Jornal Estado de Minas

'SENHOR PADRE, ABRE A PORTA'

Congado de Tiradentes apela à CNBB e Arquidiocese: 'Igreja é para todos'

Depois de ser impedido de realizar suas celebrações na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes, o Congado Nossa Senhora do Rosário Escrava Anastácia apelou às Arquidiocese de Belo Horizonte, à Diocese de São João Del Rei e à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.


Em petição virtual que conta com, aproximadamente, 700 assinaturas, a associação do Congado afirma que está proibida de se manifestar no templo desde agosto de 2019.



Senhor Padre abre a porta, povo negro quer entrar”, diz o título do texto, endereçado a Dom José, bispo da Diocese de São João Del Rei, Dom Walmor, arcebispo da Arquidiocese de Belo Horizonte e Presidente da CNBB e ao responsável pela proibição padre Alisson Sacramento, da Paróquia de Santo Antônio, em Tiradentes.


Segundo o Congado, a 'instituição religiosa continua omissa para o cuidado dos menos favorecidos'. Afirma, ainda, que 'após mais de 100 anos a história se repete, mais uma vez os negros e negras são impedidos de adentrar os templos religiosos cristãos, batem a porta e é negado acesso a um espaço teoricamente público'.


E questiona. “A igreja é para todos os povos ou para alguns?

A proibição

A proibição foi decretada pelo pároco Alisson Sacramento, que assumiu a paróquia responsável por essa igreja em julho de 2019.





 

Em entrevista ao Estado de Minas, o padre Alisson disse que não há discriminação contra o Congado e que o veto é uma 'questão doutrinal'.


“A Escrava Anastácia não é uma santa católica. Quando cheguei a Tiradentes, conversei a respeito com o Capitão Prego, responsável pelo congado, que me disse ser devoto da Escrava Anastácia e que havia no Rio de Janeiro uma igreja dedicada a ela. Expliquei, então, que a igreja Brasileira é uma dissidência da Igreja Católica, não faz parte da Igreja Católica”, declarou.


Ele completa: “Temos congados históricos, centenários, em louvor aos santos negros, a exemplo de São Benedito e Santa Efigênia. Não se trata de discriminação ou preconceito.



O Estado de Minas entrou em contato com a CNBB e com a Arquidiocesede Belo Horizonte. Ambas instituições afirmaram que não irão se pronunciar sobre o caso e que a decisão cabe ao bispo de São João Del Rei, Dom José Eudes Campos do Nascimento.

A reportagem aguarda retorno da Diocese de São João.

Às costas das camisas dos membros da irmandade, uma imagem da Escrava Anastácia (foto: Reprodução/Facebook)

Veja abaixo o texto da petição elaborada pelo Congado

Senhor Padre abre a porta, povo negro quer entrar!


A Federação dos Congados/Reinados de Nossa Senhora do Rosário do Estado de Minas Gerais, unida à guarda de congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia solicita sua assinatura nesse abaixo assinado.

A Associação Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, fundada em 2010, está PROIBIDA de realizar desde agosto de 2019, suas celebrações em honra a Nossa Senhora do Rosário nas dependências da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos no município de Tiradentes - MG.




O objetivo desse abaixo assinado, é exigir que os senhores Dom José - Bispo da Arquidiocese de São João Del Rei, Dom Walmor - Arcebispo da Arquidiocese de Belo Horizonte/Presidente da CNBB e Padre Alisson Sacramento da Paróquia de Santo Antônio em Tiradentes, revoguem a ordem que proíbe o acesso da guarda de Congado/Reinado as dependências da igreja de Nossa dos Rosário dos Pretos no município de Tiradentes – MG.

A narrativa de uma igreja do povo e com o povo, nos faz questionar: A igreja é para todos os povos ou para alguns?

Tal fato reforça que esta instituição religiosa continua omissa para o cuidado dos menos favorecidos. Após mais de 100 anos a história se repete, mais uma vez os negros e negras são impedidos de adentrar os templos religiosos cristãos, batem a porta e é negado acesso a um espaço teoricamente público.

Recordamos com lágrimas nos olhos do período escravocrata, em que às embarcações abarrotadas de negros eram "purificadas" com água benzida por um padre que não respeitava à identidade étnica deste povo. Após essa “faxina”, a carga negra estava pronta para permanecer escravizada nesse território, nessa Tiradentes onde estão gravadas tantas histórias de dor e sofrimento por suas ruas, becos e casarões.




Tentam silenciar os tambores Congado do Capitão Prego enquanto isso, ecoa a voz do padre ao microfone que com toda sua autoridade e sutileza continua seus trabalhos dentro da igreja construída por negros que foram escravizados, pouco se importando de ter silenciado uma manifestação religiosa e de grande importância para a cidade.

A situação se arrasta há quase um ano e meio. A irmandade parece ser invisível em seu próprio território. A omissão da igreja com o apoio do mais alto em sua hierarquia na cidade e toda Diocese incomodou a mídia que assim, ouviu e visibilizou os negros que estão batendo a porta.
Não é somente a pandemia que decretou pausa das festividades, mais também o racismo religioso. Solicitamos aqui uma reparação histórica e reforçamos que não seremos coniventes com tamanho abuso de poder.

Libere o acesso da irmandade a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, já!

Assine, compartilhe, divulgue!

audima