"Tenho certeza de que eu amo a vida. Batalhei muito e continuo batalhando, eu, o meu corpo, para poder estar aqui hoje"
Luiz Felippe Teles Ribeiro, de 37 anos, engenheiro intoxicado pela Belorizontina
Momento de descontração transformado em luto, pesadelo e sede por justiça ainda não aplacada. Completa um ano o episódio de contaminação de cervejas da Backer por dietilenoglicol na linha de produção da fábrica, no Bairro Olhos D'Água, na Região Oeste de Belo Horizonte, que deixou o Brasil atônito nos primeiros dias de 2020, antes mesmo da chegada da pandemia do novo coronavírus, e deu origem a uma complexa investigação sanitária e policial.
Neste começo de 2021, o desejo é também de recuperação da saúde de quem sobreviveu à “doença misteriosa do Buritis”, que começou a assombrar a capital mineira depois da circulação de mensagens em redes sociais dando conta do adoecimento de moradores ou pessoas ligadas ao bairro, também na zona Oeste da cidade, com sintomas neurológicos e nefrológicos similares, mais tarde identificados como uma síndrome nefroneural provocada pela substância tóxica encontrada em diversos rótulos da Backer. Pelo menos 10 pessoas morreram e outras 16 foram hospitalizadas. Sobreviventes carregam as sequelas da intoxicação.
Neste começo de 2021, o desejo é também de recuperação da saúde de quem sobreviveu à “doença misteriosa do Buritis”, que começou a assombrar a capital mineira depois da circulação de mensagens em redes sociais dando conta do adoecimento de moradores ou pessoas ligadas ao bairro, também na zona Oeste da cidade, com sintomas neurológicos e nefrológicos similares, mais tarde identificados como uma síndrome nefroneural provocada pela substância tóxica encontrada em diversos rótulos da Backer. Pelo menos 10 pessoas morreram e outras 16 foram hospitalizadas. Sobreviventes carregam as sequelas da intoxicação.
É justiça e recuperação o que espera Luiz Felippe Teles Ribeiro, de 37 anos, que tomou cerveja Belorizontina, um dos rótulos da Backer contaminados, no Natal de 2019. Depois de passar os primeiros seis meses de 2020 internado no Hospital Unimed, o engenheiro hoje segue na luta – com apoio da mulher, a farmacêutica Camila Massardi Demartini, de 30 –, ainda sem poder correr com as próprias pernas ou ouvir sem ajuda de aparelhos.
Os casos dele e do sogro, o bancário Paschoal Demartini, de 55 anos, estão entre os primeiros a vir à tona e foram peças-chaves para que o mistério fosse desvendado. Hospitalizado em Juiz de Fora, para onde havia voltado depois de consumir a cerveja nas festas natalinas, Paschoal morreu uma semana depois.
Os casos dele e do sogro, o bancário Paschoal Demartini, de 55 anos, estão entre os primeiros a vir à tona e foram peças-chaves para que o mistério fosse desvendado. Hospitalizado em Juiz de Fora, para onde havia voltado depois de consumir a cerveja nas festas natalinas, Paschoal morreu uma semana depois.
“Tenho algumas dificuldades, limitações para as coisas simples do cotidiano, como colocar um tênis, fechar um zíper da calça, passar um café. Meu sentimento hoje é de incapacidade de fazer as coisas que eu gosto. Um sentimento de impotência, de dependência das pessoas”, desabafa Luiz Felippe, que aos poucos retoma os movimentos. Para o profissional formado em engenharia metalúrgica pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a rotina que antes era de viagens a trabalho deu lugar a sessões de fisioterapia, fonoaudiologia e psicologia.
Luiz Felippe conta que depois que saiu do coma, chegou a pensar que a morte estava perto, mas em momento algum desistiu da vida. “Dias após ser internado, fui intubado e só acordei três meses depois. Pensei que ia morrer. E quase morri. Foi por muito, muito, muito pouco”, disse a vítima da Backer. “Sou uma pessoa alegre, de muitos amigos, de muito churrasco e que gostava de viajar tanto a trabalho quanto a lazer. Uma pessoa normal, com prazeres da vida normais, e tudo isso me foi tirado. Amo viver, é por isso que estou aqui”, revela.
