As cenas de guerra, com quadrilhas fortemente armadas subjugando cidades do interior para roubar bancos fez com que a segurança pública em Minas Gerais se reforçasse por 15 anos, obrigando os criminosos a procurar outros estados. Essa é a leitura que a Polícia Militar faz após os ataques sequenciais dos criminosos do “novo cangaço”, em Criciúma (PR), na madrugada de terça-feira (1º/12), e em Cametá (PA), nesta quarta-feira (2/12). Segundo a PM, esse tipo de crime caiu cerca de 48,1% em MG, entre 2019 e este ano.
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Polícia perto de desbaratar quadrilha que age na explosão de caixas eletrônicos em MinasEM acompanha 'volante' que combate quadrilhas de explosão de caixas no interior de MGPolícia prende suspeito de invasão e venda de terrenos públicos em BHPolícia apreende meia tonelada de maconha na BR-262Policial militar age rápido e salva recém-nascido de sufocamentoVale lembrar que no ano mais crítico de registros, 2017, foram 191 ataques no Estado. Neste ano, até o fim de outubro, foram apenas 14. Desde 2005, quando ocorreram no noroeste do estado os primeiros registros de ataques dos bandos fortemente armados, com explosivos, técnicas de bloqueio de vias e contenção das forças policiais, que os embates se intensificaram e várias medidas foram tomadas.
“A Polícia Militar de Minas Gerais tem hoje um know-how no combate às quadrilhas do novo cangaço. Foram muitos anos de experiência combatendo esses crimes, que nos valeram entender como funcionam, pegar o fio da meada", afirma o porta-voz da PM, major Flávio Santiago..
"Passamos a antecipar as ações, desbaratar muitas quadrilhas e dar uma resposta muito dura, com a morte de vários desses criminosos ao longo do tempo. É claro que a criminalidade vai se adaptando, mas Minas se tornou um estado que não é mais atraente para o novo cangaço”, aponta o porta-voz da PM.
De acordo com o oficial, atualmente em todo o estado há patrulhamento e unidades capazes de respostas com armamento de igual potência. “Em 25 minutos, somos capazes de desembarcar uma aeronave com grupos especializados no enfrentamento desses tipo de quadrilha em qualquer município mineiro. Temos veículos blindados em algumas regiões capazes de se fazer frente ao armamento mais pesado dos criminosos, aguentando até disparos de metralhadoras .50 (armamento capaz de perfurar blindagens comuns e até derrubar aeronaves)”, disse o major.
Em junho de 2019, a reportagem do Estado de Minas acompanhou uma dessas unidades de enfrentamento de quadrilhas do novo cangaço em Minas Gerais, os Grupos Táticos Rodoviários, que têm emprego estratégico em vários pontos do estado e capacidade de deslocamento rápido para possíveis alvos de roubos.
O combate realizado em Minas Gerais nos últimos anos tem chamado a atenção de outros estados, interessados em fazer intercâmbio e aprender com a experiência mineira. “Temos tido muita troca de experiência com outros estados, sobretudo os que fazem divisa com Minas Gerais,como Goiás, Espirito Santo e Rio de Janeiro”, afirma Santiago.
Entenda
Em Criciúma, cerca de 40 criminosos trajando coletes balísticos e fortemente armados, com granadas, fuzis e submetralhadoras chegaram à cidade da Região Sul em 12 carros. Em duas horas, eles trocaram tiros com policiais de um batalhão, feriram duas pessoas, entre elas um militar, incendiaram dois caminhões, explodiram caixas de um banco e fugiram deixando para trás 200 quilos de explosivos e R$ 800 mil. Não se sabe aquantia levada.
Um dia depois foi a vez de Cametá, cidade no Norte do Brasil, que fica a 250 quilômetros da capital, Belém, onde cinco agências bancárias foram roubadas e uma pessoa morreu em meio ao tiroteio dos criminosos e policiais. Os bandidos fugiram de barco pelo Rio Tocantins.
O reforço de meios no interior, aliado ao trabalho de inteligência para antecipar as ações ciminosas são destacados como vantagens adquiridas pelas forças de segurança de Minas Gerais nesses 15 anos de enfrentamento às quadrilhas do novo cangaço, na avaliação do especialista em inteligência de estado e segurança pública, coronel Carlos Júnior.
"Podemos destacar o reforço de armamento para as pequenas frações da polícia no interior. Receberam fuzis (calibres 762 e 556), pistola .40 e muita munição química (granadas de gás e explosivas para reter fuga debandidos e veículos)”, destaca o coronel. “Outra medida importante foi a desconcentração do patrulhamento aéreo. O deslocamento das tropas especializadas pode ocorrer rapidamente para qualquer região,podendo viajar até de noite com os recursos de visão noturna e de navegação.
Mudança de perfil
O especialista em segurança pública, coronel Carlos Júnior, ressalta que os alvos do “novo cangaço” mudaram de cidades pequenas e isoladas para cidades médias, como Uberaba, a última em Minas Gerais a ser sitiada, em 23 de junho de 2019, quando cerca de 30 homens roubaram um banco e balearam três, sendo que uma pessoa morreu.”Ocorreu essa migração para as cidades médias e essa é uma dinâmica importante de ser observada. As quadrilhas evoluíram e passaram a usar atecnologia de guerra do cangaço nos centros urbanos.
A flexibilização com a passagem dos picos da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) também trouxeram de volta as ações das quadrilhas. “Os criminosos estão ávidos por fazer caixa. Estavam sem material humano para suas ações. Como havia poucas pessoas circulando nas ruas, isso prejudicou os disfarces dos integrantes que vão antes do bando observar as rotinas e o terreno e são fundamentais para o sucesso dos ataques aos bancos, ações de sítio e fuga”, afirma o coronel.
Para se combater com efetividade o novo cangaço é necessário que várias ações sejam feitas em todo Brasil e não apenas em Minas Gerais, aponta o especialista em segurança pública. “É preciso que o armamento não chegue para os criminosos, principalmente das fronteiras como a do paraguai. O armamento é caro, até 10 vezes mais do que o da polícia por ser ilegal. Tem de haver monitoramento eletrônico e de inteligência. Monitoramento das contas bancárias usadas na lavagem de dinheiro das quadrilhas. Há indícios que nos mostram que os ataques estão para ocorrer, como, por exemplo, o roubo de veículos de grande potência como caminhonetes possantes que essas quadrilhas usam. Sem tudo isso não se segura esse tipo de criminosos”, aponta Júnior.