Dez meses à frente da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, terceira maior cidade do país, com 2,5 milhões de habitantes, não impediram que Jackson Machado Pinto mantivesse o posicionamento centrado que caracteriza a sua personalidade. De poucas palavras, ele se mostra seguro do papel que desempenha na gestão de ações contra a maior crise sanitária, humanitária e com drásticos efeitos sobre a economia, tanto no Brasil, quanto no mundo. Há pitadas de turbulência também política que tem enfrentado.
Nesta entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Jackson Machado é categórico ao recomendar que a população mantenha as medidas de prevenção contra a COVID-19, num momento de risco elevado de contaminação pelo coronavírus, com o apelo das comemorações de Natal e ano-novo. “Não está na hora de juntar gente, aglomerar, fazer festa”, afirma.
Mais enfático, o secretário, que preside o comitê de aconselhamento ao prefeito Alexandre Kalil (PSD) na tomada de decisões sobre o enfrentamento à doença, muitas delas polêmicas, chama a atenção das pessoas que resistem à vacinação. “A essas pessoas, acredito que falta a elas um pouco de responsabilidade da vida em comunidade.”
Jackson Machado avalia também a relação entre a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo de Minas e reconhece que, do ponto de vista político, poderia haver mais sintonia, assim como existe cooperação técnica entre as pastas de saúde nos dois âmbitos. Ele lamenta que o presidente Jair Bolsonaro não tenha liderado a nação no enfrentamento à pandemia.
Outro assunto polêmico, a conturbada relação entre a Prefeitura de BH e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel-MG) nos últimos meses é encarada pelo secretário. “A Abrasel tentou defender seus interesses, mas, por desconhecer princípios básicos de epidemiologia, que não é obrigação deles conhecer, achou que vender é mais importante do que viver. Isso não é verdade.” Médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (1978) e chefe da Clínica Dermatológica da Santa Casa, como professor da disciplina de dermatologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Jackson revela aconselhar-se com a mulher, a dermatologista Maria Sílvia Laborne. No comitê de assessoramento ao Executivo, ele conta com o apoio dos infectologistas Carlos Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás.
Qual momento mais difícil o senhor vivenciou no enfrentamento à pandemia?
Foram dois os momentos mais difíceis. Um foi aconselhar o prefeito a fechar as atividades da cidade, deixando apenas as essenciais funcionando. A outra foi aconselhar o prefeito a retomar às atividades que haviam sido fechadas. Decidir a priorização na reabertura foi trabalhoso, levando-se em consideração diversas características de cada atividade, como a quantidade de pessoas empregadas, recursos que movimenta, a massa salarial, o número de pessoas com disponibilidade de transporte. Foram decisões, as duas, muito difíceis.
Em entrevista em julho ao EM, o senhor revelou os cuidados mantidos com a família. Como tem sido a relação do senhor com os familiares?
Os cuidados com a família são os mesmos. Temos mantido o distanciamento, usamos máscaras. Nos falamos todos os dias por Whatsapp ou por telefone, então temos mantido nossa proximidade, mas, ao mesmo tempo, com responsabilidade, sempre pensando no bem-estar uns dos outros.
Que avaliação o senhor faz da gestão do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à COVID-19?
Acredito que o presidente Bolsonaro poderia ter tido uma posição de liderança, que ele não assumiu até quarta-feira passada, quando se pronunciou sobre a vacina. Faltou ao país uma posição firme, como aconteceu na Alemanha, por exemplo, e em outros países, em que o dirigente máximo daquela nação assumiu o papel de protagonismo no enfrentamento à COVID-19. Faltou liderança que unificasse os estados e municípios sob sua tutela, sob sua batuta.
De que forma os números da doença no estado refletem as decisões do prefeito Alexandre Kalil, ao adotar medidas de distanciamento social em BH?
Belo Horizonte é uma referência para todo o estado. É um espelho. Tudo que se faz em Belo Horizonte, as outras cidades, principalmente as maiores, vão repetir. Além do mais, a capital é responsável pelas internações de quase 50% dos casos que precisam de hospitalização em Minas Gerais. Tudo que se faz em Belo Horizonte repercute em outros locais. No enfrentamento à pandemia, isso não foi exceção à regra. A capital motivou várias cidades a fazer como Belo Horizonte fez, e, sem dúvida, isso teve influência nos números no estado. Não tenho a menor dúvida quanto a isso.
Como o senhor avalia o trabalho realizado até o momento entre o governo de Minas e a Prefeitura de Belo Horizonte no combate à pandemia?
A Prefeitura de Belo Horizonte e o governo do estado sempre se entenderam bem por meio de suas áreas técnicas. As áreas técnicas da Secretaria de Estado da Saúde e da Secretaria Municipal de Saúde se falam quase todos os dias. Não só quanto à disponibilização de eleitos, quanto nas equipes. As áreas técnicas têm um relacionamento muito bom. O que tem faltado é uma maior sintonia do ponto de vista político, principalmente de uns tempos para cá.
