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Estado de Minas Infraestrutura

Esgoto é mancha no saneamento básico; ligação ilegal agrava o quadro

Coleta e tratamento de efluentes estão abaixo da meta do marco legal do setor


04/01/2021 04:00 - atualizado 04/01/2021 07:06

O aposentado Fernando Soares Cavalcanti, de 78 anos, e a
O aposentado Fernando Soares Cavalcanti, de 78 anos, e a "cascata de dejetos%u201D"no Córrego do Cercadinho: "Mexem em tudo e não consertam nada" (foto: Fotos: Juarez Rodrigues/EM/D.A PRESS)

A pressão do esgoto coletado pela Copasa nos bairros Marajó, Havaí e Novo Barroca, na Região Oeste de Belo Horizonte, é tamanha que a caixa interceptora entre as ruas José Jorge Fonte Boa e José Cambraia do Nascimento não resiste. Nos horários de maiores descargas na rede, a estrutura de cimento e aço verte como um volumoso chafariz de detritos, desaguando uma cachoeira fétida, escura e viscosa diretamente no já combalido leito do Córrego Cercadinho. É um dos muitos pontos de extravasamento de esgoto em um estado que ainda está longe de cumprir as metas do novo Marco Legal do Saneamento Básico.

No Córrego Cercadinho, os vazamentos diários ampliam a carga de poluentes do leito que corta a Região Oeste em direção ao Ribeirão Arrudas, afluente do Rio das Velhas, trazendo mau cheiro e condições insalubres para a vizinhança. Além de problemas como esse, mesmo em locais com coleta de esgotos na capital e na Grande BH, é comum encontrar conexões clandestinas atirando dejetos em mananciais, muitas vezes cruzando sem qualquer resistência as tubulações das prestadoras de água e esgoto.

Esses vazamentos constantes mostram que sistemas formais de esgotamento sanitário são fonte de boa parte do esgoto que polui cerca de 54% dos trechos de rios monitorados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), como mostrou a edição de domingo do Estado de Minas. O Marco Legal do Saneamento Básico prevê 90% da coleta e tratamento de esgoto no Brasil até 2033. Minas Gerais atualmente colhe 85%. Mas os piores índices estão no tratamento: apenas 42% desse volume recebe algum tipo de cuidado antes de voltar à natureza.

Pior do que isso, onde existe, o sistema de coleta tem falhas que resultam em vazamentos e poluição de mananciais, como ocorre no Cercadinho. Em 2018, último ano com dados disponíveis no Sistema Nacional de Informações Sanitárias, o registro foi de 248.251 extravasamentos em redes de esgoto mineiras, média de 680 por dia ou 28 a cada hora. Segundo ambientalistas e especialistas, boa parte desse resíduo altamente contaminado vai parar nos rios e córregos do estado.

Desde 2016, quando a Copasa implantou a coleta dos esgotos na região do Bairro Havaí, o interceptor que fica a seis metros da casa do carpinteiro aposentado Fernando Soares Cavalcanti, de 78 anos, se tornou uma fonte que lança os resíduos a até 2 metros de altura. Várias vezes, nos meses de chuvas, os dejetos inundam a casa do morador que precisa conviver com mau cheiro, risco de contaminação e proliferação de ratos, baratas e escorpiões. “A Copasa vem aqui uma vez ou outra. Mexem em tudo. Deixam a porta do meu quintal aberta para trabalhar na tubulação até minhas galinhas fugirem e não consertam nada. Isso daqui é um absurdo, um pesadelo sem fim”, protesta o carpinteiro.

O esgoto que invade o Córrego Cercadinho é cobrado em taxa paga mensalmente pelos moradores do Bairro Havaí, que se dizem indignados com os constantes refluxos nos ralos de suas casas e com a poluição mais intensa do manancial que passa na porta de suas casas. “O esgoto da Copasa vaza dia e noite. O pior de tudo é quando, além de cair no córrego, ainda volta pelos ralos e pelas nossas caixas, entrando na casa e deixando aquela contaminação toda, aquele cheiro que faz os meninos até vomitarem de nojo. A gente paga e não tem um bom serviço”, reclama a dona de casa Roberta Cristiane Kister Gonçalves, de 40, também moradora do Bairro Havaí.

CLANDESTINOS 

Se a rede oficial já tem falhas, quando ela não é usada a situação ainda piora. A exemplo do que ocorre em vários locais de Belo Horizonte, como o entorno da Lagoa da Pampulha e a região do Bairro Ribeiro de Abreu (Nordeste da capital), mesmo com a presença da rede de coleta de esgoto mananciais como os afluentes da represa, o Ribeirão do Onça e o Córrego Cercadinho e seus tributários se tornam destino de milhares de ligações clandestinas que despejam esgoto diariamente na água.

