Jornal Estado de Minas

RECONHECIMENTO

Bióloga mineira premiada pela ONU: 'Foi difícil provar minha capacidade'

Criada entre patos, coelhos e galinhas no sítio de sua família em Bom Despacho, Região Centro-Oeste de Minas Gerais, a bióloga Cristiane Azevedo, de 38, diz que a convivência com os bichos aguçou seu interesse pelo meio-ambiente, mas a maior influência veio da TV.



Ela era fã do Capitão Planeta, protagonista do desenho animado homônimo exibido nos anos 1990. Fruto da “união dos poderes” da coletividade, ele se dedicava a resolver os problemas ecológicos mundiais.

A bandeira do herói noventista definiria a carreira de Cristiane. Na manhã desta sexta-feira (11), ela recebeu o  Prêmio Ação Global pelas Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), na categoria Women for Results, pela idealização do Projeto Bioplanet, que transforma óleo de cozinha usado em biodiesel.

Iniciada em 2017, a empreitada viabilizou o recolhimento de 68 mil litros de óleo, evitando o descarte inadequado do produto e consequente poluição de um bilhão e 300 milhões de litros de água.

A iniciativa é desenvolvida por meio da empresa Arroxim Negócios Sustentáveis e do Instituto Bioplanet de Energia para o Mundo, ambos fundados pela bióloga e outras duas sócias. O trabalho salva diversos biomas da destruição.

Cristiane explica que o óleo, uma vez descartado no ralo da pia, cai nos esgotos e vai parar nos rios e lagos. Menos densa que água, a substância permanece na superfície dos cursos d’água, impedindo a entrada de luz e oxigênio. O resultado é a morte de várias espécies aquáticas.  



A ação gera ainda uma cadeia de benefícios diretos e indiretos a cerca de 50 mil habitantes da Grande BH. A coleta do resíduo é feita por alunos de 35 escolas da rede pública da capital e de Contagem, no entorno de suas casas.

Eles competem em uma espécie de gincana, na qual as turmas que recolhem o maior volume do produto ganham prêmios. O líquido é, posteriormente, vendido a usinas de biodiesel de São Paulo. O dinheiro auferido retorna às escolas, que o empregam em reformas e compra de insumos.

Reconhecimento

A coleta do óleo de cozinha usado envolve alunos de escolas da rede pública da Grande BH (foto: Arquivo pessoal)
“Senti uma felicidade imensa com o reconhecimento da ONU. É uma validação, um sinal de que estamos no caminho certo e de que é possível sonhar com mudanças. Vivemos num país em que se descartam 1,5 bilhão de litros de óleo todos os anos. Cada litro tem potencial para poluir outros 12 mil de água. A poluição tem um alcance imenso, mas nós também temos. É possível encontrar o equilíbrio sustentável entre as pessoas e o planeta, buscando formas de geração e distribuição de renda no combate à pobreza”, comenta Cristiane.



Ao anunciar o projeto Bioplanet como vencedor do prêmio, ao lado de 26 iniciativas de sustentabilidade espalhadas pelo mundo, a ONU destacou ainda o impacto das ações entre as mulheres.

“O alcance do programa entre o público feminino  é significativo, dada a presença delas em toda a cadeia de produção do biodiesel”, diz o texto de apresentação do concurso. Indiretamente, a mineira estima que a empreitada atinja mais de 30 mil mulheres, entre mães de alunas, professoras, funcionárias das escolas e donas de casa.

Cada litro de óleo de cozinha descartado incorretamente pode contaminar até 12 mil litros de água. (foto: Arquivo pessoal)
“Isso é muito significativo especialmente dentro do campo da energia, que ainda é muito masculino e onde ainda prevalece a ideia de que as mulheres não são capazes de transformar a realidade”, afirma a pesquisadora. Pós-graduada na Holanda e na África do Sul, ela conta que sentiu isso na pele. “Em muitos momentos, senti desconfiança da minha capacidade por ser uma mulher que começou muito jovem a querer encontrar soluções energéticas limpas. Com meu trabalho, consegui convencer as pessoas de que sou capaz”.



A inovação mais recente da empreendedora ambiental é o aplicativo Arroxim, já disponível para Android. Por meio dele, a população de BH, Contagem e Betim pode solicitar a coleta de óleo de cozinha usado na porta de casa.

“BH, por exemplo, tem pouquíssimos pontos de coleta. Os que existem são mantidos por supermercados. E não adianta as pessoas acondicionarem o produto em garrafas pet e jogarem no lixo porque as embalagens depois são prensadas. O óleo escorre no solo, penetra nele e assim contamina lençóis freáticos. O aplicativo é, então, mais um passo que queremos dar rumo a construção de cidades mais limpas, sustentáveis e com alto potencial energético”, finaliza.

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