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Estado de Minas PATRIMÔNIO

Reconhecida como de Aleijadinho, imagem de São Manoel volta a Rio Pomba

Restauração de imagem do século 18 traz à tona características que creditam a autoria ao mestre do barroco. Peça volta à igreja matriz São Manoel


27/12/2020 06:00 - atualizado 27/12/2020 07:33

Detalhes do cabelo, ombros, olhos arregalados, nariz e até formato das unhas ajudaram a identificar padrões
Detalhes do cabelo, ombros, olhos arregalados, nariz e até formato das unhas ajudaram a identificar padrões (foto: Leda Bárbara Soares/Divulgação)

 
No mês em que o estado comemora 300 anos de autonomia administrativa e política, a partir da criação da Capitania de Minas em 2 de dezembro de 1720, uma descoberta importante traz não apenas um presente para os mineiros nas proximidades do Natal como mostra a grandeza sem limite do patrimônio cultural das Gerais. Mergulhados em pesquisas desde maio, o historiador André Colombo e o restaurador Valtencir Almeida dos Passos, de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, atribuíram a autoria da imagem de São Manoel , pertencente à matriz dedicada ao santo padroeiro de Rio Pomba , na mesma região, a Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Na quinta-feira, a peça do século 18, em cedro e 1,20 metro de altura, retornou à igreja de origem como parte das homenagens pelos 253 anos do município, distante 250 quilômetros de Belo Horizonte.

Há oito anos como titular da Paróquia São Manoel de Rio Pomba , o padre João Francisco Xavier diz que o restauro da imagem e a atribuição da autoria a Aleijadinho reúnem uma história de fé e preservação do patrimônio cultural . Ele explica que sempre se interessou em conhecer o livro de tombo da igreja e manter o diálogo com a comunidade. "A autoria de Aleijadinho era uma suposição. Agora, temos essa surpresa com as pesquisas", destaca o pároco.

A peça sacra chegou em 2019 ao ateliê Relicário , de propriedade de Colombo e do restaurador Valtencir Almeida dos Passos, então contratados para o restauro do altar, de seis painéis de pinturas parietais e seis outras imagens da matriz. No caso da imagem do padroeiro, foi sob oito camadas de repinturas que os dois identificaram as características marcantes do escultor, nascido em Ouro Preto (distante 200 quilômetros de Rio Pomba) e conhecido como Mestre do Barroco.

Evidências


Colombo explica: "A remoção da tinta trouxe evidências que permitem a atribuição da peça a Aleijadinho. Há o cabelo bipartido com movimentação e mechas em vírgulas, que caem na frente das orelhas; os ombros atrofiados; os olhos arregalados; o nariz alongado com 'montículo' na ponta; as linhas geométricas do drapeado da veste; a proporção das mãos, o formato das unhas e a posição em ângulo dos pés". Ele esclarece que "a certeza sobre o passado da imagem incluiu análises e comparações estilísticas, bem como pesquisas bibliográfica e historiográfica, documental, análise estratigráfica e identificação botânica da madeira".

Cai tese de procedência de Portugal

Para dar maior sustentação ao trabalho, de acordo com o historiador, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo comprovou “que a matéria-prima da imagem é o cedro, usado por Aleijadinho em suas talhas e esculturas. O resultado elimina a tese de que a imagem teria vindo de Portugal, como um presente da rainha Maria I ao padre Manoel de Jesus Maria, fundador da cidade e da paróquia e devoto do santo”. Segundo André Colombo, já era de conhecimento de estudiosos o parecer que Aleijadinho deu sobre a obra de construção da Capela São Manoel de Rio Pomba, demolida e que deu lugar, no início do século 20, à atual matriz. Colombo cita dezenas de livros que indicam que o artista e o padre Manoel eram de Antônio Dias, bairro de Ouro Preto, onde atuaram na Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição. "O padre foi sacristão naquele templo, que guarda intensa relação com a história do escultor."

Colombo chama a atenção para caminhos cruzados. "Aleijadinho e o padre Manoel foram contemporâneos e tudo indica que se conheciam muito. Suas trajetórias se entrecruzam em vários momentos. O mais provável é que a imagem de São Manoel tenha sido uma encomenda do padre a Aleijadinho". Em texto divulgado pelo ateliê Relicário, Valtencir conta detalhes da restauração minuciosa: "Os desafios da restauração se concentraram no processo de remoção das oito camadas de repintura que alteravam a forma e a anatomia da imagem. Esse trabalho foi feito por meios mecânico, com bisturi, e químico, com solventes. A remoção demandou quatro meses, exigindo habilidade e técnica para não alterar ou danificar a policromia original".

Pistas


O trabalho no ateliê começou em novembro de 2019, e foi a partir de maio de 2020 que as suspeitas ficaram mais fortes. Um raio-X da peça demonstrou que a construção da escultura ocorreu nos moldes de como Aleijadinho operava. A investigação contou com a ajuda de outros especialistas independentes, como o historiador e restaurador Carlos Magno de Araujo, de São João del-Rei (na Região do Campo das Vertentes), que já recuperou obras de Antônio Francisco Lisboa. Também no texto de divulgação, Carlos Magno diz que todo o processo de descoberta foi surpreendente, pois "ninguém esperava mais encontrar um Aleijadinho inédito a esta altura do século 21. Essa escultura é da melhor fase do Aleijadinho. É um santo sereno, sem a dramaticidade do trabalho final dele".

Recuperação do objeto sacro levou quase um ano: oito camadas de repintura foram removidas pelos especialistas
Recuperação do objeto sacro levou quase um ano: oito camadas de repintura foram removidas pelos especialistas (foto: André Colombo/Divulgação)


Tombamento a caminho

O Conselho Municipal de Patrimônio Cultural de Rio Pomba já providenciou o tombamento da imagem de São Manoel e está encaminhando o pedido ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). O restauro do acervo da igreja, que incluiu outra imagem do mesmo santo, mas de procedência desconhecida e tamanho menor, e quatro esculturas sacras do mestre Santa Bárbara, do século 19, foi deliberação do conselho para financiamento via Fundo Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural, que usa recursos recebidos da Lei de ICMS Patrimônio Cultural de Minas Gerais.


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