Ter passado o fim de ano em casa foi uma dádiva. “Tenho certeza de que eu amo a vida. Batalhei muito e continuo batalhando, eu, o meu corpo, para poder estar aqui hoje”, descreveu em entrevista ao Estado de Minas na manhã de véspera do Natal. “Hoje estaremos reunidos através de muito trabalho, muita dedicação, muita força conjunta para poder estar aqui neste dia em que se completa justamente um ano que a gente foi envenenado”, disse Luiz Felippe.
A mulher do engenheiro, a farmacêutica Camila Demartini, não conseguiu falar com a reportagem pois ficou tomada de emoção ao relembrar da data em que a família estava reunida em momento de celebração e tomou a cerveja contaminada.
NEGOCIAÇÃO
Em agosto, a Backer iniciou o processo de reparação de danos às vítimas contratando uma firma especializada na resolução de conflitos. Familiares das vítimas afirmam que o diálogo com a empresa é todo feito por meio dos advogados. Há um acordo para o pagamento das custas emergenciais que inclui cláusula de sigilo imposta pelos advogados da Backer, impedindo que os envolvidos tornem públicos os termos da negociação.
“Grande parte das vítimas está dando um voto de confiança à empresa e acreditando no avanço da mediação para que sejam devidamente indenizadas. Dessa forma, mostram que nunca houve qualquer revanchismo, mas sim a necessidade de serem plenamente assistidas. Reforçam que continuam confiando nas autoridades envolvidas no caso, seja o Ministério Público ou o Poder Judiciário, cuja atuação é fundamental e decisiva para o necessário esclarecimento do caso. Necessitam, portanto, ser integralmente reparadas do grave episódio de intoxicação envolvendo o consumo das cervejas produzidas pela Backer”, informou o advogado de uma das vítimas.
EXPECTATIVA
“Espero por justiça criminal, humanitária e financeira”, deseja o engenheiro Luiz Felippe. Sem receber nenhuma indenização, reembolso ou ajuda de custo para os tratamentos, ele conta que não se incomoda com a retomada dos negócios da empresa, já que espera que eles tenham condições de pagar as indenizações que a Justiça estabelecer. Por outro lado, Felippe não consumiria nem recomendaria o consumo de produtos da marca. Ele explica que, se pudesse encarar os responsáveis pela fabricação da Belorizontina, diria que eles têm que pagar pelo que fizeram. “Eu não guardo rancor, mágoa. Não tenho nenhum sentimento, só quero justiça”, resume.
Após um ano da intoxicação, a vítima considera que não houve nenhum avanço por parte da Backer. “Eles não assumem a negligência de que são culpados, foi provado pelos laudos, pela perícia. São responsáveis pelo envenenamento pelo qual fui internado, quase morri. Perdi a minha vida social, de certa forma, minha vida normal, porque perdi audição, movimentos, meus dedos indicadores não dobram até hoje. Tomei a bebida num momento de lazer. A gente adquiriu (o produto) num supermercado, não foi em qualquer fundo de quintal”, relembra.
Apesar de enfrentar as sequelas da intoxicação, Luiz Felippe é positivo em relação a 2021. “Espero que seja um ano de muita recuperação e da minha vida mais próxima ao normal. Porque normal nunca mais vai ser. Eu perdi 100% da minha audição. Sou dependente de um aparelho para ouvir. Mas espero retornar às minhas atividades normais. Trabalho, lazer. Tudo próximo do mais normal possível. É isso que eu espero”, almeja.
A reportagem do EM entrou em contato com a Backer, mas a empresa não se manifestou até a publicação desta matéria.
