A discussão sobre a redução de mensalidade nas instituições particulares, um dos temas que roubaram a cena no quesito escolas nesta pandemia, promete não chegar ao fim quando o ano acabar e também virar 2021. Pelo menos assim sinalizam as reações de pais diante dos contratos enviados para renovação de matrículas. Aquela assinatura antes quase automática, desta vez, só depois de leitura minuciosa e com questionamentos e hesitações.
Isso porque os colégios aprenderam a lição e se anteciparam. Como novidade do rol de cláusulas, estão prevendo a possibilidade de aulas em formato presencial, a distância ou híbrido e até mesmo deixando clara a ausência de descontos, caso o modelo seja virtual. O Procon avisa que é preciso atenção e que alguns casos podem configurar abuso.
Na prática, cada escola pôs as contas na ponta do lápis para repassar os custos. Algumas anunciaram que não reajustarão as mensalidades. Outras já informaram novos valores, e a maioria não informou se manterá ou não os descontos.
As matrículas, que normalmente começam a ser renovadas em novembro, neste ano estão sendo feitas com atraso. Alguns colégios preveem só para janeiro. Se neste ano a contratação de um serviço presencial foi o grande argumento dos pais para requererem reduções e até mesmo exigir quebra de contratos – o que ocorreu em grande escala no ensino infantil –, para o ano que vem ele cai por terra. Pelo menos é o que se desenha.
O Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) orientou as escolas quanto ao novo formato de contrato. “Indicamos a cláusula para que houvesse equilíbrio contratual e não tivéssemos de passar por esse problema que vivemos, em casos fortuitos ou de força maior. Assim, as famílias estariam cientes da flexibilização da escola com relação ao regime de aula: presencial, não presencial ou híbridas. Bem como com relação à carga horária e ao calendário”, explica a presidente da entidade, Zuleica Reis.
Se no nível epidemiológico o cenário aponta para a manutenção do ensino remoto, o mesmo não se pode dizer das reduções concedidas em razão da pandemia. Zuleica afirma que 2020 foi atípico e as escolas ficaram perdidas na questão de descontos, grande parte por causa de judicializações e pressão do Ministério Público. “Os pais vão estar cientes de que 2020 não é parâmetro para 2021. Se as escolas tiverem de continuar dando os mesmos índices de desconto indiscriminadamente ou percentuais lineares, elas não sobrevivem. Muitas, aliás, já estão com encerramento de atividades”, ressalta.
Sem diferenciação
Para o sindicato, mesmo se a pandemia persistir, vale o valor prévio contratual da mensalidade. “Independentemente para qual tipo de aula. Se serão remotas, híbridas ou presenciais, existe um preço. E não há diferenciação de valor. O valor que pagamos do salário-aula base do professor não importa se é presencial, híbrida ou on-line. Não tem sentido pensar em valores diferenciados para aulas diferenciadas”, avisa.
Mãe de duas crianças do ensino fundamental 1 de uma escola da Região Centro-Sul de BH, uma professora universitária de 45 anos, que pediu anonimato, renovou a matrícula dos filhos nos novos moldes. A instituição reduziu o valor das mensalidades neste ano, mas não previu nada em específico no contrato para 2021. Ela acha justo repassar descontos, mas diz que não tiraria os filhos do colégio em caso contrário. “As pessoas falam que as escolas não estão pagando água e luz, mas, estando também no outro lado do ambiente educacional, digo que elas estão, sim, sendo cobradas pela média”, diz. “Se não tivesse o desconto, não acharia ruim. Estudei lá a vida inteira e minha reação é diferente por causa dessa relação.”
'Entendo que é uma cláusula leonina', diz mãe
Mesmo com a cláusula prevendo novas modalidades de ensino e, automaticamente, fazendo valer o preço da mensalidade previsto em contrato (tarifa cheia, sem cortes), algumas escolas preferiram ir além e deixar fixada essa parte da prestação do serviço bem clara no contrato. Foi o caso do Colégio Marista. Na mais nova unidade da Região Nordeste de Belo Horizonte, pais de alunos do então Colégio Padre Eustáquio, comprado pela rede Marista, não apenas receberam os valores reajustados como também o novo contrato que não deixa dúvidas.