Segundo moradores do Bairro Havaí, em um passado não muito distante o Córrego Cercadinho tinha até peixes. Atualmente, todas as suas margens estão invadidas e recebem esgoto, entulho e lixo de habitações clandestinas. Em alguns pontos de várzea é constante a luta dos moradores que vivem precariamente para segurar as encostas onde se apoiam suas casas e quintais, muitas delas instáveis, com sulcos profundos abertos pela força da água das chuvas. A prefeitura tem feito intervenções ao longo dessas margens durante os anos, na tentativa de conter os barrancos e evitar que o material carreado assoreie ainda mais o manancial, com a instalação de contenções de gaiolas de aço com pedras, os chamados gabiões.

Mas as providências não evitam que cada curva do Cercadinho seja destino de canos e manilhas que despejam esgoto doméstico no leito, um após o outro. Com isso, a água adquiriu um tom cinzento, característico dos dejetos domésticos. As corredeiras poluídas empurram curso abaixo uma lista interminável de detritos, como descartes de alimentação, restos de obras, latas de produtos químicos usados na indústria e comércio locais, sacolas plásticas, garrafas PET, latas de cerveja, descartáveis de todo tipo, cadeiras, mesas e até portas, causando represamentos e inundações nas épocas de chuvas.

DEGRADAÇÃO 

Em Sabará, onde só 68% do esgoto é coletado, as redes clandestinas se sobrepõe sobre a rede oficial da Copasa. São inúmeras canalizações piratas despejando os resíduos das casas no Córrego Sabará, um dos afluentes do Rio das Velhas. A informalidade atrai maus hábitos e como ocorre com frequência em outros espaços degradados, as margens e o leito recebem também descartes de entulho e lixo dos bairros do entorno.

Tratamento foi negligenciado

Os índices de coleta de esgotos considerados insuficientes e o tratamento escasso do que é colhido vêm do início das concessões de abastecimento e esgotamento, que são municipais, segundo avaliação do diretor do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), Marcus Vinícius Polignano. “Ocorreu um descolamento entre tratamento e abastecimento. As empresas preferiram fornecer apenas o tratamento de água para consumo, que é mais fácil, barato e lucrativo do que a coleta e o tratamento do esgoto. Isso teria de ter sido feito em contratos únicos. Por isso temos esse passivo tão grande”, observa.

Essa situação, na visão do diretor do CBH Rio das Velhas, poderia ser mudada caso fossem abertas linhas de financiamento para o saneamento por meio de grandes bancos públicos. “A meu ver, o novo Marco Legal do Saneamento Básico não vai resolver o problema, pois o interesse de empresas privadas seria aportar em grandes mercados consumidores para obter lucro, não em pequenas comunidades pobres, por exemplo, do Vale do Jequitinhonha. Vão disputar BH e Contagem, onde há possibilidade de lucro”, projeta.

Sobre a ineficiência das prestadoras de serviço, que permitem que vazamentos de esgotos poluam rios que deveriam ser preservados, Marcus Vinícius Polignano afirma que só com a pressão social é possível uma melhora. “Há 15 anos saímos de uma cobertura de tratamento de esgoto em BH que não chegava nem a 1%, para mais de 70%. Foi fruto de pressão do Projeto Manuelzão, do CBH e da sociedade. Havia duas estações de tratamento de esgoto (ETEs) na Bacia do Velhas e em uma década já temos 20. Mas se a pressão se vai, as empresas se voltam para os lucros e esquecem questões que a sociedade precisa. Quem sofre com isso são os rios”, afirma.

Condições favoráveis para 79% dos clientes

A Copasa informa que encerrou o ano de 2019 com 311 concessões de coleta de esgoto, atendendo a cerca de 8,2 milhões de pessoas. O número de economias atendidas com esse serviço aumentou 1,8%, atingindo 3,7 milhões, sendo que a extensão da rede atingiu 28,2 mil quilômetros, uma elevação de 0,2%. “Dessa maneira, 79,3% da população atendida pela Copasa tem sua qualidade de vida preservada. A Copasa ressalta que há um grande número de usuários factíveis – aqueles que têm rede coletora de esgoto na porta e não estão conectados ao sistema de esgotamento sanitário. A companhia realiza diversos trabalhos sociais para conscientização desses moradores no sentido de incentivar a adesão aos serviços. No entanto, não tem como obrigar a adesão.”

A concessionária informa que também desenvolve o Programa Caça-Esgoto, para identificar e retirar os lançamentos indevidos em cursos d’água e galerias pluviais. Em Belo Horizonte, segundo a companhia, cerca de 95% do esgoto gerado é coletado e 91,5% é tratado. Na Bacia do Cercadinho, a empresa afirma que há 100% de atendimento com redes de esgoto e interceptores e na Bacia da Pampulha há 95% de cobertura.

A companhia informou que, de acordo com estudo elaborado na região, “o interceptor Cercadinho está trabalhando com sua capacidade máxima, o que tem contribuído para episódios de vazamento. Sempre que ocorre evento dessa natureza, tão logo é identificado, é imediatamente reparado. A solução passa pela execução de obras de ampliação do interceptor. O projeto já foi elaborado e a previsão de início de obras é para este ano.”


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