Qual foi a medida mais acertada do comitê de especialistas de Belo Horizonte? Que medida o senhor, ao fazer uma revisão das medias adotadas, não tomaria?
Acredito que a medida mais acertada foi a sugestão ao prefeito, que foi acolhida, de limitar as atividades comerciais da cidade às atividades essenciais. Esse fechamento precoce foi responsável pelos bons números da cidade. Obviamente, há outros fatores, como a robustez de nossa rede de atenção primária, adesão da população às medidas, isso tudo foi muito importante.
Desde o início da pandemia, a PBH e a Abrasel-MG travam uma queda de braços em relação ao funcionamento de bares e restaurantes. Houve exageros das duas partes? Por que não se chegou ao consenso?
A Abrasel e a Associação de Bares e Restaurantes de Belo Horizonte participaram de várias reuniões não só com o comitê, mas também com o grupo de flexibilização das atividades comerciais no estado. Foram diversas reuniões e, infelizmente, a Abrasel decidiu que era melhor judicializar a questão, em alguns momentos, porque não queria entender que os bares e restaurantes são locais onde o contágio se torna mais propício devido ao fato de as pessoas terem que retirar as máscaras. A proibição de bebidas alcoólicas, por exemplo, foi uma tentativa de manter os bares e restaurantes funcionando, mas, ao mesmo tempo, evitar as aglomerações que estavam acontecendo em grande número e foram, certamente, em grande parte responsáveis pelo aumento no número de casos que temos visto, recentemente, na cidade. Tanto isso é verdade que os números têm se estabilizado, num patamar alto, é verdade, mas têm se estabilizado de um modo relativamente tranquilizador, embora seja alto esse número e tendendo a crescer. A Abrasel tentou defender seus interesses, mas, por desconhecer princípios básicos de epidemiologia, que não é obrigação deles conhecer, achou que vender é mais importante do que viver. Isso não é verdade. Por outro lado, a Associação de Bares e Restaurantes de Belo Horizonte sempre manteve um relacionamento muito próximo do comitê e da Secretaria Municipal de Saúde e sempre acatou as nossas recomendações.
Como o senhor avalia as pessoas que dizem não querer tomar a vacina contra a COVID-19?
As pessoas que dizem que não querem tomar a vacina têm o direito de fazê-lo, sem dúvida nenhuma, mas seria interessante não exercer esse direito de recusa. Sabemos que quanto mais pessoas se vacinarem, maiores são as chances de diminuir o número de doentes. Cada um escolhe como vai morrer, mas infelizmente não escolhe para quem vai transmitir. A essas pessoas, acredito que falta a elas um pouco de responsabilidade da vida em comunidade.
O senhor tem ideia do tempo que passou em conversas com o prefeito Alexandre Kalil ao longo desses meses? Falou mais com ele ou com a mulher do senhor?
Passei muitas horas em conversa com o prefeito Kalil, tanto pessoalmente como por telefone, mas, sem dúvida, não foi mais tempo que passei em casa com minha esposa, conversando com ela, que aliás me deu muitos conselhos sobre condutas na pandemia.
Quando o senhor acredita que a população voltará a ter uma vida sem medos?
Viver é perigoso. Temos que encarar a vida e viver de acordo com o que ela nos oferece, sempre com pensamento positivo, tomando as medidas de proteção necessárias e fazendo o que for possível para que continuemos vivendo em harmonia e paz, procurando ser felizes o tempo todo.
Quando o senhor considera o momento ideal para iniciar a vacinação da população de BH? O que a prefeitura pode fazer efetivamente para que esse prazo se concretize?
O momento ideal para iniciar a vacinação da população de Belo Horizonte é quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberar um imunizante. Até que haja uma liberação pelos órgãos regulatórios – e a Anvisa é um órgão regulatório da mais alta competência, assim como o Programa Nacional de Imunização (PNI) é um dos melhores do mundo –, não teremos a segurança de oferecer essa vacina para a população. A partir do momento que a Anvisa liberar e o PNI disponibilizá-la, aí sim, poderemos iniciar o processo de vacinação o mais rápido que pudermos, já que nosso programa, nosso projeto, já está prontinho. (O prefeito Alexandre Kalil firmou acordo com o governador de São Paulo, João Doria, para garantir vacina contra a COVID-19, o que foi considerado um plano B para a vacinação na capital.)
Qual é o conselho do senhor para a população neste fim de ano?
É muito importante que as pessoas tenham responsabilidade no relacionamento com as outras. Não está na hora de juntar gente, aglomerar, fazer festa. Temos visto muitos casos de confraternizações de 10 pessoas da mesma família, 12 da mesma família, em que seis pegam COVID-19. É hora de demonstrar que se ama, mantendo o distanciamento máximo possível.