Jornal Estado de Minas

EM TIRADENTES

Bispo nega discriminação a Congado, mas rechaça atos alheios à fé católica


O bispo da Diocese de São João Del Rei, Dom José Eudes Campos do Nascimento, negou, na manhã desta quarta-feira (6/1), que haja discriminação na proibição imposta ao Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia de realizarem celebrações no interior da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes.





Em sua primeira manifestação oficial sobre o caso, o clérigo declarou, no entanto, que é dever dos padres zelar para que “não aconteçam no interior dos templos e nos demais espaços da paróquia, eventos contrários e alheios à fé católica e que firam o sentimento religioso de nosso povo”.


O bispo afirma ainda que não tem intenção de privar ninguém do acesso à igreja, mas de “garantir que as manifestações de religiosidade popular estejam em sintonia com a fé cristã”.


Essa é, de acordo com o padre Alisson André Sacramento, responsável pela proibição, a razão da celeuma. Segundo ele, o veto é uma “questão doutrinal”, pelo fato de a Escrava Anastácia, louvada pelo Congado, não ser uma santa reconhecida pela Igreja Católica Apostólica Romana.



O pároco alega ainda que o Congado tem ações próximas do Espiritismo, pois, ouviu do Capitão Prego, líder do grupo, que alguns rituais seriam necessários “para desencarnar esses irmãos que estão nesses lugares”. O padre ressalta que a Igreja Católica crê na ressurreição, não reencarnação.


Na nota emitida por Dom José Eudes, o bispo afirma que, a seu pedido, os padres de Tiradentes se reuniram com o Capitão Prego e apresentaram um convite formal para participar da Festa de Nossa Senhora do Rosário, celebrada anualmente, inclusive tendo acesso ao templo.


Nesta mesma conversa, teria ficado acertado que seria realizado um trabalho social conjunto entre Paróquia e Congado, após superadas as restrições decorrentes da pandemia de COVID-19.






Ainda na nota, Dom José Eudes reconhece que “a escravidão foi uma página vergonhosa de nossa história e que ainda há um preconceito racial estrutural em nosso país” e afirma que, em várias paróquias da Diocese de São João Del Rei, ocorrem as festas do Reinado com seu apoio e  dos padres.

Congado apela à CNBB e Arquidiocese

Nesta semana, o Congado Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia apelou à Arquidiocese de Belo Horizonte, à Diocese de São João Del Rei e à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil contra a proibição.

Senhor Padre abre a porta, povo negro quer entrar”, diz a petição virtual elaborada pelo grupo. O documento conta com, aproximadamente, 1.500 assinaturas.





 

O Congado afirma que “após mais de 100 anos a história se repete, mais uma vez os negros e negras são impedidos de adentrar os templos religiosos cristãos, batem a porta e é negado acesso a um espaço teoricamente público”. E questiona. “A igreja é para todos os povos ou para alguns?”

Veja abaixo a íntegra da nota emitida pelo bispo Dom José Eudes

São João del-Rei, 06 de janeiro de 2021

 

Caros irmãos e irmãs,

Servo no amor!

“Eu te louvo ó Pai pois revelastes estes mistérios aos pobres e pequeninos”! (Mt 11, 25)


A respeito dos fatos ocorridos em 2019, na Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes, desta Diocese de São João del-Rei, envolvendo o terno de Congado daquela localidade e que vem ganhando ampla divulgação em veículos de comunicação e nas mídias sociais, tenho a dizer:


1- A Igreja sempre valorizou a religiosidade popular. O Documento de Aparecida, nos números 258 e 262, diz que: “a religiosidade popular constitui um precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina (…) cabendo a nós protegê-la e promovê-la (…) bem como evangelizá-la e purificá-la”.


2- Em várias paróquias de nossa Diocese ocorrem as festas do Reinado com apoio dos padres e também com meu apoio como bispo diocesano.


3- A Igreja rechaça toda e qualquer forma de discriminação e reafirma sua posição de promoção da dignidade da pessoa humana. Reconhece também que a escravidão foi uma página vergonhosa de nossa história e que ainda há um preconceito racial estrutural em nosso país.


4- Lembro que no Jubileu do Ano 2000, São João Paulo II pediu perdão pelos pecados cometidos pelos filhos da Igreja ao longo da história, dentre eles a escravidão.


5- A respeito do caso específico veiculado pelas mídias, cumpre-me dizer que não é nossa intenção afastar, nem mesmo privar ninguém do acesso à Igreja, mas garantir que as manifestações de religiosidade popular estejam em sintonia com a fé cristã.






6- A meu pedido, os Padres Geraldo Magela da Silva, Vigário Geral da Diocese, e Alisson André Sacramento, Pároco da Paróquia de Santo Antônio de Tiradentes, em encontro fraterno com o Sr. Claudinei Matias do Nascimento, conhecido como “Prego”, capitão do Congado, formalizaram convite ao grupo para tomar parte na Festa de Nossa Senhora do Rosário, celebrada anualmente, inclusive tendo acesso ao templo. Nesta mesma conversa foi acertado o compromisso, uma vez superadas as restrições decorrentes da Pandemia, de realizar um trabalho social conjunto.


7- A Igreja, ciente de sua responsabilidade, nunca se furtará de zelar pelo ensino da sã doutrina e pela fidelidade do culto à fé católica.


8- Lembro ainda que é responsabilidade do Pároco zelar para que não aconteçam no interior dos templos e nos demais espaços da paróquia, eventos contrários e alheios à fé católica e que firam o sentimento religioso de nosso povo.


Sem mais, renovo meu apreço pelas manifestações de religiosidade popular presentes em nossa Diocese. Já tive oportunidade de manifestar, presencialmente, meu apoio a algumas delas, como por exemplo, participando do Jubileu do Divino Espírito Santo, no Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, em São João del-Rei. E ainda, recentemente, através de mensagem enviada ao terno de Congado da cidade de Piedade do Rio Grande que promove uma festa tradicional e centenária.


Em Cristo!


Dom José Eudes Campos do Nascimento
Bispo Diocesano





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