompanhar quem teve contato e instruir. Todos os casos leves de síndrome gripal estão sendo testados, em regiões e locais em surto fazemos os testes, em gestantes e pacientes de UTI também”, cita.
Aceleração no dia das eleições
As eleições e o compromisso com o voto fizeram do 15 de novembro o dia mais movimentado desde o início da pandemia, com um registro de congestionamentos de 78% acima do regular do mês de março em dias pré-pandêmicos, ou seja, dos volumes computados até o dia 16 daquele mês. Os dois dias com maior movimento eram 14 de junho, primeiro domingo após o segundo anúncio de flexibilização das atividades, com 55% além do movimento normal pré-pandêmico, e 21 de junho, com 20,7% a mais. Já o domingo seguinte, 28, com o anúncio de retrocesso das estatísticas críticas de casos, doentes, mortos e falta de leitos, o movimento enfraqueceu e ficou em 74,7% do verificado antes da pandemia.
A paciência dos belo-horizontinos com o afastamento social parece mesmo se esvair aos fins de semana, quando o movimento recebe um incremento expressivo. Os sábados, que com a pandemia em março tinham 28% do movimento regular, bateram a média de 94% em novembro. O domingo é o dia em que menos se respeita o isolamento social. Em março, após o afastamento, a concentração média de carros caiu para 42% do normal. Já em abril, escalou para 45,25%, saltou para 58,4% em maio e em junho já representa apenas 89%, subindo em novembro para 94% do que seria um dia comum, ou seja, praticamente retornando a patamares antes da COVID-19.
A série de monitoramento dos veículos pelo aplicativo Waze se iniciou no dia 16 de março, data em que o primeiro caso de COVID-19 foi confirmado em BH. As aulas foram suspensas no dia 18 e o movimento de veículos caiu drasticamente, despencando 69,85% na sexta-feira, 20 de março, quando o decreto de situação de calamidade pública estadual (Decreto 47.891/20) foi publicado. O mês de abril registrou as menores concentrações de veículos.
O dia menos movimentado em março, no início do isolamento, era a sexta-feira, com 22% da intensidade de engarrafamentos pré-pandemia. Em abril, a média das terças-feiras conseguiu atingir a menor concentração de todos os dias da semana, com 15,5% do usual. Já o dia de menor movimento foi 10 de abril, uma sexta-feira, com 9,91% do movimento normal da cidade, um dia depois de começar a vigorar o decreto municipal que suspendeu o alvará de funcionamento de estabelecimentos considerados não essenciais, como boates, casas de festas e eventos, feiras, exposições e estabelecimentos voltados para o lazer. (MP)