De acordo com o documento, se no curso do ano letivo houver aumento ou diminuição de dias letivos ou carga horária, mudança nos horários de prestação do serviço ou a modalidade de ensino por determinação de autoridades, “por razões qualificáveis como caso fortuito ou de força maior, não implicarão em alteração do objeto contratual nem tampouco darão ensejo a repactuação do valor do contrato”.
Para uma advogada de 45 anos que tem dois filhos no ensino fundamental 1, trata-se de uma cláusula abusiva. “Entendo que essa é uma cláusula leonina. Como é um contrato de adesão, não dá a chance de questionar ao que você está aderindo. É abusivo, porque, se não assina, não garante a vaga do seu filho. Por outro lado, se assina, adere a isso, sem a opção de discordar”, afirma a mãe, que prefere o anonimato. Segundo ela, os pais se mobilizaram para enviar e-mail à escola cobrando explicações para evitar judicialização, mas que estão pouco confiantes. “Uma mãe ligou reclamando e disseram para ela decidir logo (se assina ou não), pois tem fila de espera”, conta.
As condições teriam piorado, segundo essa mãe. “O colégio acabou com o maternal e demitiu todos os professores. A ideia era recontratar em janeiro, mas como as aulas não vão voltar, não sei se recontratarão, até porque a rede mudou”, diz. “Demitiram todo mundo e deram 15% de desconto na mensalidade. Quem já tinha o desconto de 10% para irmãos, ganhou só mais 5%”, relata.
A advogada questiona a balança de gastos e despesas. “A escola não tem mais despesa com água, luz, transporte de funcionários. Agora, nós imprimimos as atividades com nosso dinheiro, a conta de luz subiu, tive de melhorar a internet e providenciar mais um computador. Quando eu e meu marido estávamos trabalhando em casa, éramos quatro tendo de revezar entre computador e celular”, lembra. “A escola não leva em consideração esse tipo de coisa na hora de não dar abatimento.”
Por meio de nota, o Colégio Marista Padre Eustáquio informou que está preparado e “vai prestar os serviços educacionais visando concluir o ano letivo de 2021 em favor dos alunos, nas modalidades que forem exigidas, permitidas e/ou necessárias. A cláusula em questão prevê isto e informa que não haverá alteração de valores em razão disto, mesmo se houver necessidade de aumento nos dias letivos e/ou na carga horária”.
Revisão
O Colégio Santo Agostinho também pôs em contrato que eventuais modificações não “acarretarão alteração no preço”, mas após reação negativa dos pais, voltou atrás e retirou essa parte do texto. Por meio de nota, o Santo Agostinho apontou que “prontamente, o colégio realizou a alteração no texto para ter mais assertividade e clareza no entendimento da referida cláusula por parte de todos os envolvidos”.
Procon alerta para abusos
Assinar, sim, mas não necessariamente concordando. Pais podem acionar as vias administrativas e judiciais, caso se sintam lesados, conforme explica o coordenador do Procon de Belo Horizonte, Felipe Santos Ferreira. Contratos de ensino, em geral, segundo ele, “são de adesão, o que, conforme o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor, são aqueles cujas cláusulas tenham sido unilateralmente estabelecidas pelo fornecedor, sem que o consumidor tenha a discricionariedade de discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”. Mas, de acordo com Ferreira, o que deve ficar claro é que eventuais cláusulas abusivas podem ser discutidas. “Se restar comprovada tal abusividade, a cláusula será considerada nula, os contratos poderão ser revistos e eventuais descontos poderão ser fixados – tanto na seara judicial (por meio dos Juizados Especiais) quanto administrativamente, no Procon”, avisa. Em contrapartida, custos comprovados podem ser repassados.
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