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Estado de Minas VIDA EM TORNO DO MENINO JESUS

Aos 82 anos, moradora de Jaboticatubas mostra presépio que começou aos 7

Cada figura tem história, e muitas nasceram pelas mãos da também costureira e talentosa quitandeira de biscoitos


24/12/2020 06:00 - atualizado 24/12/2020 08:38

Dona Diquinha e seu tesouro, que tem lugar cativo em um dos quartos: 'Acho que tem mais de mil peças'
Dona Diquinha e seu tesouro, que tem lugar cativo em um dos quartos: 'Acho que tem mais de mil peças' (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)

Mãos postas para rezar, mãos delicadas na hora das costuras, tarimbadas diante da massa de biscoito e incansáveis na tradução da genuína arte mineira. Logo após convidar os visitantes a entrar em sua casa e confessar que o presépio é sua vida , Nadir Luíza Marques, a dona Diquinha, de 82 anos, abre o coração e a porta de um quarto onde guarda seu tesouro. A visão impressiona: na recriação do cenário do nascimento de Jesus , há tal quantidade de peças que a senhora residente no Centro de Jaboticatubas , na Região Metropolitana de Belo Horizonte, já perdeu a conta do número: “Acho que tem mais de mil”.

Diante de tanto esmero na montagem do presépio , a quantidade pouco importa. O essencial é saber que cada figura tem história, e muitas nasceram pelas mãos da também costureira e talentosa quitandeira de biscoitos. Com o jeito bem mineiro de acolher quem chega, ela se tornou guardiã de uma das mais caras tradições das Gerais, que, independentemente da pandemia do novo coronavírus, encontra terreno fértil e solo sagrado em certas casas do interior, nas quais influências dos grandes centros são poucas, prevalecendo os costumes passados de geração a geração.

Protegida pela máscara e no distanciamento certo, dona Diquinha, a exemplo dos moradores de Jaboticatubas, não vê acontecer, desta vez, o tradicional circuito de visitação de presépios. “É por causa dessa epidemia”, ela lamenta, o que a impede não só de receber pessoas da capital  e cidades vizinhas, como também de fazer, com amigas e vizinhos, a novena de Natal, rezando diante do presépio. “Nesta época, a gente sempre fica muito satisfeita em receber o povo”, declara, antes de oferecer suspiros, balas de chocolate... “Aceita um café?”


Arte de gerações



Maquete da Igrejinha da Pampulha faz parte da composição
Maquete da Igrejinha da Pampulha faz parte da composição (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
Viúva, mãe de Alexandre de Jesus Marques e avó de Artur, de um 1 e meio, a moradora de Jaboticatubas tem prazer ao mostrar as peças do presépio que vem construindo desde os 7 anos, quando a família vivia na comunidade rural Casa de Telha. Aprendeu a arte com a mãe, Carmelita Santos Maia, que morreu aos 85, há 57 anos. “Eu ainda nem era casada... Tenho figuras, como a Sagrada Família, os pastores e animais, que foram dela, então têm mais de 100 anos”, conta dona Diquinha. A fonte de inspiração inesgotável vem sempre da devoção católica, da vontade de manter vivos os costumes, dos ensinamentos da mãe Carmelita, da fé em Deus.

Nos caminhos, entre montes e lagos, com os anjos, há peças de louça, madeira, cerâmica e muitas flores de papel crepom, uma especialidade da anfitriã. “Sempre trabalhei em casa, então gosto dessas atividades”, ela resume. A cada centímetro, nota-se que a criatividade tampouco tem limite. Em comemoração aos 300 anos do estado (a partir da instituição da Capitania de Minas em 2  de dezembro de 1720), dona Diquinha colocou este ano no presépio pequenas réplicas dos profetas de Congonhas, originalmente esculpidos por Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).

Tem também a Capela Curial São Francisco de Assis, a conhecida Igrejinha da Pampulha, um patrimônio da humanidade recriado em papelão, com o painel dedicado ao santo padroeiro e um toque bem contemporâneo: a nora Cristina fez uma cópia da fachada no computador e colou na estrutura. E quem foi criança no início dos anos 1960 vai se deliciar com as miniaturas dos atletas olímpicos então colecionadas mediante a troca de tampinhas de refrigerantes nos caminhões das distribuidoras de bebidas que percorriam  o interior. Eles também prestam por lá seu tributo silencioso ao aniversariante do dia.

Para homenagear a terra natal, dona Diquinha fez, no maior capricho, o hospital –  “Pena que atualmente está sempre cheio, né?” – a  farmácia, a igreja, o depósito de material de construção, as ruas, os caminhões passando, o Cristo ressuscitado, com a roupa branca de papel crepom, no alto da montanha, os pastores com as ovelhas, os reis magos... Recuperando um costume bem antigo, ela recorta algumas figuras de revistas e prega nas peças marcadas pelo tempo.

E é novamente olhando a enormidade de detalhes que ela destaca o presépio como sua vida. Se há peças antigas, o conjunto reúne também as recicladas. Dona Diquinha reaproveita embalagens de ovos de galinha e codorna, e o papel de embalagem de maçã para dar forma à profusão de flores de todas as cores.

Surpresa


Se a pior parte é guardar as figuras do presépio, dona Diquinha deixa seu  segredo para o final. Os olhos sempre curiosos percorrem os vários níveis da plataforma montada pela dona da casa, que realiza o desejo de muitas pessoas que fazem presépios e se sentem tristes na hora de levar as figuras para as caixas. Para evitar o monta-desmonta, ela retira, após o período natalino, apenas as peças da parte de baixo. “Deixo as de cima, a parte das bonecas vestidas de anjo, penduradas por fios. Fecho com uma cortina para não pegar poeira, e assim  posso rezar aqui, em silêncio, durante todo o ano.” Então, depois que tudo passar e chegar a tão esperada vacina, fica o convite para a visita ao presépio cheio de histórias e fé. Dona Diquinha espera de portas, e coração, abertos. 

Vista ampliada do presépio de dona Diquinha
Vista ampliada do presépio de dona Diquinha (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)


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