Detetive movida por dupla dor
Foi a farmacêutica Camila Massardi Demartini (foto) quem percebeu a coincidência dos graves sintomas apresentados por Paschoal Demartini e Luiz Felippe Teles, respectivamente pai e marido dela, e iniciou uma busca por outras pessoas com o mesmo quadro, por meio de redes sociais. Dessa articulação entre as vítimas, surgiu a suspeita de contaminação a partir da cerveja artesanal Belorizontina. “Era a única coisa que havia em comum entre todos os pacientes. O fato de terem sido meus dois braços arrancados foi o que possibilitou toda essa descoberta. Se não fosse isso, talvez até hoje eu estaria bebendo a cerveja. E você também”, analisou ela, em entrevista ao EM em fevereiro do ano passado. Ela sugeriu à Polícia Civil a investigação sobre possível contaminação da cerveja, que terminou se confirmando.
De adulteração a homicídio culposo
Dez pessoas morreram no ano passado em decorrência de intoxicação depois de consumir cervejas Belorizontina contaminadas por mono ou dietilenoglicol, de acordo com o inquérito policial. As substâncias tóxicas, usadas no processo de refrigeração, vazaram para o interior de tanques de cerveja e, segundo o inquérito, sua utilização não era recomendado pelos fabricantes dos equipamentos. Pelo menos outras 16 vítimas foram hospitalizadas. Em 16 de outubro, a Justiça de Minas Gerais acatou a denúncia contra sócios e funcionários da Cervejaria Três Lobos, empresa dona da marca de cervejas Backer. Onze pessoas passaram à condição de réus.
Dessas, três – Ana Paula Silva Lebbos, Hayan Franco Khalil Lebbos e Munir Franco Khalil Lebbos – são sócios da cervejaria. Eles foram denunciados por vender chope e cerveja que sabiam poder estar adulterados pelo uso de substância tóxica no seu processo de produção e por causarem dano irreparável à saúde pública, entre outros crimes previsto no Código de Defesa do Consumidor. Além de receber a denúncia, o juiz Haroldo André Toscano de Oliveira, da 2ª Vara Criminal de Belo Horizonte, também retirou, naquela data, o sigilo sobre o processo.
Outros sete funcionários da empresa , entre engenheiros e técnicos, foram denunciados por homicídio culposo, lesão corporal culposa e atitude omissiva, entre outros crimes. Segundo a denúncia, três desses engenheiros exerciam a profissão de modo irregular, sem registro no Conselho de Química e Engenharia. Os denunciados por esses crimes são os responsáveis técnicos Paulo Luiz Lopes Ramon Ramos de Almeida Silva, Sandro Luiz Pinto Duarte; Christian Freire Brandt, Adenilson Rezende de Freitas e Álvaro Soares Roberti, além do chefe da manutenção da empresa, Gilberto Lucas de Oliveira. Paulo Luiz Lopes morreu após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) em 5 de novembro.
Charles Guilherme da Silva, funcionário de uma fornecedora de insumos para a cervejaria, responde ao crime de falso testemunho, por ter apresentado informações falsas na fase de investigação do caso. Segundo a denúncia, ele pretendia prejudicar a empresa na qual trabalhava após desavenças trabalhistas.
A denúncia havia sido apresentada em 4 de setembro pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG). "Os engenheiros e técnicos responsáveis pela produção de cerveja assumiram o risco de fabricar produto adulterado, impróprio a consumo, que veio a causar a morte e lesões corporais graves e gravíssimas a inúmeras vítimas", diz a peça de acusação, assinada pela promotora de Justiça Vanessa Fusco.
De acordo com os autos, “o uso indevido dos produtos tóxicos aliado à precária condição de manutenção da linha de produção das bebidas alcoólicas causaram um dano irreparável à saúde pública”. Após fiscalização pelo Ministério da Agricultura, foi constatada a contaminação de ao menos 36 lotes de cerveja com a substância tóxica dietilenoglicol, um agente anticongelante que vazou de um dos tanques utilizados na fabricação da bebida. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento indica que a empresa apresentava falha na produção dos produtos desde janeiro de 2019.
TRAGÉDIA NO COPO
10
pessoas morreram de intoxicação depois de beber cervejas da Backer
16
consumidores da Belorizontina foram internados e sobreviveram à intoxicação por mono e dietilenoglicol